Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Minha

 

Vida Pública

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Parte XI

Livros e Campanhas de grande repercussão na década de 1980

 

Capítulo VII

Projeto de Constituição angustia o País (1987)

 

 

1. Uma cascata de inautenticidades contra o Brasil católico

Pouco depois de amainadas as invasões, li a notícia de que o povo brasileiro fora convocado para escolher uma Assembléia Nacional Constituinte, que funcionaria concomitantemente como Congresso nacional (Câmara e Senado) [137].

Uma vez chegado o período eleitoral, começou um estilo de propaganda, o mais lamentável possível [138]. A propaganda que os políticos faziam costumeiramente era da respectiva cara.

Era uma cara com bigodinho, sorrindo, ou outra cara com olhar wagneriano, como quem prometesse ao Brasil um futuro gigantesco. E daí para fora.

Eram caras, caras e caras; nomes, nomes e nomes... e só. Eles não apresentavam nenhum princípio, não davam nenhuma meta, não articulavam nenhum programa [139].

Lembro-me de ter visto, na campanha para a Constituinte, um desses cartazes de propaganda com a cara enorme de um homem, e apenas os dizeres: "Fulano de tal é federal" [140]. Mais nada. A cara dele era o único argumento para ser eleito [141].

O mandato popular para fazer a nova Constituição foi conferido, na maior parte dos casos, a cidadãos brasileiros acerca dos quais o eleitorado ignorava o que pensavam no tocante aos grandes problemas nacionais [142]. E isto concorreu gravemente para a inautenticidade daquele pleito [143].

O alheamento entre o povo e os candidatos, daí decorrente, era tão grande que foi impressionante o número de votos em branco ou nulos [144]. A classe política não tinha o entusiasmo de ninguém no Brasil [145].

*   *   *

A essa carência de representatividade congênita veio somar-se outra, decorrente do funcionamento tumultuado e anômalo da própria Constituinte, em que as inautenticidades se sucediam em cadeia.

O plenário era menos conservador do que o eleitorado. As comissões temáticas eram mais esquerdistas que o plenário. E a Comissão de Sistematização (que coordenava o trabalho preparado pelas comissões temáticas) apresentava a maior dose de concentração esquerdista da Constituinte.

E, assim, uma minoria esquerdista ativa, articulada, audaciosa ameaçava arrastar o País para rumos não desejados pela maioria da população [146], numa atmosfera de caos marcada pelo pipocar dos insultos, pelo estalido das taponas, e pelas querelas decorrentes das insuficiências dos prazos regimentais.

Os que me conhecem pessoalmente sabem que não sou “queixoeiro” nem pessimista. Mas não havia setor da vida nacional em que alguém não estremecesse na antevisão dessas reformas que abalavam tudo, desde a segurança e incolumidade do Poder Judiciário, que deveria ser intangível, até a integridade e a própria existência da família, ameaçada de deixar de vez de ser uma realidade, para ficar reduzida a mera ficção literária de mau gosto [147].

2. Necessidade urgente de intervir: “Projeto de Constituição angustia o País”

Impunha-se fazer um estudo que versasse ao mesmo tempo sobre a representatividade da Constituinte então eleita e sobre o Projeto de Constituição que ela estava elaborando.

O resultado desse estudo foi o livro Projeto de Constituição angustia o País, que concluí em outubro de 1987 [148], quando os trabalhos da Constituinte atingiam o seu clímax [149].

Após exaustivo trabalho de coleta e análise dos dados disponíveis, o estudo versava não só sobre a representatividade da Constituinte, como também sobre o Projeto de Constituição em elaboração, bem como o desfecho que se podia vislumbrar ante o eventual divórcio do novo texto constitucional em relação ao pensamento majoritário da Nação [150].

3. Algumas propostas fundamentais do livro

Mostro no livro que esse projeto de Constituição estava dando um grande passo rumo à socialização integral do Brasil, sobretudo em relação à desagregação da família e ao minguamento da propriedade particular [151]. E faço severas admoestações e observações, não contra o regime, mas contra o modo pelo qual este vem sendo vivido por nós. Porque, salvo as raríssimas exceções, a classe política é, entre nós, a-ideológica [152].

Como resolver a complexa e espinhosa situação de inautenticidade constitucional assim criada?

Que os Constituintes votassem uma Constituição dispondo sobre a organização política do País, segundo uma linha geral em que facilmente se poderia conseguir o consenso notório de toda a população. A parte sócio-econômica seria deixada pela própria Constituição para outra Assembléia, a ser eleita com poderes constituintes especiais para dispor sobre tal. O que lhe evitaria de atirar o País num dédalo de complicações fatais para a boa ordem, o desenvolvimento, e quiçá a soberania dele.

Era para evitar à nossa Pátria essa catástrofe por antonomásia que a TFP, em espírito de concórdia e de cooperação, dirigia esse brado de apelo e essa cordial proposta aos senhores Constituintes.

Como tal não ocorreu, o divórcio entre o País legal e o País real foi inevitável. Criou-se então uma daquelas situações históricas dramáticas, nas quais a massa da Nação saiu de dentro do Estado, e o Estado viveu vazio de conteúdo autenticamente nacional.

As correntes de esquerda conseguiram envolver a maioria conservadora, de forma a fazer prevalecer os pontos de vista delas e incluir na Constituição dispositivos que implantavam no País as Reformas Agrária e Urbana, ao mesmo tempo que abriam caminho para a Empresarial - as duas primeiras com o apoio oficial do Poder Executivo, e a terceira com claras simpatias em altas esferas políticas e publicitárias.

O livro levantava reparos a outros tantos dispositivos de capital importância, como sejam a aniquilação do matrimônio e da família legítima; prejuízos causados à multiplicação da espécie, ao livre exercício da profissão médica, à organização do ensino etc. [153].

4. Um dos livros mais complicados que eu já tenha escrito

Não se pode calcular o trabalho que me custou fazer este livro [154].

A dificuldade estava em encontrar a maneira de apresentar as coisas que levasse esse jogo a ser outro.

Começava por aí: a democracia era um conceito político, mas os constituintes queriam entendê-la como uma atitude social. Democracia seria, por exemplo, uma postura contra a discriminação racial, contra isso, contra aquilo.

Eu havia estudado Direito Constitucional e tinha sido uma das poucas matérias jurídicas que me interessaram.

E eu sabia, daquela época em que estudei esse ramo do Direito, que essas matérias sociais, segundo os melhores juristas, não devem fazer parte de uma Constituição. Porque a Constituição diz respeito só à estrutura política de um país, mais nada. As outras matérias deviam ser tratadas na legislação ordinária.

Então senti a necessidade de restaurar no livro o conceito de democracia, como também o de representatividade.

Repito: nunca havia escrito um livro que me desse tanto trabalho como esse. Quem lê o livro não faz bem idéia disso. Pensa que estava tudo arranjadinho na minha ca­beça, e que eu fui pensando e escrevendo. Não é verdade [155].

5. Campanha de alerta de Norte a Sul

Início da campanha de divulgação do livro sobre a Constituinte no centro de São Paulo

Sócios e cooperadores da TFP consagraram-se, durante cinco meses, a difundir a obra por mais de 240 cidades de 18 Unidades da Federação, fazendo escoar os 73 mil exemplares editados.

Ressalte-se a média recorde de 1.083 exemplares diários vendidos durante os dezenove dias de difusão intensiva na Grande São Paulo.

Finalmente, esboçou-se uma certa reação dos elementos mais conservadores no seio da Constituinte*.

* Formou-se na Constituinte um bloco de deputados que se diziam inconformados com os rumos que a mesma estava tomando, e que recebeu o nome de “Centrão”. É esclarecedor, a esse respeito, o discurso em plenário do deputado Bezerra de Melo (PMDB-CE), em 3 de dezembro de 1987, no qual dizia: “Não concordávamos com os rumos tomados pela Comissão de Sistematização da Assembleia Constituinte Nacional. E para tanto formou-se o Centrão, cuja missão dentro do Parlamento é salvar a nova Constituição das graves ameaças por que está passando” (cfr. Procurando o Centrão: Direita e Esquerda na Assembléia Nacional Constituinte 1987-88, tese de pós-graduação de Rafael Freitas, Samuel Moura e Danilo Medeiros, 2009).

Porém faltavam-lhes o ímpeto e a determinação necessários para reverter o processo descrito no livro. E o Brasil foi presenteado com uma Constituição que criaria em seguida toda a espécie de embaraços para a governabilidade do País [156].

O Brasil havia iniciado, bom grado, mau grado, uma nova etapa de sua História, na qual a caminhada para a esquerda se tornara compulsória, acelerada.

Resultou gravemente golpeada a instituição cristã da família, bem como profundamente danificadas, em muitas de suas características mais essenciais, a propriedade privada e a livre iniciativa [157].

A alvissareira abertura de ontem nos conduziu à terrível “apertura” de hoje.

Aspecto da campanha de difusão do livro sobre a constituinte no centro de São Paulo

 


NOTAS

[1] SD 29/2/80.

[2] Mensagem gravada a Dom Mayer, 2/3/80.

[4] SD 29/2/80.

[5] Mensagem gravada a Dom Mayer, 2/3/80.

[6] Acesso às embaixadas, o teste decisivo, "Folha de S. Paulo", 27/04/1980, cit.

[8] Mensagem gravada a Dom Mayer, 2/3/80.

[11] Mensagem gravada a Dom Mayer, 2/3/80.

[12] SD 29/2/80.

[13] A guerra do hissope, Folha de S. Paulo, 5/10/81.

[14] Começa a rajada, Folha de S. Paulo, 20/7/81.

[18] O cavalo, a bruxa e o filhinho, Folha de S. Paulo, 22/5/80.

[20] Ziguezague, Folha de S. Paulo, 21/7/81.

[22] A guerra do hissope, Folha de S. Paulo, 5/10/81.

[24] SD 22/1/81.

[25] Reunião com os Srs. mais antigos do movimento 18/1/81.

[26] SD 15/2/91.

[27] Despachinho 30/6/86.

[31] Na França: o punho estrangulando a rosa, Catolicismo n° 376, abril de 1982.

[32] Autogestão, dedo e fuxico, Folha de S. Paulo, 11/12/81.

[33] CSN 21/11/81.

[34] Entrevista a supporters da TFP norte-americana, 1/6/92.

[35] CSN 21/11/81.

[37] CM 28/4/85.

[43] Mensagem telefônica, dezembro de 1981.

[45] CSN 16/1/82.

[48] A propósito da Mensagem das TFPs, coluna A palavra do leitor, Folha de S. Paulo, 15/12/81.

[50] CSN 16/1/82.

[51] Autogestão, dedo e fuxico, Folha de S. Paulo, 11/12/81.

[52] SD 30/7/82.

[55] Mensagem telefônica, dezembro de 1981.

[58] SD 30/7/82.

[59] Jeito, trejeito ou estertor, Folha de S. Paulo, 15/4/82.

[60] SD 27/8/82.

[61] SD 29/2/80.

[64] Despacho CEBs 14/3/80.

[66] Palestra para as Caravanas 26/8/82.

[67] SD 27/8/82.

[69] Simpósio 4/7/84.

[70] ENSDP, maio de 1985.

[71] RR 31/3/84.

[72] SD 27/8/82.

[73] RR 5/5/84.

[74] Simpósio 4/7/84.

[77] SD 6/4/82.

[80] Hipóteses, hipóteses..., Folha de S. Paulo, 22/5/82.

[81] Só por Essequibo?, Folha de S. Paulo, 1°/7/82.

[82] Despacho argentinos 3/2/92.

[84] SD 28/4/82.

[85] SD 14/4/82.

[87] — O manifesto argentino foi depois publicado em importantes jornais de Buenos Aires, sob o título La independencia de la Argentina católica ante la efectividad de la soberanía en un territorio insular [en português]. E teve repercussão internacional, ao ser reproduzido em Washington, Nova York, Londres, Bogotá, Quito, Guayaquil, Caracas e Santiago do Chile. Eis a relação dessas publicações: Buenos Aires: La Nación, 13/4/82; Clarín, 15/4/82. Estados Unidos: The Washington Post, 30/4/82; The New York Times, 30/4/82; The Wanderer, 6/5/82; Human Events, 8/5/83. Colômbia: El Tiempo, Bogotá, 20/4/82 e Diario de la Costa, Cartagena, 24/4/82. Equador, El Comercio, Quito, 21/4/82 e Expreso, Guayaquil, 25/4/82. Chile: El Mercurio, Santiago, 15/4/82. Foi também publicado na Venezuela e em jornais de Londres, bem como levado ao ar pela BBC de Londres. Na Espanha, a Sociedad Cultural Covadonga distribuiu o manifesto nas ruas (cfr. Covadonga Informa, n° 55-56, março-abril de 1982).

[88] SD 14/4/82.

[89] Russos poderão aproveitar tensão nas Malivinas, Letras em Marcha nº 127, maio de 1982.

[90] SD 14/4/8.

[91] SD 14/4/82.

[93] Garantia notarial, tabelioa, Folha de S. Paulo, 24/7/82.

[94] Hipóteses, hipóteses..., Folha de S. Paulo, 22/5/82.

[95] SD 28/4/82.

[97] SD 28/4/82.

[98] SD 14/4/82.

[100] SD 28/4/82.

[101] SD 12/5/82.

[102] Já, já e já, Folha de S. Paulo, 29/4/82.

[103] Palavrinha 2/12/82.

[105] Palavrinha 2/12/82.

[106] SD 23/6/82.

[107] SD 16/4/82.

[110] Chá 5/4/85.

[117] Chá ENSDP 12/8/85.

[118] — Do livro foram publicadas duas edições, num total de 16 mil exemplares, além de 34 mil da edição especial de Catolicismo contendo excertos da obra. Sua difusão foi feita em campanhas nas vias públicas das principais capitais do País e, a partir do dia 23 de agosto, por 52 duplas de propagandistas, as quais visitaram 694 cidades em 19 Estados.

[122] Claro, forte e logo, Catolicismo n° 404, agosto de 1984.

[126] Entrevista à Rádio São Miguel de Uruguaiana, 21/6/90.

[127] RR 18/10/86.

[128] Despacho 5/10/85.

[129] Entrevista à Rádio São Miguel de Uruguaiana, 21/6/90.

[131] Entrevista à Rádio São Miguel de Uruguaiana, 21/6/90.

[139] Entrevista ao Correio Braziliense (gravação e texto), 23/1/91.

[141] Entrevista ao Correio Braziliense (gravação e texto), 23/1/91.

[145] Entrevista ao Correio Braziliense (gravação e texto), 23/1/91.

[147] O conselho, o farol e a maruja (I), Folha de S. Paulo, 30/6/87.

[149] Aviso aos indolentes, Folha de S. Paulo, 8/5/89.

[152] Entrevista ao Correio Braziliense (gravação e texto), 23/1/91.

[154] CA 3/11/87.

[155] CSN 31/10/87.

[160] O que a TFP pensa do presente quadro eleitoral, Catolicismo n° 463, julho de 1989 — Uma análise da atuação do Sr. Ronaldo Caiado foi feita por Dr. Plinio na sua obra Projeto de Constituição angustia o País.

[161] Aviso aos indolentes, Folha de S. Paulo, 8/5/89.

[162] — Fernando Affonso Collor de Mello foi Presidente do Brasil entre os anos 1990 e 1992.

[164] RR 25/11/89.

[165] CA 22/5/91.

[166] CM 20/2/94.

[167] Despachinho 7/6/94.

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