Plinio Corrêa de Oliveira

 

Carta para Alceu Amoroso Lima,

 24 de Junho de 1933

 

 

 

 

 

 

 

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[Os sublinhados e maiúsculas são do original]

24 de Junho de 1933

Meu querido Dr. Alceu

Venho, hoje, tratar de uma “moxinifada” [confusão, n.d.c.] da chapa única.

Esteve em São Paulo, como é notório, o Dr. Justo, que, dizendo-se incumbido pelo Governo Provisório, perguntou à comissão dos 5 (a que quis pertencer nosso amigo embaixador) em que condições aceitaria a entrega de São Paulo aos grupos coligados, que constituíram a chapa única.

Nesta reunião, deliberou-se que só depois do pleito de 3 de Maio é que se poderia cogitar seriamente do assunto. Esteve presente a esta reunião o Dr. Estevão, QUE A NADA SE COMPROMETEU.

Realizado o pleito, o Dr. Justo convocou novamente a comissão, presente o Dr. Estevão, e lhe perguntou se queria fazer a indicação de nomes que fossem aceitos pelo Governo Provisório, para preencher a Interventoria em São Paulo. Nesta reunião, ainda, nada se resolveu, pois que ficou estabelecido que só depois de concluídas as apurações a chapa se comprometeria definitivamente.

Em princípio, porém, aceitou-se que as correntes representadas na chapa veriam com bons olhos a nomeação de um interventor civil e paulista, que governasse de acordo com os postulados da chapa unida.

Ficou, porém, estabelecido que: 1) tal atitude não acarretaria a adesão da chapa à política do Governo Provisório; 2) que a chapa teria toda a lib erdade de impugnar os tópicos de anteprojeto da Constituição, que colidem com o programa com que ela se apresentou ao pleito de 3 de Maio.

A Liga manifestou desde logo seu desinteresse por nomes.

Decorrido algum tempo, convoca-0se nova reunião, que contava com a presença dos representantes dos 5 grupos, e do Dr. Justo. Este ofereceu, então, oficialmente, a Interventoria à Comissão. O Dr. Estevão declarou, então, QUE, NÃO SENDO POLÍTICA, A LIGA SE DESINTERESSARIA DO CASO, ESPERANDO, PORÉM, QUE NÃO FOSSE INDICADO UM INTERVENTOR ANTICLERICAL.

Depois de entendimento verbal meu com o Sr. Arcebispo, que está em Santos, compareci a uma reunião da chapa, em que se tratava do problema da Interventoria. Nesta reunião, o Embaixador leu uma carta que lhe dirigiu Dom Duarte, lembrando-lhe que um deputado que professasse a Religião Católica não poderia de modo algum sufragar um Interventor hostil aos seus princípios religiosos, e pedindo-lhe que transmitisse esta advertência aos Drs. A.M. e M.T.B. Eu fiquei incumbido verbalmente de orientar neste sentido os 4 candidatos apresentados pela Liga.

Nesta carta, o Sr. Arcebispo reafirmava novamente que a Liga NÃO APRESENTARIA CANDIDATOS, DANDO SUA SIMPATIA A QUALQUER INTERVENTOR QUE NÃO LHE CONSTITUÍSSE EMBARAÇO.

Em reunião havida em casa do Dr. Alcântara Machado e em que estivemos presentes apenas o Embaixador e eu, ficou novamente bem claro isto, sendo que o próprio Embaixador ainda lembrou que, em virtude da carta do Sr. Arcebispo, a Liga teria seu representante na comissão dos 5 APENAS COM A INCUMBÊNCIA DE RECEBER, DEPOIS DE ELABORADA, A LISTA DE NOMES QUE OS OUTROS GRUPOS APRESENTASSEM, para que levantasse, em relação a qualquer destes nomes, a objeção que coubesse.

No dia imediato, fui a 1 hora da tarde à casa do Dr. Alcântara para cientificá-lo de que, tendo embarcado naquela manhã para a fazenda, em estação de cura, o Dr. Estevão não poderia representar Liga na comissão. Para substituí-lo, fora indicado o Dr. Papaterra Limongi. TIVE ENTÃO OCASIÃO DE REAFIRMAR O DESINTERESSE DA LIGA PELA INTERVENTORIA, FESTA A RESSALTA JÁ MENCIONADA. O Dr. Alcântara manifestou, então, a intenção do P.R.P. de apresentar os Drs. Cintra Gordinho e Rodrigo Octavio, sendo que eu lhe disse que a Liga não se oporia a tal indicação. E AINDA ACRESCENTEI TEXTUALMENTE “DE NOSSA PARTE, NIHIL OBSTAT”.

Reafirmei, portanto, meu propósito de não indicar nomes, mas apenas de vetar ou não os nomes indicados. Aliás, está claro que, tendo eu ido à sua casa neste momento, precisamente para fazer a indicação do representante da Liga, eu indicava claramente que não tinha a autoridade para falar em nome desta, mas que tal autoridade estava em mãos do Dr. Papaterra.

Como consequência, embora pudesse ter havido um equívoco qualquer entre o Dr. Alcântara Machado e eu, claro está que as palavras posteriores do Dr. Papaterra, ditas em caráter oficial, deveriam prevalecer sobre as minhas, por dois motivos: 1) o Dr. Papaterra era o representante da Liga, e não eu; só ele, portanto, interpretaria devidamente o seu pensamento; 2) as palavras do Dr. Papaterra foram posteriores às minhas, e portanto, ainda que me quisessem, por absurdo, atribuir a qualidade de porta-voz da Liga (no momento em que comunicava estar investido desta função o Dr. Papaterra), suas palavras, sendo posteriores às minhas, poderiam indicar uma mudança de atitude da Liga, e portanto seriam a expressão de seu pensamento mais recente, e teriam efeito revocatório em relação a quaisquer considerações expendidas anteriormente.

Este ponto é de uma tal evidência, que me parece até pueril deter-me tanto tempo em prová-lo.

RESUMINDO, POIS: 1) ABSOLUTAMENTE NÃO DEI MEU CONSENTIMENTO, E NEM ME FOI PEDIDO, QUE A LIGA APRESENTASSE OS DRS. Rodrigo Octavio, Cintra Gordinho ou Salles de Oliveira, que mais tarde apareceu no jogo; 2) AINDA QUE EU TIVESSE DADO TAL CONSENTIMENTO, AS DECLARAÇÕES FEITAS POSTERIORMENTE PELO PAPATERRA LINONGI, EM SENTIDO CONTRÁRIO, TERIAM TORNADO SEM EFEITO QUALQUER DELIBERAÇÃO OU COMPROMISSO DE MINHA PARTE.

Saindo da casa do Dr. Alcântara, fui almoçar. Durante o almoço, chamou-me ao telefone o Dr. Cintra Gordinho, que me pediu que convidasse o Papaterra a comparecer à reunião da Comissão dos 5, que seria realizada no salão verde do Esplanada Hotel, às 15 horas. A pedido do Dr. Gordinho, ele se encontrou com o Papaterra e comigo na sede da Liga, antes da reunião. Fez ele um apelo para que a Liga fizesse sentir sua influência junto à Federação dos Voluntários para levá-la a uma composição com as demais correntes, quanto ao caso da Interventoria, pois que a Federação manifestava intenções que poderiam ocasionar o fracasso da missão do Dr. Justo.

Eu interrompi, então, o Dr. Gordinho, dizendo-lhe que a Liga, TOLHIDA PELOS SEUS ESTATUTOS, não poderia aceder a este pedido, cuja natureza era essencialmente política. Eu não queria, com isto, invadir o terreno do Dr. Papaterra, que era nosso representante (e que ainda não havia chegado). Mas tinha certeza de que ele concordaria comigo. Aliás, acrescentei, se o Dr. Papaterra quiser, poderá talvez intervir como amigo, não arrastando consigo o prestígio da Liga. Perguntou-me o Dr. Cinta Gordinho “mas a Liga é certo que não apresentará candidatos?”, ao que eu respondi afirmativamente, E EM TOM CATEGÓRICO.

Neste interim, chega o Dr. Papaterra, a quem eu repeti a vontade que tinha o Dr. Gordinho, na presença deste. O Papaterra e eu conversamos mais um pouco, e eu o deixei de automóvel no Esplanada. No caminho, combinamos que nem como amigo ele interviria.

Na reunião (refiro agora o que me contou o Papaterra) houve uma brecha: de um lado o P.R.P. e o P.D., e de outro lado a Federação dos Voluntários.

A Associação Comercial não compareceu, por não achar com qualidades para isto, como o próprio Dr. Gordinho me declarou, quando eu lhe disse QUE A LIGA COMPARECERIA APENAS PARA DAR O SEU “NIHIL OBSTAT” AOS NOMES QUE FOSSEM APRESENTADOS.

Nesta reunião, o Dr. Papaterra reafirmou expressamente a situação da Liga. E esta situação foi tão bem compreendida, que a comissão marcou outra reunião, na presenta do Papaterra, sem convidá-lo, porque iriam tratar da confecção da lista, de que o Dr. Papaterra só deveria tomar conhecimento depois de elaborada.

Esta reunião, a que o Dr. Papaterra não compareceu, realizou-se na noite deste dia, em casa do representante do P.R.P., Dr. João Sampaio.

No dia imediato, quando faltava ¼ de hora para as 3, o Dr. Gordinho me telefonou, convocando-me para uma reunião da chapa única (e não da comissão dos 5) “em que seria muito necessário” meu comparecimento.

Nesta reunião, foi elaborada e assinada a ata inclusa, sendo que, quando se tratava da elaboração, o Dr. Alcântara Machado queria dar a entender, para favorecer o jogo do P.R.P., que a Liga Eleitoral Católica seria infensa a um governo de partido, indispondo-nos, portanto, com a Federação, que opinava por este alvitre. A pedido meu, esta parte foi suprimida. Depois ele ia dando à ata uma tal feição, que se suporia, por uma hábil disposição de cláusulas, que a Liga vetaria os candidatos da Federação dos Voluntários. Chamada minha atenção para isto pelo Almeida Camargo (Federação), eu intervi, e o Alcântara me disse que eu lhe havia dito que a Liga vetaria tais candidatos. Diante de minha negativa FORMAL, ele não insistiu, e escreveu que “A Liga aceita todos os candidatos lembrados”.

Conversando, depois, com o Almeida Camargo, eu soube que se tinha feito espalhar a versão de que a Liga, ao contrário do que declarara, comparecera à reunião da comissão dos 5 para propor um interventor. Eu lhe desmenti categoricamente esta versão, autorizando-o outrossim a, em meu nome, desmenti-la por toda a parte.

No dia imediato, telefonei ao Dr. Gordinho, para lhe pedir uma cópia da ata inclusa, cujo original fora entregue ao Dr. Justo. Pelo telefone, o Dr. Gordinho “agradeceu-me o voto que dera”. Um pouco surpreso, eu lhe respondi evasivamente que tivera todo o prazer em manifestar a boa vontade da Liga a seu respeito. Mas eu me referia, é claro, à aquiescência que dera ao seu nome.

Qual não é meu espanto ao ler no Diário de S. Paulo de hoje a inclusa notícia, publicada com fins dolosos.

Peço-lhe, pois, que, se eu lhe telefonar neste sentido, o Senhor notifique as autoridades que a Liga não tem preferência por nenhum dos candidatos apresentados na ata inclusa, e que ela aceitará com simpatia QUALQUER INTERVENTOR QUE GOVERNE DE ACORDO COM OS POSTULADOS CATÓLICOS, E QUE AO MESMO TEMPO CORRESPONDA AOS ANSEIOS GERAIS DA POPULAÇÃO PAULISTA.

Note bem que o que está subentendido aí, e que ao Senhor se diz claramente é que a Liga quer que o Interventor que venha restaure o ensino religioso, revogado pelo Cel. Rabello. Mas convém que o Sr. se atenha à fórmula acima, um pouco enigmática, no que está toda a sua vantagem, pois que ela atende a certas condições do ambiente. Não altere, pois, a tal forma, pois que poderá daí surgir algum embaraço.

Amanhã, lhe telefonarei, dizendo se convém que a notificação seja feita oficialmente pelo Sr., como Secretário da Liga, ou se será preferível que o Sr. ou S.E. [Sua Eminência, Dom Sebastião Leme, n.d.c.] procure um dos chefes, e A PRETEXTO DE CONVERSAR SOBRE OUTRO ASSUNTO, lhe conte exatamente qual nossa situação.

Se eu não lhe telefonar, é sinal de que não desejo intervenção alguma, de sua parte, por enquanto.

Aceite um afetuoso abraço de

Plinio

N.B. Convém substituir a fórmula acima pela seguinte: “A Liga não tem candidato para a Interventoria, e apenas declara dar sua simpatia aos nomes lembrados pelas 3 outras correntes da chapa única, uma vez que governem dentro do programa da chapa. Entretanto, não tem preferência por nenhum dos nomes lembrados”.

Nota: acabo de ser informado de que a Federação notificou ao Dr. Justo que rompeu o acordo. Será verdade?


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