Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Minha

 

Vida Pública

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Parte XI

Livros e Campanhas de grande repercussão na década de 1980

 

Capítulo VIII

Disputa Collor x Lula: TFP toma posição (1989)

1. Numa primeira fase, candidatos chocantemente esquerdistas

Na eleição presidencial seguinte, as três primeiras grandes candidaturas foram de políticos notória e até chocantemente esquerdistas*.

* Apresentaram-se inicialmente como candidatos nessa eleição, entre outros, Luiz Inácio Lula da Silva, Leonel Brizola e Mário Covas. Foi também candidato Ronaldo Caiado. Só mais tarde apareceu a candidatura Collor.

Isto explica que incontáveis brasileiros tivessem feito grise mine ou até faccia feroce diante da perspectiva de os candidatos irem sendo escolhidos dentre líderes político-partidários, por equipes estritamente político-partidárias. Tudo sob o bafejo da esquerda [158].

*   *   *

Aí o Sr. Ronaldo Caiado teve sua candidatura lançada pelo presidente regional da UDR paraibana (cfr. Folha de S. Paulo, 11/5/88) [159]. E foi, durante bom tempo, um "favorito", um campeão para o Grande Prêmio Presidência da República, senão de toda a mídia, pelo menos de grande parte dela.

Houve depois considerável retrocesso de alguns candidatos. E o retrocesso mais considerável foi o do Sr. Ronaldo Caiado. Segundo as pesquisas de opinião, ele estava colocado nos últimos lugares.

E as duplas de propagandistas da TFP que percorriam o interior do País confirmaram tal retrocesso, através dos contatos mantidos no próprio meio de onde se podia esperar que lhe viesse maior apoio, isto é, o ruralista.

O mito, a aura de invencibilidade jovem, jubilosa e irreversivelmente triunfante que se havia constituído em torno dele, encontrava-se dessa forma desfeita pelos fatos.

A TFP está certa de que seus numerosos alertas (sem réplica da parte do Sr. Caiado), a respeito da política suicida do "ceder para não perder" adotada pelo então presidente da UDR, contribuiu em larga medida para o desestufamento desse mito, que ia conduzindo a classe rural, talvez irreversivelmente, e com ares de vitória, abismo abaixo [160].

2. Perplexidade do eleitorado e perguntas à TFP

No imbroglio político de então, o afã de conhecer a opinião da TFP se manifestou. Dos mais variados lados se nos perguntava, com confiança tocante, qual seria o candidato mais desejável. Ou, antes, qual o menos indesejável.

Por vezes, a mesma pergunta se voltava contra nós, com certo cunho de intimação: que candidato potável a TFP tinha para propor? E, se não o tivesse, que solução ela encontrava para tirar o País da perigosa mixórdia em que parecia ir soçobrando?

Que solução apresenta então a TFP? Que o país recorra às cúpulas das grandes associações de classe? Tal proposta, a TFP não a faria. Pois, ao longo dos debates da Constituinte, as cúpulas profissionais que falaram, o fizeram quase sempre no sentido de favorecer o esquerdismo do plenário constitucional que tanto já se ia extremando neste sentido. Ou, então, se assinalaram na prática da ruinosa política do "ceder para não perder", isto é, do ceder muito, diante das esquerdas, para tentar não perder tudo... E quando não agiram assim, foi porque se calaram completamente [161].

3. Collor: candidatura-surpresa muito bafejada pela mídia

Nesse clima despontou uma nova figura, a de Fernando Collor de Mello [162], que se apresentou como se fosse um campeão de corrida que havia entrado no páreo eleitoral.

Neto de Lindolfo Collor, político gaúcho muito saliente na era getuliana, ligado por vínculos familiares mais ou menos desfeitos, como por vínculos familiares atuais, ao grande capitalismo, ele próprio um capitalista de considerável fortuna, o nome de Fernando Collor começou a despertar em certos setores brasileiros a esperança de que viria a representar uma solução centrista, com alguma tendência à direita, para a solução da situação caótica que submergia o País.

Começava entretanto a cercá-lo uma “aura” parecida com a que há pouco havia favorecido Caiado. E a mídia projetava dele a imagem de pessoa resplandecente de otimismo, de êxitos passados e de esperanças para o futuro. E de pessoa que trazia em si uma como que promessa “evidente” de vitória.

*   *   *

Não era minha intenção, nem da TFP, impugnar a atitude dos que consideravam a presença de Collor, na lista dos mais cotados presidenciáveis, como representando certa distensão e certo alívio quanto à pressão das esquerdas.

Mas vi que era preciso tomar cuidado. Eu sustentava que era necessário acompanhar com atenção o que ele dizia, para ter idéia exata do voto que se iria dar.

Collor me parecia, de fato, um candidato preferível aos outros.

Mas, daí a depositar nele — como se fosse um candidato talismânico — a confiança cega, presente em certas formas de entusiasmo sugeridas por elementos das comunicações sociais, isso se me afigurava excessivo.

Esse utopismo otimista poderia marcar a atmosfera do primeiro período de governo. E acabava beneficiando prematuramente um novo Presidente de República com uma carga de confiança que ele talvez merecesse... mas que talvez não merecesse.

Meus comentários não eram anti-Collor. Eram comentários pró-Brasil. Comentários que convidavam portanto à vigilância e à atenção.

Eles não desviavam votos de Collor. Apenas procuravam atenuar fanatismos que facilmente se poderiam tornar excessivos [163].

4. TFP toma posição e o debate se ideologiza

Veio então o primeiro turno das eleições, com Fernando Collor obtendo vantagem considerável (por volta de 12%) sobre o segundo colocado, Luís Inácio Lula da Silva.

Em quem votar no próximo turno da eleição, de dramática importância para o País?

Eu não podia deixar sem resposta as numerosas perguntas que neste sentido me chegavam, não só dos sócios, cooperadores e correspondentes da TFP, como de bom número de simpatizantes de todo o Brasil.

Isto se tornou ainda mais premente à vista do fato de que Lula, interrogado pela Folha de S. Paulo (18/11/89) sobre se era verdade que tinha o apoio da corrente da Teologia da Libertação, respondeu que não havia nenhuma novidade nisso. E que todo mundo sabia que havia um setor progressista da Igreja que apoiava a campanha dele.

Lula terminou por dizer que Collor deveria ficar com o pessoal da direita da Igreja, e que ele ficaria com o da esquerda.

Essas declarações justificavam completamente uma tomada de posição nossa, não só entre as candidaturas Collor e Lula, como também ante a Teologia da Libertação e as CEBs.

*   *   *

Não era minha intenção dar à voz da TFP outro alcance senão o de um conselho fraternalmente oferecido por membros do laicato católico a membros do laicato católico, acerca do segundo turno da eleição presidencial. Redigi então um manifesto.

Eu lembrava nesse manifesto que, enquanto a TFP defendia o princípio da propriedade privada e o sistema de livre iniciativa, as CEBs eram adeptas do sistema socialista de inspiração confessadamente marxista.

E frisava que a anterior figura política de Lula, sempre marcada por uma nota esquerdista, havia se radicalizado ao longo da campanha. Resultava isto do fato de as CEBs terem tomado vulto preponderante nas fileiras do “lulismo” e do PT. CEBs nas quais o público via um caráter radicalmente esquerdista.

Em vista de tudo isto eu recomendava no manifesto, a todos os eleitores com opiniões consonantes com as da TFP, que não dessem seu voto a Lula. E que a alternativa era votar no candidato Collor.

Eu deixava bem claro que a meta da TFP não era oferecer votos a ninguém. E que ela não via na candidatura Collor senão uma contingência a ser aceita quase automaticamente pelo eleitor, quer centrista, quer direitista, pois decorria de modo inexorável da candidatura Lula.

O fato é que, depois desse comunicado, o conflito ideologizou-se, ficando Lula de um lado, e de outro Collor. E um certo anticomunismo começou a novamente se definir no Brasil* [164]

* Este manifesto foi publicado na Folha de S. Paulo, 29 de novembro de 1989, no caderno Exterior, p. A-7, sob o título Face à dramática situação do Brasil, a TFP toma atitude entre as candidaturas Collor de Mello e Lula, como também ante a Teologia da Libertação e as CEBs.

5. Processo contra a “Folha” e ameaça de processo contra Dr. Plinio

Depois de publicado esse comunicado, li na imprensa que o Procurador Geral da República em Brasília moveu um processo criminal contra a Folha de S. Paulo, na pessoa de seu diretor, Otávio Frias de Oliveira, pelo fato de o jornal ter publicado um pronunciamento a favor do Collor e contra o Lula.

Razão: a lei eleitoral considerava crime, passível de um a cinco anos de prisão, o responsável por uma entidade que não fosse um partido político, se pronunciar a favor de um candidato durante o período eleitoral.

Percebi logo que queriam processar-me a mim também. Se processassem o Frias, o processo sairia contra mim também.

Ele tinha publicado, e eu tinha escrito. Era o mesmo “crime” para quem escreveu e para quem publicou. Sem saber, eu tinha cometido esse “crime” [165].

Passou-se mais ou menos um ano [166] e no fim o tribunal criminal declarou absolvido o Sr. Frias e, com surpresa para mim, mandou-me um ofício muito gentil, comunicando-me essa absolvição e dizendo que a lei que proibia essas intervenções eleitorais já não tinha mais aplicação em vista da Nova Constituição [167].

 


NOTAS

[160] O que a TFP pensa do presente quadro eleitoral, Catolicismo n° 463, julho de 1989 — Uma análise da atuação do Sr. Ronaldo Caiado foi feita por Dr. Plinio na sua obra Projeto de Constituição angustia o País.

[161] Aviso aos indolentes, Folha de S. Paulo, 8/5/89.

[162] — Fernando Affonso Collor de Mello foi Presidente do Brasil entre os anos 1990 e 1992.

[164] RR 25/11/89.

[165] CA 22/5/91.

[166] CM 20/2/94.

[167] Despachinho 7/6/94.

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