Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Minha

 

Vida Pública

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Parte III

Professor Universitário e Advogado — Papel do “Legionário

 

 


 

Capítulo I

As três Cátedras

1. Cátedras favorecem o apostolado

Em 1935 saí definitivamente da política.

Voltei para a vida privada e assumi, em épocas diferentes, três cátedras: [1] a primeira, de professor de História da Civilização no Colégio Universitário, seção anexa à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em 1935; a segunda, de História Moderna e Contemporânea na Faculdade Sedes Sapientiae, em 1937; e a terceira, de História Moderna e Contemporânea na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras São Bento [2].

Fiquei no exercício da docência creio que mais ou menos 20 anos.

Só bem mais tarde fundei a TFP, em 1960.

Quando a TFP foi fundada, eu já havia parado de lecionar. Porque para fundar essa associação foi necessário um trabalho prévio muito absorvente, incompatível, quanto a horários e demais exigências anexas ao cargo, com o ensino. Então deixei de lecionar [3].

Quando estudante na Faculdade de Direito, eu já sentia certa vocação para professor, certo gosto de explicar, expor idéias. Meu desejo sempre foi o de ser professor de História. Parecia-me a mais bonita das matérias para a cultura geral do homem.

Não a História dada por professor que entra na aula e diz: “Meroveu I, filho de Chlodion: quando começou a reinar, quando morreu? Foi morto? Morreu de doença?”. Eu achava tal exposição de uma sensaboria sem nome. Para dar História assim, eu não me sentia atraído. Já para comentar a História, fazer sua análise, procurar mostrar o seu sentido profundo, aí eu me sentia apto [4]. As datas, eu levava por escrito e as lia, e dava a minha aula histórica consultando tais datas na frente dos alunos [5].

Eu aspirava por uma vida em que a preocupação de ganhar dinheiro ocupasse o menor espaço possível, para poder me dedicar ao apostolado. O ideal seria uma profissão que de si já possibilitasse o apostolado, em que se pudesse fazer o bem. E ser professor de História parecia-me a melhor forma de realizar esse intento [6], uma vez que abria caminho para um curso contra-revolucionário da História, com possibilidade de fazer adeptos [7].

Aquelas cátedras deram-me a possibilidade de exercer uma ação pública de expressão doutrinária marcante, porque a formação histórica, mesmo quando colocada numa objetividade que roce pelas raias da neutralidade absoluta, não deixa de ter uma profunda repercussão sobre a formação doutrinária e a mentalidade dos alunos [8].

2. Dito de Alcântara Machado

Como foi que me tornei professor de História?

Como deputado, eu me via obrigado a prever o momento em que deixaria de o ser. Então, o que iria fazer da vida? Eu estava muito preocupado com isso.

Foi aí que, numa reunião da bancada paulista, à qual confesso que não estava prestando muita atenção, o líder Alcântara Machado em certo momento olha para os presentes e diz:

— Isto aqui está aprovado?

Silêncio na sala.

— Está aprovado?

Silêncio na sala.

— Então, está aprovado!

E voltando-se para mim, acrescentou:

— Quem ganhou com isto foi o senhor.

— Por que eu ganhei?

Eu notei que ele viu que eu não tinha prestado atenção. Mas queria saber por que tinha ganho.

— Porque nesta Constituição nova está dada licença à Igreja de fundar universidades católicas [9] e quase não é compreensível que uma universidade católica em São Paulo não tenha o senhor como professor [10]. E o senhor tem todas as condições para começar a sua vida por onde outros acabam [11].

Até então, no Brasil, todo o ensino universitário estava nas mãos do Estado. E por aquela disposição da Constituição de 1934, estabelecia-se a possibilidade de grandes entidades privadas, entre elas a Igreja Católica, montar faculdades e universidades, sujeitas naturalmente à fiscalização do Ministério da Educação [12].

Quando o Alcântara Machado disse aquilo, eu espevitei-me. Fiquei muito contente, mas disfarcei para não notarem que eu não prestara atenção na matéria.

3. Convite da Faculdade São Bento

Pouco tempo depois, estando em São Paulo (eu ainda era deputado), recebi um telefonema dos padres beneditinos. Queriam falar comigo.

Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras de São Bento

Eu disse que poderíamos nos encontrar. E eles adiantaram:

— Estamos fundando uma Faculdade, a Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras de São Bento [13]. Uma das cadeiras é de História e há três ou quatro cátedras: História Antiga, História Medieval, História Moderna e História Contemporânea. Preci­sa­mos de apresentar nomes que impressionem bem o Ministério da Educação. Serão professores catedráticos, logo de uma vez. O senhor aceitaria de ser catedrático de duas cadeiras? Como deputado, seu nome impressiona.

Depois acrescentaram as amabilidades: “E o senhor é conhecido como bom orador”.

— Pode ser. Se os senhores precisam, pode ser [14].

— O senhor está informado de que ganhará pouco? O Estado paga por volta de mil e quinhentos por mês a um professor universitário. A Igreja tem menos dinheiro que o Estado, pois Ela não arrecada impostos. Portanto, vai pagar só duzentos e cinquenta.

Eu pensei com os meus botões: “É melhor do que nada” e respondi:

— Não, não. Eu aceito de bom grado [15].

E assim fiquei professor catedrático da Faculdade São Bento.

Avisei-os de que, enquanto fosse deputado, não teria tempo de lecionar.

Ainda exercendo a legislatura, eu ia recebendo deles convites para reuniões, para isto e para aquilo outro. Não podia comparecer, mas ficava bem claro que eles se lembravam bem de que eu estava inscrito no Ministério da Educação como catedrático.

Primeira turma de formandos e professores (193?) diante da Basílica Abacial Nossa Senhora da Assunção do Mosteiro de São Bento em São Paulo. Foto: Acervo CAPH / FFLCH

N.R.: A referência não indica a faculdade dessa primeira formatura.

4. Convite da Faculdade Sedes Sapientiae

Algum tempo depois recebo outro convite: “As freiras do Colégio Santo Agostinho (da rua Marquês de Paranaguá) convidam o senhor para ser professor de uma faculdade que vão fundar, a Faculdade Sedes Sapientiae, e da qual farão parte os melhores intelectuais do País. Pedem para o senhor aceitar como deputado quatro cátedras”. Evidentemente aceitei e fiquei muito contente [16].

De fato, pouco depois, as cônegas regulares de Santo Agostinho abriram em São Paulo essa Faculdade especial para moças: a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Sedes Sapientiae, reconhecida pelo Ministério de Educação [17].

A grande propulsora da fundação dessa Faculdade foi uma belga, pessoa de grande valor, disseram-me que de uma família rica, distinta, a Mère Saint-Ambroise, que eu conheci pessoalmente. Inteligente, culta, muito realizadora, capaz de fazer o que queria, sabendo bem o que visava e a quem as superioras deram uma liberdade muito grande na direção da Faculdade [18].

5. Nomeação para o Colégio Universitário

Já a minha nomeação para o Colégio Universitário foi uma verdadeira epopéia [19].

Eu ainda era deputado. E estando em uma sala da Congregação Mariana de Santa Cecília, um congregado mariano pôs-me a par de uma informação que ele ouvira de um amigo que trabalhava numa repartição de determinada Secretaria do governo de São Paulo: iam ser criados postos de professores para o Colégio Universitário da Faculdade de Direito de São Paulo [20].

Esse Colégio Universitário seria uma espécie de ensino secundário ministrado no próprio prédio do ensino superior, para elevar o curso secundário ao nível do ensino superior [21]. Era, portanto, um curso de introdução à Faculdade de Direito.

Ser professor lá era muito honorífico. Era quase ser catedrático da Faculdade [22]. Davam-se aulas no mesmo prédio, faziam-se reuniões na mesma sala dos professores da Faculdade de Direito, usavam-se nos intervalos as mesmas salas.

Portanto, tudo muito misturado e num contato contínuo com os professores da Faculdade. Era o mesmo diretor, o mesmo secretário, a mesma secretaria [23], direito do tratamento de Excelência em aula, quase os mesmos vencimentos [24].

*   *   *

De posse desta informação, dias depois fui falar com o Governador, Dr. Armando Sales de Oliveira.

Como deputado, eu tinha o privilégio de ser recebido logo.

Cheguei e disse:

— Quero falar com o Governador.

— Ah! pois não [25].

Entrei:

— Dr. Armando, como vai o senhor?

Eu não estava habituado aos estilos governamentais, não os conhecia. Quem tra­ta com o governador deve dizer: “Senhor Governador”, e não “Dr. Fulano”. Sobretudo não se deve tratá-lo pelo primeiro nome, mas pelo sobrenome: “Dr. Sales de Oliveira” ou qualquer coisa assim.

— Dr. Armando, como vai o senhor?

— Como vai, Dr. Plinio? [26]

Encontrei o Governador meio intrigado com o que eu quereria.

Recebeu-me muito amavelmente e uma das primeiras coisas que me disse foi:

— Essa Constituinte está demorando muito tempo, precisava andar mais depressa, o senhor precisava trabalhar para isto acabar logo.

Pensei: “É mais do que a hora de apertar esse homem para me dar o cargo, senão eu fico a pé”.

Eu disse:

— Dr. Armando, eu não tenho nada a objetar ao que o senhor diz, mas eu vim aqui tratar de outra coisa. Eu o apoiei quando se tratou de indicar o seu nome para Interventor Federal em São Paulo. E vim pedir ao senhor um favor.

— Pois não, Dr. Plinio [27].

Ele estava sentado de lado, mas olhando para a frente, muito calmo, com as mãos em cima da escrivaninha.

Eu:

— Soube que se anda cogitando em fundar uma seção anexa à Faculdade de Direito de São Paulo.

— Ah! pois não, Dr. Plinio.

Não negou.

— Eu queria dizer ao senhor que vim pedir-lhe para ser no­meado professor de História da Civilização.

— História da Civilização! Que bonita matéria, não?

— Muito bonita matéria, e eu a desejo muito.

Conversou mais um pouco comigo e depois [28] me disse:

— Bom, eu vou tomar uma nota e vamos ver o que é possível.

— Bem, então, Dr. Armando, não vou lhe tomar mais tempo. Aqui está o meu pedido, que deixo nas suas mãos [29].

Eu me levantei, ele se levantou também. Cumprimentamo-nos e eu saí.

*   *   *

Bom, passaram-se uns dias, eu fui para o Rio, voltei e o meu amigo veio me dizer que meu pedido havia causado uma polvorosa: “Na roda da Secretaria [30] acham que você vai emporcalhar a Universidade com clericalismos, vai dar aula com água benta debaixo do braço etc. [31]. Mas o Governador declarou que não podia contrariá-lo, por causa dos compromissos políticos com a Liga Eleitoral Católica. Os deputados viviam enchendo o Governo de pedi­dos. O senhor nunca lhe havia pedido nada, e estava pedindo só aquilo. Ele então mandou lavrar o decreto de sua nomeação [32].

Dias depois eu estava no Rio [33], chego à Constituinte e vieram vários deputados de São Paulo me cumprimentar, me abraçar, felicitar.

Eu disse:

Mas o que aconteceu?

— Você não viu? O Diário Oficial publicou um decreto do governador Armando Sales de Oliveira, nomeando-o professor do Colégio Universitário da Faculdade de Direito de São Paulo, História da Civilização, vitalício e inamovível.

Telegrafei logo para São Paulo, agradeci e pensei: “Bem, essa preocupação desapareceu” [34].

Depois disso, fui visitar o Armando Sales para agradecer.

Ele me disse: “Por favor, entre. O que o senhor deseja?”

— Eu vim agradecer a nomeação que lhe pedi. Abraços [35].

6. Tomada de posse na Faculdade de Direito

Faltando alguns meses para começarem as aulas na Faculdade de Direito, eu ainda tinha certa dúvida se me acolheriam como professor [36]. Não foi, portanto, sem uma certa ansiedade que me apresentei lá.

A Faculdade estava em obras. A diretoria estava instalada numa saletinha, só se conseguia entrar pelos fundos, era toda uma bagunça.

Eu me apresentei para falar com o diretor, Dr. Rafael Correia de Sampaio, que se não me engano tinha sido o meu professor de Direito Processual.

Entrei na sala, ele estava lendo qualquer coisa, sentado em uma cadeira. Não quis interromper a leitura dele e me dirigi ao secretário, que eu não conhecia.

Então disse:

— Quero falar com o secretário.

— Sou eu.

— Sou Plinio Corrêa de Oliveira [37], e aqui está o decreto do governador Armando Sales nomeando-me professor do Colégio Universitário [38]. Agora vão começar as aulas e vim avisar que quero assumir meu cargo.

Eu falava alto, e o diretor me ouviu. Baixou o jornal e me disse:

— Plinio, como vai?

— Oh! Dr. Rafael Sampaio, como vai o Sr.?

— Vem cá [39] e deu-me um abraço [40]. Então, você vem assumir seu cargo? Está muito bem, vamos dar posse a você.

E lavrou o termo de posse [41].

Tive que preencher as formalidades de praxe: idade etc. Uma vez feitas todas as declarações, percebi que não era oportuno mais conversas, pois estavam em hora de trabalho. Então despedida, abraços, e para o secretário: “Muito prazer em conhecê-lo”.

E fiquei esperando o primeiro dia de aula. Mas aí já não havia mais dúvida nenhuma. Pelo menos nesse ponto eu podia ficar tranqüilo [42].

7. Tomada de posse na Sedes Sapientiae

Edifício do Colégio Des Oiseaux, onde funcionou a faculdade Sedes Sapientiae, na rua Caio Prado

Depois que as cônegas do Colégio Santo Agostinho me convidaram para ser professor da Faculdade Sedes Sapientiae, eu não havia tomado mais contato com elas. Deixei que a coisa caminhasse no Ministério da Educação e que me registrassem como catedrático vitalício.

Passado certo tempo, apareço lá e digo:

— Madre, sou o professor Plinio Corrêa de Oliveira.

— Ah! sei.

— Eu queria saber se está registrado o meu nome.

— Está registrado.

— Eu vim dizer à senhora que gostaria de vir dar as aulas que correspondem à minha matéria.

— Oh! mas que ótimo, professor.

E comecei a lecionar lá [43].

A Faculdade Sedes Sapientiae ficava na rua Caio Prado, bem mais perto de minha casa que o São Bento.

8. Meus dias como professor e como advogado

Na Faculdade de Direito eu tinha aulas, se não me engano, quatro dias por semana e duas aulas de cada vez. Na Faculdade Sedes Sapientiae, creio que eram três aulas por semana.

Eu dava, portanto, onze horas de aulas semanais.

Por indicação do Padre Leonel Franca, astro da intelectualidade católica daquele tempo, mandei comprar uma História Universal em 10 ou 12 volumes, e que era a mais recente e a mais famosa, cujo autor era João Baptista Weiss, um austríaco de boa orientação católica.

De manhã, eu comungava, voltava para casa e preparava as aulas. À tarde, dava as aulas. Ia da Faculdade de Direito para o Sedes Sapientiae sempre de bonde, porque nunca tive jeito para guiar automóvel. E ônibus não os havia. Ia a tarde quase inteira nisso.

Nas tardes que eu tinha livres, ou depois das aulas, eu movimentava o meu escritório de advocacia [44]. O escritório ficava perto das Faculdades, de maneira que, acabadas as aulas, eu ia atender os meus clientes.

Depois, vinha cedo para casa, para ler antes do jantar e preparar minha aula para o dia seguinte.

As noites, depois do jantar, eram livres. E estas eu dedicava ao apostolado. Tinha reunião com o grupo do Legionário mais ou menos até à meia-noite [45]. A essa hora voltava para casa. E no dia seguinte recomeçava a mesma faina.

9. Aulas diferentes para públicos diferentes:

a) na Sedes Sapientiae

A Faculdade Sedes Sapientiae era uma faculdade de moças [46], mas com o corpo docente composto de professores homens e mulheres [47].

Testemunho de aluna do Sedes Sapientiae recolhido por um estudioso da vida do Prof. Plinio

A propósito do período em que o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira lecionou na Faculdade Sedes Sapientiae, da PUC de São Paulo, recordo-me que em 1980 visitei uma senhora, residente no bairro de Higienópolis na capital paulista, que fora sua aluna.

        Depois de certo tempo de conversa, ela disse que se lembrava, como se tivesse sido ontem, de algumas aulas do Prof. Plinio e narrou alguns episódios daqueles tempos em que estudava no Sedes Sapientiae. De dois deles me recordo perfeitamente por serem inéditos para mim.

      Contou que em uma das aulas o Prof. Plinio falava das catedrais góticas da Idade Média. Mas fez uma descrição tão viva da catedral de Chartres (França), que parecia um filme. E que naquele dia, quando acabou o tempo de sua aula — justo no momento em que começava a comentar os vitrais da catedral —, algumas alunas lhe pediram que continuasse a narrativa até terminar, pois em seguida seria o intervalo para o recreio, que elas sacrificariam. E assim aconteceu. Mas  como o período do recreio também não foi suficiente para terminar, elas lhe pediram então que ocupasse o tempo da aula seguinte.

A referida senhora apenas não se lembrava de um detalhe: se ocupou o tempo da aula seguinte porque o professor escalado não compareceria naquele dia, ou se tal professor cedera seu tempo para que o Prof. Plinio pudesse terminar sua exposição. Mas de uma coisa  ela tinha certeza: ele ocupou todo o tempo de sua aula, mais o do recreio, mais o da aula seguinte, falando com tal vivacidade daquela catedral medieval, que todas as alunas ficaram o tempo todo com a atenção presa de um modo impressionante.

*       *       *

Outro episódio que ela narrou: como era costume naqueles tempos, quando um professor entrava na sala de aula, todos os alunos se levantavam e ficavam de pé até que o mestre desse autorização para que se sentassem. Mas certo dia, uma aluna que não gostava do Prof. Plinio (talvez por alguma divergência entre as famílias), não se levantou quando ele entrou, colocou os cabelos para frente e ficou debruçada sobre os braços na carteira como se estivesse dormindo.

A senhora que narra esse fato disse que pensou consigo: “Mas que ousadia dessa menina! O Prof. Plinio vai sem dúvida repreendê-la duramente!

Entretanto, o Prof. Plinio, de início, somente olhou em direção à aluna, que continuava sentada fingindo dormir, e não disse nada. Depois ele, que era muito forte, encheu os pulmões — parecendo assim ainda mais forte — e apenas disse: “É muito difícil não perceber que eu entrei na sala, não é?”. Foi tão sonora  a gargalhada geral das colegas, que a dita menina encenou que estava como que acordando, arrumou os cabelos e se colocou de pé. O mestre deu autorização para que todas se sentassem e começou a aula como se nada tivesse ocorrido...


Depoimento recolhido por Paulo Roberto Campos, Jornalista freelancer (Reg. API 2.258), colaborador voluntário da Revista "CATOLICISMO" (mensário de Cultura e Atualidades) e da "ABIM" (Agência Boa Imprensa).

Manter a disciplina na aula não era difícil. O problema era manter a atenção, fazer com que prestassem atenção.

Para isto, era necessário que as aulas tivessem substância (eu não as ia dar sem substância, era uma questão de honestidade: se estou ganhando, tenho que dar uma aula bem dada). Além disso, era também necessário que fossem feitas um pouco em tom de discurso e tivessem muita clareza.

Procurei tanto quanto possível adestrar-me nisso, pondo em minhas aulas para as moças um pouquinho de literatura, às vezes enfatizando os pormenores da História mais significativos, dando-os para saborear.

As aulas corriam sem nenhuma dificuldade. Até corriam muito bem. Durante quase todo o meu curso de professor correram muito bem [48].

b) na Faculdade de Direito

Na Faculdade de Direito, já era inteiramente diferente o meu modo de lecionar, porque o corpo discente era diverso [49].

Eu tinha naquele tempo 25 anos. E cinco anos antes eu havia sido aluno na mesma Faculdade. Meus alunos eram, portanto, de uma idade muito próxima da minha.

Naturalmente, eles julgavam, devido a isso, que tinham muito mais liberdade do que com um professor de uma idade provecta [50]. E poderia ocorrer-lhes a idéia de serem indisciplinados comigo.

Eu sabia que existia toda uma corrente anticatólica lá, quadrada e declarada. E todos sabiam que eu era católico e que [51] estava no extremo oposto do esquerdismo [52].

Percebi desde logo que o esquema que porventura usassem contra mim seria de me desmoralizar, começando por vaiar as minhas aulas. Como a Faculdade de Direito naquele tempo era de predominância atéia, havia clima para começar a chamar-me de carola, cantar cançõezinhas de igreja durante a aula, distribuir caricaturas minhas rezando o rosário e coisas assim [53].

Eu tinha dois caminhos a escolher para conquistar a disciplina na aula: ou ser muito simpatizado por eles, ou me impor. Qual seria a melhor solução?

Não era certo que eu conseguiria conquistar a simpatia. E, se a conquistasse, eu perderia o respeito deles. Então, eu teria que me impor.

*   *   *

Lembro-me de que, no primeiro dia de aula, subi à cátedra sem olhar para os alunos. Subi olhando para a fren­te.

Sentei-me. E eles fazendo bagunça, visto que tinham entrado há pouco na sala. Eu quieto, com cara de pouca amizade. Eles viram que era uma coisa diferente que vinha entrando em cena [54].

A entrada da aula era a chave do que ia acontecer depois. Se eu entrasse com a cara alegre: “Boa tarde, meus alunos, boa tarde!”, estaria arrasado, o respeito estaria destruído. Se entrasse com a mesma cara que a gente faz para tomar ônibus, quer dizer, de nada, seria a mesma coisa. Então entrei, não com uma cara zangada, mas com uma cara séria de quem está pensando em coisa muito superior à aula. Mas isso era preciso fazer em todas as aulas, da primeira até à última [55].

Nessa primeira aula eu disse: “O primeiro ponto de meu programa é este. Eu vou passar a discorrer sobre esse assunto”.

E comecei a discorrer.

Passada a primeira surpresa, eu vejo um: ppssstttt, pppsssttt de um para outro.

Eu, tok-tok-tok, batendo com a mão na mesa: “Silêncio!”

Dali a pouco outro, mais adiante, fala.

Eu, tok-tok-tok: “Silêncio!”

E eles quietos e com aquele silêncio de ninguém se mexer [56]. Entendiam bem que era melhor parar porque [57] percebiam que eu faria um berreiro [58].

Quando tocou o sino (era sempre o sino da igreja de São Francisco que regulava os horários), eu interrompi a aula dizendo: “Na minha aula de amanhã vou continuar”. Ia embora e estava acabada a aula.

Eu notei que eles perceberam que a coisa não seria fácil.

De outro lado, notaram que a aula era clara e sentiram certa atração [59].

*   *   *

Nos dias seguintes, eu entrava com a mesma cara patibular, subia à cátedra sem olhar para eles, e me instalava.

Já aí alguns se sentavam antes de eu ter me sentado.

Eu: “Levante-se!”, batendo na cátedra. “Não lhe dei o direito de sentar-se!”

Mas era uma agressão ocular e verbal tão categórica que o sujeito se levantava meio aturdido.

Depois de eu correr os olhos pela sala e ver que toda a sala estava de pé, eu me sentava e dizia: “Podem sentar-se”. Mas era um choque [60].

*   *   *

No desenvolvimento do curso da História eu entrava em matéria religiosa; e político-social atingindo o campo religioso [61].

Eu começava a falar e saía desde logo com coisas catolicíssimas, mas dessas de aturdir [62]. Dava tudo quanto tinha de mais reacionário e mais católico que se possa imaginar. E de vez em quando dizia:

Se os senhores quiserem perguntar-me alguma coisa, ou mesmo fazer uma objeção, podem.

Mas não era com a afabilidade com que eu digo isto num auditório amigo. Era ali! [63].

Apesar da severidade, o modo de eu tratar meus alunos era sempre cortês. E dava as aulas com um cuidado enorme de fazê-las bem demonstradas, cercando-as de respeitabilidade e fazendo com que essa respeitabilidade tivesse certa beleza, um certo pulchrum da frase bien tournée, bem torneada.

Além disso, empregando um timbre de voz alto, e comunicando a impressão de que eu não receava nada da parte deles. Por esta forma, eu dominava a sala de aula [64].

No total, o relacionamento com meus alunos acabou sendo muito cordial. Eu sempre dei a eles a liberdade de objetarem.

Tinha alunos que se levantavam, que pediam licença para objetar, faziam discursos dentro da aula etc. [65].

Eu ouvia com serenidade e dava resposta calma, mas fazendo entender que argumentar, sim, faltar ao respeito, não. Argumentava e a coisa corria [66].

Por outro lado, as minhas relações com o corpo docente foram sempre muito boas, muito agradáveis [67].

10. Inesperadas repercussões, trinta anos depois

Trinta anos depois, ou talvez mais, eu estava jantando num restaurante muito bom aqui de São Paulo, o Ca D’Oro, e um ex-aluno encontrou-me lá [68].

Ele estava sentado em uma mesa, jantando com uma jovem que era evidentemente sua esposa.

Quando ele terminou seu jantar, levantou-se, e enquanto a senhora dele saía, dirigiu-se à minha mesa e me disse:

— Professor, o senhor me permite dizer-lhe uma palavra?

Eu disse de uma maneira amável:

— Pois não, com muito gosto.

— Eu me chamo Fulano, e queria dizer-lhe que eu e o meu grupo de amigos fizemos muita oposição ao senhor, quando o senhor era nosso professor na Faculdade de Direito. Mas outro dia estávamos conversando e dizíamos que nós devemos ao senhor mais do que a muitos outros professores, porque aprendemos do senhor noções de disciplina que nunca jamais ninguém nos havia dado.

Eu fui amável, estendi a mão cordialmente e despedimo-nos [69].

*   *   *

Eu soube de outra coisa curiosa.

Numa casa “x” da sociedade paulista comemorava-se o aniversario do dono. Fez-se uma roda, e a esposa do aniversariante entrou para tomar alguma providência, essas coisas de dona de casa.

Ao sair, ela se descolou da conversa na roda.

De repente, da copa ou da cozinha onde estava, ela ouve uma brigaria na sala, mas uma coisa medonha: uns achavam que “sim”, outros que “não” e tal.

Ela ficou um pouco preocupada e voltou para ver o que era.

Ela disse:

Por que é que vocês estão brigando aí, o que é que arranjaram?

Tinham-se formado dois partidos, um a meu favor e outro contra.

Essa senhora interveio:

— Mas o que é isto?! Vocês, num dia de aniversário, dia de descanso, vocês brigarem, e brigarem pelo Plinio Corrêa de Oliveira?! Por favor, vamos tratar de outro assunto.

Todo mundo deu risada, tomou como brincadeira e mudou o assunto.

Vários ali eram meus antigos alunos [70].

11. Formação da PUC

Como já disse anteriormente, eu ainda era deputado quando fui convidado pela Faculdade de São Bento para ser professor de História. E aceitei a cátedra, mas não pude aceitar a docência imediata. A Faculdade se fundou, começou a funcionar, sendo eu apenas professor titular.

Nisto funda-se a Universidade Católica de São Paulo, na década de 1940.

Por uma razão de conveniência da Igreja, o Cardeal Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, naquele tempo o Arcebispo, vendo que já havia alguns institutos superiores oficiais e reconhecidos existentes em São Paulo, resolveu agregá-los, formando uma Universidade.

A Universidade Católica de São Paulo — atual PUC — abrangia duas espécies de faculdades: uma eram as faculdades diretamente dependentes da Reitoria; e outra eram as faculdades agregadas, que gozavam de uma certa autonomia. A Faculdade de São Bento era diretamente dependente da Reitoria. A Sedes Sapientiae era faculdade agregada [71].

Da fundação da Universidade Católica eu não tomei parte. Quando o Cardeal resolveu constituí-la, eu era apenas professor titular da Faculdade de São Bento e, como tal, entrei para ela. E quando ele resolveu agregar o Sedes Sapientiae, deixei-me agregar também como elemento do corpo docente.

*   *   *

Havia outro problema de fundo.

Como na década de 1940 eu me tinha empenhado muito numa posição de direita categórica, portanto de combate aberto ao comunismo, esta minha posição tornava embaraçosa para Dom Carmelo a minha participação como um dos mentores da Universidade Católica. E então não tive parte ativa na formação da Universidade.

Da criação da Universidade eu só soube o que deram os jornais, e o que se comunicou aos professores nas reuniões de congregação do Sedes Sapientiae. Exatamente pela razão que mencionei, eu estava inteiramente afastado disso [72].

12. Pedido para assumir a cátedra na Faculdade São Bento: receios do Cardeal

Somente quando eu li no jornal que a Faculdade de São Bento ia passar por uma reorganização de professores, e que estava sendo convocado o corpo docente, é que escrevi uma carta ao Reitor da Universidade Católica, que era Dom Paulo de Tarso Campos, Arcebispo de Campinas, com quem eu tinha tido boas relações. Na carta eu dizia a ele que eu queria assumir a minha cadeira. E como ele era meu amigo, eu pedia a ele para levar o assunto ao conhecimento do Cardeal.

Mandei a carta para Campinas. Não muito tempo depois recebo um telefonema dele: “Plinio, você quereria passar pelo palácio Pio XII para falar comigo às tantas horas?”

Eu: “Pois não. Vou lá”.

Pensei que fosse algum encontro com o Cardeal, em que ele estivesse presente. Não. Era só com ele, Dom Paulo de Tarso, mas no palácio do Cardeal, certamente para eu sentir bem que o Cardeal estava de acordo com o jogo todo.

Ele me disse:

— Olhe, recebi sua carta e você tem realmente direito à cátedra. Acontece que se você for introduzir nas suas aulas de História os temas da Ação Católica, ou falar contra Jacques Maritain, você cria toda uma polêmica dentro da Universidade que vai pôr a Universidade pelos ares. Neste caso, nós preferimos ter uma demanda com você. Você fica alguns anos sem assumir, porque a demanda levará anos, e depois iremos ver o que faremos, caso você ganhe a demanda.

Ganhar a demanda era difícil. O peso da Arquidiocese era colossal.

Eu disse:

— Dom Paulo, se o único compromisso for este e eu ficar inteiramente livre de ensinar História como eu entenda, eu aceito.

Ele, olhando-me bem de frente, perguntou:

— Eu posso contar com sua palavra de honra?

Eu disse:

— Pode contar com minha palavra de honra e de católico.

Ele ficou muito sorridente e me disse:

— Então apareça na Universidade Católica a tal hora assim e trate com o Padre tal, que vai empossar você na cátedra e você começará a lecionar.

Retirei-me amável, ma non tropo, e alguns dias depois fui lá e procurei o Diretor:

— Eu queria falar com o Diretor, eu sou Plinio Corrêa de Oliveira.

— Ah! pois não.

Atendeu-me um Padre, íntimo de uma corrente já progressista de beneditinos e que era o diretor da Faculdade. Eu já o conhecia.

Eu disse:

— Dom Fulano, o senhor me conhece, sou Plinio Corrêa de Oliveira.

— Pois não! O que o senhor quer de mim?

— Eu combinei tal coisa com Dom Paulo de Tarso e vim aqui para assumir minha cátedra.

Ele disse: “Pois não”, mas de modo sombrio, e começou a tratar comigo questões de horário e assuntos congêneres, por onde vi que ele tinha recebido ordem de me receber.

Ele me disse qualquer coisa e eu respondi: “Pois não”, que é uma alocução corrente em português.

Ele voltou-se para mim com uma cara de fera e disse: “Pois não, pois sim, pois sim, pois não, dá na mesma coisa, ouviu?!!!” [73].

Percebi que ele queria arranjar motivo para criar uma briga.

Eu me fiz de doce. E ele, não tendo com quem brigar, me disse:

— Bem, o senhor então começa as aulas depois de amanhã.

— Está bem, estou de acordo.

— A tantas horas o senhor começa as suas aulas [74].

Comecei a lecionar [75] e cumpri religiosamente o compromisso que havia assumido com Dom Paulo de Tarso.

Na Faculdade eu dizia o que eu queria, sem referência concreta a nada da situação do Brasil. Mas os alunos percebiam que, o que eu dizia em matéria de História, tinha relação com o que eu fazia como homem público.

E ensinei sempre o que julgava dever ensinar. Nem aceitaria o curso em outras condições.

Por exemplo, o meu ensino era muito contrário à Revolução Francesa, muito contrário à Revolução Russa de 1917. A nova orientação da Universidade, da qual haveria de sair a esquerda católica, era diversa dessa.

Portanto, havia uma divergência, mas tocada com muita cortesia de parte a parte, quase até o fim.

No fim de minha estadia na Universidade, senti uma certa pressão da esquerda. Mas foi uma pressão episódica, pequena, num momento em que eu já estava resolvido a sair e pensava em deixar o ensino para me colocar numa situação de homem público, intervindo oficialmente nos debates do País através da organização que eu fundaria depois, a TFP [76].

13. Lógica que mete medo

Certa vez, houve um desentendimento entre os professores e a parte administrativa da Universidade Católica por causa dos salários insignificantes que a Universidade pagava. Era uma coisa que não tinha nada que ver com doutrina. E reuniu-se o conselho universitário, do qual eu fazia parte.

O presidente do conselho era adversário de minha posição. Pediram que eu tomasse uma atitude qualquer saliente nesse protesto, e eu disse bem claramente:

— Olhe, eu preciso ver. Vocês sabem que estou em polêmica com o Cardeal e com sacerdotes que dirigem a Universidade a respeito de temas teológicos e filosóficos. Se eu for atuar nessa questão salarial, crio a impressão de que estou explorando a questão salarial como pretexto para azedar a questão teológica. E isto é contrário à própria eficácia da questão salarial, porque eles, então, vão embirrar e não conceder.

O presidente do conselho disse:

— Não faz mal, qualquer que seja o tropeço que haja no caminho, a sua lógica é tal que mete medo neles.

Esse presidente era íntimo amigo deles, estava em desacordo só em matéria de salário. E era professor de Lógica da Universidade [77].

Afinal de contas, Nossa Senhora me favoreceu e eu exerci durante uns 15 anos o magistério [78].

Capítulo II

No escritório de advocacia

1. Meu primeiro escritório

Antes de ser eleito deputado pela Chapa Única em 1933, eu tinha um escritório de advocacia [79]. Quando fui eleito deputado, eu o mantive fechado [80].

O escritório tinha uma sala muito boa, muito grande. O prédio ficava na esquina da rua Líbero Badaró com a Ladeira de São João, onde está hoje o Banco do Brasil.

O prédio pertencia à minha avó. São Paulo estava naquele tempo numa crise tremenda, com muitas salas desalugadas. Então eu a procurei e perguntei se me autorizava a ocupar uma das salas desalugadas. Ela naturalmente consentiu [81].

2. Contrato para administrar bens da Cúria

Após o encerramento da Constituinte, com o meu ordenado de professor e com o resto de rendas de aluguel de prédios que minha mãe tinha em comum com as irmãs dela, dava para irmos vivendo.

Meu pai advogava em São José do Rio Preto, vinha com freqüência para São Paulo. Mas qualquer pequena encrenca, qualquer pequeno incidente, qualquer pequena inflação, já poderia desequilibrar o orçamento e eu precisava cuidar de minha vida.

Certo dia, Dr. Paulo Barros de Ulhôa Cintra me perguntou: “Por que você não pede a Dom Duarte uns prédios da Cúria para administrar?”

Escrevi então a Dom Duarte uma longa carta.

Recebi logo um telefonema do secretário dele, dizendo que ele mandava me perguntar se estava bem às tantas horas assim para ele me receber. Eu disse que sim.

Fui lá e ele me disse:

— Olhe, a sua carta eu recebi de muito bom grado. Eu vou dar para Vossemecê administrar tais e tais prédios da Cúria”.

Era uma boa soma de prédios.

— E o senhor ganhará tanto.

Não era nada de brilhante, mas razoável, e eu já dava graças a Deus de ter o razoável.

— E Vossemecê então poderá começar a trabalhar.

E começamos então.

Aí passei a receber clientes, minha vida profissional começou a se desenvolver, a tomar corpo, e uma grave preocupação saiu do meu espírito [82].

Depois mudei o escritório para um conjunto na rua Quintino Bocaiúva 176, num dos melhores prédios de escritório de São Paulo naquela época. Era um prédio muito grande e com boas salas.

Advoguei ali por muitos anos. Eram duas salas: uma a minha, a outra era sala de espera e sala do Dr. Paulo.

*   *   *

Nesse conjunto havia um ângulo, um cantinho do corredor que não era aproveitado.

Nesse cantinho plantou-se uma semente, de início de tamanho insignificante.

O Dr. Adolpho Lindenberg, recém-formado, pôs ali uma espécie de biombo, e montou o seu escritório de engenharia. Mas tão inicial que a mesa de desenho desse escritório era a folha de uma porta que ele arranjou não sei onde e que servia para fazer os desenhos. Entrou depois como sócio dele um rapazinho extremamente vivo chamado Plinio, e que era o Plinio Xavier da Silveira [83].

3. Inesperada visita e advocacia da Ordem do Carmo

Lá por volta de 1940, Dr. Paulo e eu começamos a advogar para a Ordem do Carmo [84]. Fomos advogados dessa Ordem durante uns 10 ou 15 anos [85].

Não pensem que os carmelitas me procuraram por eu ser um católico conhecido [86]. Foi uma coisa diferente.

Eu estava no meu escritório, ouço baterem na porta: “Entre!”

Entraram pela sala [87] um Padre magro, alto, simpático, já idoso, com uma fisionomia respeitável, mas de não brasileiro. E, junto, um brasileiro mais velho [88], cearense de olhar vivo, baixinho, com chapéu de coco na cabeça [89].

Eu não conhecia nenhum dos dois. O padre se revelou desde logo de muito poucas palavras. E pelo contrário, o meu nordestino de muitas palavras.

Ele avançou rumo a mim, estendendo a mão, que eu naturalmente apertei.

Vi que era uma pessoa de consideração. Depois vim a saber que tinha sido um líder católico, mas tão anterior à minha militância no movimento católico, que eu não me lembrava dele [90].

Ele disse:

— Dr. Plinio, eu sou o Desembargador Primitivo Sete, já aposentado [91]

E me apresentou ao padre:

— E este aqui é Frei Canísio Muldermann, holandês, Provincial da Ordem do Carmo.

— Ah! muito prazer em conhecê-los, tenham a bondade de sentar-se.

Frei Canísio:

— Prazer...

Só. Mas era um bom homem [92].

O senhor mais velho, que era visivelmente o que promovia os fatos, saiu-se com uma tirada que eu nunca imaginei:

— Eu até aqui advoguei para a província carmelitana fluminense, aqui representada pelo Frei Canísio Muldermann. E eu queria entregar para o senhor o último cliente meu e encerrar todas as minhas atividades de advogado. Para mim este meu ato tem um valor simbólico, pois é uma ocasião para prestar homenagem a um homem ao qual eu tive a maior admiração, e que era o seu tio-avô, o Conselheiro João Alfredo Corrêa de Oliveira. Fui um grande admirador do Conselheiro por isso, por aquilo, por aquilo outro. E eu, dando ao senhor o meu último cliente, eu o faço ao portador do mesmo sangue que o Conselheiro e com isto homenageando o Conselheiro [93].

Eu nunca imaginei que através do Conselheiro João Alfredo algum dia me viesse um cliente. Era a coisa que eu menos podia imaginar no mundo [94].

Eu disse:

— Oh! Desembargador, quanta honra, quanta bondade, eu me sinto muito honrado.

E disse a ele todas as amabilidades que se dizem nessas ocasiões.

E dirigindo-me a Frei Canísio:

— Espero que eu possa ser um sucessor do desembargador Primitivo Sete à altura do nível de advocacia a que ele habituou o senhor; espero desempenhar-me bem.

Despedimo-nos e ficou combinado um encontro com Frei Canísio para começar o serviço.

*   *   *

Frei Canísio era um holandês alto, quieto. Era uma torre [95]. Já idoso, cabelo branco, tinha uma particularidade curiosa: umas sobrancelhas com uns fios compridos, que pareciam bigodes colocados sobre os olhos [96], formando dois tufos. Tinha um sotaque holandês muito acentuado e quando era dito qualquer coisa que o deixasse perplexo, ele dizia: “hhomem, hhomem” e coifava a sobrancelha [97].

Não era de muita conversa: tratava dos assuntos dele, mas era muito cordial, amigo [98]. Era um homem imensamente apreciável, respeitável, tal como alguns padres da antiga geração: muito direito, muito honesto, levando os negócios da Ordem do Carmo no fio, e sabendo zelar pelos interesses dela [99]. Ficou muito nosso amigo, convivíamos muito bem, ele ia muito ao escritório porque precisava tratar dos negócios da Ordem.

Um dia eu disse a ele:

— Frei Canísio, tal Companhia está querendo comprar tal ilha assim, que a Ordem tem em tal lugar. Eles oferecem tal preço, e o preço é muito bom.

— Ho, ho! Pode ser, pode ser...

Perguntei ao Frei Canísio como fazer para entregar a escritura para eles.

Resposta de Frei Canísio:

— Ah! é difícil. Não pode ser. Eles têm que examinar a escritura em casa.

— Mas Frei Canísio, não é o hábito comercial. O indivíduo entrega ao advogado os títulos e o advogado entrega-os para o comprador.

— Não. É um título de doação que vale mais do que a ilha.

— Como é essa história?

Ele disse:

— É um título assinado pelo próprio rei Filipe II, quando era rei do Brasil, dando a ilha de presente para Ordem do Carmo!

Eu dei risada e disse para a companhia: “Se os senhores quiserem, mandem lá um advogado. Mas ele não permite que esse título saia lá do convento”. E expliquei a situação.

Eles também acharam graça e parece que mandaram lá o advogado. O negócio fez-se em Santos [100].

De repente ele morreu e vieram outros mais moços. E os mais moços eram bem mais falantes. Então, longas conversas sobre política brasileira. Mas o tema predileto deles era a Holanda. Adquiri mais conhecimento da Holanda nesse tempo do que em toda a minha vida! Conversas sobre Holanda, colônias da Holanda, iam longe! [101]

4. Serviços advocatícios para o Mosteiro São Bento

Havia também a advocacia do Mosteiro de São Bento, que me fora dada por meio de Monsenhor Pedrosa.

Os dois procuradores do Mosteiro eram Dom Desidério Schmitz e Dom Aidano Ebert, ambos alemães, muito amáveis [102].

Dom Aidano era muito gordo. Mas tinha maintien (postura), longamente ensinada nos noviciados e conventos beneditinos [103].

Já Dom Desidério era esguio, alto [104], muito delicado, muito fino, tinha sido banqueiro antes de ser monge beneditino. Mas tinha rompido com o mundo do banco, e resolveu entrar para um mosteiro da Ordem na Alemanha [105]. Era bem moço ainda, parecia uma figura medieval, com uma cabeça bem proporcionada para o corpo, cabelo rapado à beneditino, alourado, de olhos azuis, inclinações agradáveis, homem inteligente [106].

Ambos iam tratar de negócios comigo na hora em que o escritório estava fechando. Os dois, em geral, entravam muito risonhos. Mas eu, já conhecendo bem o estilo alemão, mandava vir sanduiches do bar e umas cervejas [107].

Tratavam dos negócios, mas estavam muito mais interessados na conversa.

E os dois tomaram o hábito de, cada vez que vinham fazer uma consulta, terminada esta, ficarmos conversando por horas.

E a conversa às vezes ia até tarde. Eles já vinham com a provisão de cigarros (fumavam como uma chaminé).

Às vezes eles estavam em desacordo comigo em matéria de doutrina, pois já eram meio liturgicistas [108]. E nós nos atracávamos, discutíamos. Mas eles, com largueza de espírito, gostavam, achavam interessante e também me atacavam.

Eles diziam que a minha espiritualidade era espanhola. Eu respondia: “Está muito bem. Espanhola, seja o que os senhores quiserem: mas é católica! Agora vamos ver” [109].

O gosto dos dois padres pela conversa era tão fenomenal, que uma vez eles foram visitar a Congregação Mariana e o Legionário, chegaram por volta das 8:30 da noite e a conversa se prolongou até as 4 horas da manhã.

Como de costume, eu tinha mandado vir cervejas e outras coisas. Mas a partir da meia-noite vigorava a lei do jejum. Eles iam celebrar, eu ia comungar e, portanto, não podíamos comer.

Assim, depois da meia-noite, a conversa foi a seco até as 4 horas da manhã.

5. Calúnia soez de um parente de Dom Motta

Um dia, os dois beneditinos foram me visitar e entraram na sala com uma certa solenidade que não tinham normalmente. Eu percebi que havia surgido algum problema.

Cardeal Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta

Dom Desidério tomou a palavra:

Uma coisa desagradável tenho para lhe dizer. Parece que as nossas relações estão abaladas, porque realizamos um grande capítulo dos beneditinos sob a presidência do Arquiabade. E apresentou-se o Sr. Fulano de tal, católico militante, comendador da Santa Sé, um medalhão do Movimento Católico, o qual declarou que, pela simpatia que nos tinha, iria fazer uma comunicação a respeito do senhor. Ele recomendou que nós tivéssemos cuidado, porque o senhor é muito bom católico, pessoa muito agradável de trato, mas ignora completamente a advocacia. E contou-nos que o Padre Riou, Provincial dos jesuítas em São Paulo, tinha uma queixa muito grande contra o senhor. Os jesuítas quiseram reformar os estatutos legais deles, o senhor meteu a mão e foi um tal desastre que ficaram ameaçados de fechamento, de perda de propriedade, de tudo. Ora, o grande serviço que temos para o senhor no momento é exatamente a reforma dos nossos estatutos. Então o Capítulo Geral, muito impressionado com isto, mandou dizer ao senhor que lamenta muito, mas que não pode continuar a tê-lo como advogado.

Eu:

— Só isso, Dom Desidério?

Dom Desidério:

— Não é pouco!

Eu:

— Não é nada! Eu conheço o Padre Riou, e exijo que os senhores venham comigo falar com ele amanhã, para ouvir da boca do Padre Riou que isto é uma mentira, uma calúnia torpe. Eu nunca fui advogado deles.

Grande alívio deles.

Dom Desidério:

— Mas nós nunca pensamos que tal homem houvesse de mentir assim.

Respondi:

— Bom, o senhor vai ouvir do Padre Riou.

Peguei o telefone, liguei para o Padre Riou no Colégio São Luís e pedi uma hora. O Padre Riou marcou o encontro e no dia seguinte fomos os três falar com ele.

Entrou o Padre Riou na sala, não se conheciam. O Padre Riou era francês, eles dois (os beneditinos) alemães. Foram feitas as apresentações. Nenhum calor de parte a parte. Sentaram-se e eu disse:

— Fulano de tal disse em tal lugar, a meu respeito, tal coisa. Foi isso que os senhores me disseram, ou não?

Os beneditinos: “Sim, foi”.

Eu:

— Agora, Padre Riou, o senhor irá dizer o que há de verdade nisso.

O Padre Riou respondeu:

Depois que falei com o senhor pelo telefone, eu estive pensando. Estou como Provincial aqui apenas há três ou quatro anos e o Sr. está formado há mais tempo do que isso. Então fui me informar com meus antecessores se havia alguma coisa com o senhor, e eu posso confirmar que o senhor nunca advogou para nós, nunca mexeu nos nossos estatutos, nunca lhe consultamos. Aliás, os estatutos são de 1900 e até agora estão intatos.

Dei um sorriso e disse:

— Bem, foi num ano em que eu nem havia nascido.

Os dois deram risada, ficaram contentes e disseram: “Vamos comunicar a quem de direito”.

Eu:

— Não. Isso não pode ficar assim. Eu quero pedir ao Padre Riou o favor de me dar uma carta dizendo isto tudo e esta carta os senhores vão ler para o Capítulo Geral e mostrar.

Padre Riou escreveu a carta, eles levaram e ficaram de mostrar no Capítulo.

*   *   *

Depois do Capítulo, à tarde aparecem os dois beneditinos no meu escritório de advocacia.

Perguntei como tinha sido o Capítulo Geral e disseram:

— Foi um desaponto como o senhor não queira saber. Chegamos lá, perguntaram se havíamos despedido Dr. Plinio, e respondemos que não, que tínhamos feito uma coisa melhor ainda: o tínhamos conservado.

Exclamação geral:

Mas, como?!!! Diante de fatos narrados por um homem de uma veracidade indiscutível, o senhor ainda o conserva?!

Dom Desidério tira então a carta do Padre Riou e mostra* [110].

* Esta carta foi encontrada entre os documentos guardados por Dr. Plinio e tem o seguinte teor:

“A pedido de V. Rvma. venho declarar que, tendo a Companhia de Jesus, há muitos anos, um profissional a quem encarrega de seus serviços jurídicos, jamais se nos ofereceu oportunidade para solicitarmos ao Dr. Plinio Corrêa de Oliveira qualquer consulta ou trabalho de natureza profissional. Carece, pois, do menor fundamento a afirmação de que Dr. Plinio Corrêa de Oliveira teria cometido algum erro técnico em negócios concernentes à Companhia de Jesus, a qualquer obra, associação ou instituição por ela mantida ou dirigida.

“Com referência aos nossos estatutos civis, mais particularmente, cumpre-me informar que datam de 15 de agosto de 1900, época em que o Dr. Plinio Corrêa de Oliveira não era nascido. Até agora tais estatutos não foram reformados e sobre eles jamais foi ouvido o mesmo senhor.

“Esperando que esta declaração elimine qualquer versão desairosa em sentido contrário, apresento a V. Rvma. os sentimentos de minha religiosa estima, recomendando-me às suas orações e SS. Sacrifícios.

“De V. Rvma. etc. etc.” (Carta do Padre Riou a Dom Aidano Erbert O.S.B., 18/6/43).

Era uma calúnia tão clamorosamente injusta, e inserida dentro do contexto de uma campanha surda de difamação que soprava contra Dr. Plinio, que Dom Antonio de Castro Mayer, na época apenas Monsenhor, sentiu-se na obrigação moral de relatar o acontecido ao Sr. Núncio Apostólico, Dom Aloisi Masella, em carta datada de 9/9/44, e da qual destacamos o seguinte tópico:

"Talvez em toda esta campanha não esteja alheio também o Comendador "X". Pois, como é sabido, este senhor, abusando da confiança que seu exterior religioso cria nos meios católicos, tem desenvolvido ultimamente uma campanha de difamação contra o Dr. Plinio, e, em geral, [contra] nós do Legionário. Mais especialmente ainda, depois da nomeação do novo Arcebispo, em quem talvez pense poder contar devido ao parentesco de Sua Excia. com sua senhora. Já em tempos atrás, para ver se prejudicava ao Dr. Plinio nos negócios de advocacia, não teve dúvida de falsificar um texto de lei, no intuito de convencer aos RR. Monjes Beneditinos de que o Dr. Plinio era um incapaz em questões jurídicas. Nesta mesma ocasião, andou propalando que o Dr. Plinio tinha prejudicado enormemente aos Jesuítas em negócios semelhantes, quando é certo que o Dr. Plinio jamais teve negócios de advocacia com os RR. PP. Jesuítas. Sobre todo esse tristíssimo caso R. P. Riou pode dar testemunho, porque sabe de fatos, e viu documentos que o deixaram definitivamente convencido".

*   *   *

Não quero dar o nome do homem que me havia caluniado. Não guardei o mínimo rancor e resolvi não brigar com ele.

Lembro-me que tempos mais tarde, estando eu na Cúria, vi uma roda constituída pelo novo Arcebispo de São Paulo, Dom José Gaspar de Affonseca e Silva [111], pelo Arcebispo de Belo Horizonte, Dom Antonio dos Santos Cabral (o qual tomaria depois atitudes virulentas contra o meu livro Em Defesa da Ação Católica), e por esse leigo que me caluniou.

E vi Dom José Gaspar apresentar esse leigo ao Arcebispo de Belo Horizonte, como grande amigo:

— Ele é grande amigo meu e parente do Arcebispo de Maranhão, Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta.

O Arcebispo de Belo Horizonte, ao saber que ele era parente de Dom Motta, abriu os braços e se abraçaram efusivamente [112].

6. Amizade sólida com Dom Desidério e Dom Aidano, apesar das diferenças

Em várias ocasiões, Dom Desidério deu prova cabal de verdadeira sustentação a minha pessoa.

E Dom Aidano entrou na luta contra Dom Pedrosa, isto mais tarde, por ocasião do affaire em torno do livro Em Defesa da Ação Católica, por solidariedade comigo.

O mosteiro beneditino de Santos em cartão postal de 1902 (Acervo da historiadora Wilma Therezinha Fernandes de Andrade in "Presença da Engenharia e Arquitetura - Baixada Santista" de janeiro de 2001)

Dom Aidano era prior de um convento de beneditinos muito gracioso em Santos, localizado numa zona montanhosa. Acima dele só tinha o Arquiabade.

Certa vez fui lá visitá-lo e encontrei logo na entrada uma imagenzinha de madeira de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, inundada de gáudio e pisando aos pés uma série de cabecinhas de padres.

Eu dei risada e disse:

— Que é isso, Dom Aidano? A gente entra no seu convento e logo de saída vê um acesso de anticlericalismo?

— Doutor, estes são os heresiarcas, quase todos padres... Então tem Nossa Senhora pisando cabeça de padres. Veja um pouco.

Aparecia a cabeça daqueles heresiarcas até o pescoço, e podia-se distinguir a ordem religiosa a que pertenciam pelo pedaço de hábito que ficava em cima. Então havia beneditinos, dominicanos, agostinianos — entre eles Lutero, naturalmente.

Eu disse a ele:

— O senhor me daria licença de publicar uma fotografia dessas no Legionário?

— Pois pode, Doutor, é a verdade histórica! [113].

*   *   *

Não muito tempo depois, deixei de dar aulas e também de advogar, para dedicar meu tempo inteiramente à causa católica e comecei então a aplicar-me full time ao apostolado [114].

Capítulo III

“O Legionário” (1935-1947)

1. Remodelagem: de publicação paroquial a semanário com projeção nacional

No ano de 1935, eu me tornei diretor efetivo do Legionário [115].

Uma vez que a Liga Eleitoral Católica tinha sido fechada, escrevi a Dom Duarte pedindo o mobiliário da LEC para o Legionário. Era um bem bom mobiliário. Eram bonitas cortinas, escrivaninhas, tapetes, móveis de couro. E mandei instalar esse mobiliário na sala da diretoria do Legionário, para comunicar a esta uma certa categoria, um certo prestígio, e assim fazer entender que não era um jornalzinho religioso qualquer.

Após assumir efetivamente a direção do Legionário, Plinio Corrêa de Oliveira, mobilizando o seu grupo de amigos, reformulou completamente o jornal, abrindo-o a todos os ventos da política nacional e internacional, e aos problemas culturais, filosóficos, teológicos da época.

Obtive do vigário de Santa Cecília quase todo o andar térreo da sede da Congregação Mariana de Santa Cecília, e mobilizei um grupo de amigos para me ajudar a reformular completamente o jornal, numa tentativa de transformá-lo no primeiro jornal católico do Brasil, combatendo na direção que nós queríamos [116].

Um certo número de padres combativos colaborava no jornal. Entre outros, o padre jesuíta Arlindo Vieira, que manifestava para conosco uma extraordinária simpatia. Tinha a cultura de grande classe dos jesuítas. Escrevia artigos muito combativos contra Maritain [117], contra Tristão de Athayde e contra toda a escola liberal-católica que ia se formando.

Igualmente Monsenhor Ascânio Brandão, que escrevia a coluna Pregando e martelando, cujo título já indica o caráter polêmico dela. Ele era de Pindamonhangaba. Depois passou a ser vigário de São José dos Campos. Pertencia á diocese de Taubaté, que abrange toda aquela zona. Bem alto, tez morena, com todo o modo afável dele, era um homem realmente polêmico e combativo [118].

Também Monsenhor Antonio de Castro Mayer, que fazia a Coluna Católica comentando o Evangelho. Era uma seção muito apreciada, na qual os padres se baseavam para fazer o sermão.

Convidei, dentro da Congregação Mariana de Santa Cecília, todo mundo que era intelectualizável, como também convidei congregados de nível universitário de outras Congregações para fazerem o Legionário junto conosco.

E assim alguns outros colaboradores se destacaram desde logo [119].

Os católicos verdadeiramente corajosos, amigos da polêmica e de espírito batalhador, apoiavam o jornal.

Também pessoas de espírito mais acomodatício, que não faziam muita questão da luta, mas ainda não eram “ecumênicas” como as de hoje, apoiavam-nos igualmente, porém com menos entusiasmo.

Tínhamos então um núcleo seguro de partidários, e depois pessoas que aplaudiam e assinavam, mas que não levavam a batalha até o ponto que deveriam levar [120].

*   *   *

Foi assim que, em torno do Legionário, começou a se desenvolver a semente da TFP [121].

Entre os que desde a primeira hora me seguiram estavam [122]: Paulo Barros de Ulhôa Cintra, Adolpho Lindenberg, Fernando Furquim de Almeida, José de Azeredo Santos, José Benedito Pacheco Sales, José Carlos Castilho de Andrade, José Fernando de Camargo, José Gonzaga de Arruda [123]. Pode-se dizer que a TFP nasceu do Legionário [124].

2. Meta do “Legionário”

A meta que tínhamos para o Legionário era a seguinte.

Os jornalistas católicos daquele tempo, com exceção de uns poucos, tinham horror à polêmica e viviam de arranjos com a Revolução. Não a elogiavam mas também não a atacavam. Fingiam que não percebiam que ela existisse.

Eu ouvira falar de dois jornalistas que constituíam exceção, mas que eram anteriores à minha entrada no Movimento Católico: Jackson de Figueiredo e Carlos de Laet.

O gênero vigente era, chegado o mês de Maria, publicar por exemplo um artigo intitulado: Açucena, com umas florezinhas desenhadas à mão em volta, e dentro uma poesia de uma Filha de Maria. Nesse estilo era redigida a maioria dos jornais católicos, lidos apenas pelos que freqüentavam a sacristia e aquele meiozinho paroquial. Eram na verdade boletins internos para satisfazer o ambiente da paróquia.

Assumindo a direção do Legionário, eu formei o projeto de abrir todas as janelas, todas as portas, fazer entrar largamente os ventos da política nacional, internacional, dos problemas culturais, filosóficos, teológicos. E de tratar esses temas em estilo combativo, escrevendo com a ponta da espada, e mantendo uma polêmica contínua com mais ou menos todo o mundo oposto ao espírito católico [125].

*   *   *

Inicialmente, o Legionário teve uma certa tendência de se dirigir ao grande público, com o interesse de conquistá-lo. Era portanto em parte escrito para converter aqueles que não eram católicos, e em parte feito para afervorar e orientar os que já eram católicos.

Lendo o jornal Sept, que, apesar de servir à corrente liturgicista, tinha muita garra, compreendi que essa visualização teria de ser retificada. E percebi que um jornal pequeno, ou ele se dirige para um público especial, pequeno mas influente, e através desse público influencia todo o conjunto, ou não conseguiria vingar.

Sept era um semanário francês com aproximadamente o mesmo número de páginas do Legionário. E era organizado de um modo vivaz, possuía paginação atraente, tratava de temas atuais, candentes e delicados da França daquele tempo, intervindo assim nos acontecimentos, influenciando-os [126].

Seguindo este exemplo, o Legionário deixou de ser um jornal feito para converter os não-católicos, e passou a ser um jornal destinado a orientar os que eram católicos. Não quaisquer católicos, mas os participantes do Movimento Católico, então constituído pelos católicos mais fervorosos, que iam sempre à Missa dos domingos e que, em geral, pertenciam a associações religiosas: formavam um conjunto que dedicava uma parte de seu tempo, ou todo o seu tempo, a favorecer por sua atuação a Igreja Católica, a expansão da Fé.

Eu entendia bem que, agindo sobre esse público, orientando-o, formando sua mentalidade, teríamos possibilidade de influenciar o conjunto dos acontecimentos no Brasil [127].

Redatores do Legionário com o Arcebispo D. Duarte, janeiro de 1936.

Plinio está à esquerda do Arcebispo.

3. Órgão oficioso da Arquidiocese de São Paulo

O Legionário tomou atitudes muito polêmicas contra o comunismo e o nazifascismo, como também contra a penetração do progressismo que despontava sob a forma de liturgicismo e Ação Católica.

Havia uma confiança intuitiva no Legionário, por onde uma opinião dada por este era tida pelo laicato católico como indiscutível. Os católicos verdadeiramente corajosos e de espírito batalhador apoiavam o jornal.

O Legionário começou assim a se difundir muito [128]. Em pouco tempo transformou-se em uma das publicações mais expressivas da imprensa católica do Brasil, sendo lido de ponta a ponta do País por causa das atitudes que tomava [129].

Quando Dom José Gaspar foi nomeado Arcebispo de São Paulo, no começo as relações nossas com ele eram cordiais. E eu obtive dele com facilidade que o Legionário fosse elevado à condição de “órgão oficioso da Arquidiocese”.

De maneira que o Legionário transmitia até certo ponto a voz e o pensamento do Arcebispo, característica esta que lhe dava muito prestígio [130].

4. Ponto de referência dos católicos do Brasil inteiro

O Legionário começou, assim, a pesar na vida interna dos movimentos católicos e nas discussões dos católicos do Rio, de Minas, de Porto Alegre, de Recife.

Além disso, repercutia em Montevidéu, Buenos Aires, um pouco em Santiago do Chile, que já ficava mais distante. Algumas repercussões na Europa também. Muito raramente nos Estados Unidos.

Tendíamos a transformá-lo em diário, que era a minha meta: ter um cotidiano.

O Legionário transformou-se assim em um meio para o exercício de influência de nosso grupo e de nossas idéias contra-revolucionárias no Brasil [131].

5. Visita de rigor para os católicos estrangeiros

Era de rigor que, vindo qualquer grande personalidade estrangeira católica a São Paulo, ela fosse visitar o Legionário. A visita ao Legionário era ponto de honra para um estrangeiro católico.

Plinio Corrêa de Oliveira com o Almirante Yamamoto na redação do Legionário

Recebemos assim a visita do famosíssimo teólogo dominicano Padre Garrigou-Lagrange. E também a do Almirante Shinjiro Yamamoto (ele era católico e líder religioso no Japão).

Também éramos visitados por pessoas de relevo do meio católico brasileiro.

Por exemplo, tendo Dom Cabral [132], Arcebispo de Belo Horizonte, constituído um diário naquela cidade, o Diário Católico, no qual colaborava um bom número de intelectuais mineiros, certa noite fui surpreendido pela visita de todo o corpo de direção daquele jornal. Tinham vindo de Minas para combinar comigo uma colaboração e uma linha comum de ação entre o Legionário e O Diário. Até que surgisse a crise da Ação Católica, as relações foram assíduas e cordiais [133].

Em São Paulo, a Federação Mariana congregava e dirigia todas as Congregações Marianas do Brasil. Mas o elã estava no Legionário, que representava de longe a aile marchante do Movimento Católico em São Paulo [134].

Havia, no geral do Movimento Católico, uma espécie de confiança intuitiva no Legionário, por onde uma opinião dada por este era tida pelo laicato católico como indiscutível [135].

*   *   *

Muitos anos depois, conversando com um diretor da TFP, um Arcebispo de Belo Horizonte fazia essa queixa: que foi necessário me derrubarem, porque quando eu aparecia em público, em reuniões nas quais havia também Bispos, eu era mais aclamado que os Bispos [136]. Dizia ainda que tinha sido necessário quebrar a minha autoridade moral, pois eu havia adquirido tal influência pessoal que, se um leigo soubesse que eu estava em desacordo com um Bispo, o leigo teria escrúpulos de entrar em desacordo comigo e não teria escrúpulos de entrar em desacordo com o Bispo. É possível que ele tenha exagerado. Mas o exagero tinha certo fundo de verdade. O povo já desconfiava um tanto dos Bispos silenciosos (naquela época ainda não eram progressistas) e amava os chefes duros e fortes, que desejavam entrar em combate [137].

Se a autoridade eclesiástica continuasse a nos prestigiar, nós poderíamos transformar a ala intermediária dos católicos e obter que ficasse realmente contra-revolucionária. As portas estavam abertas para tudo!

Pode-se calcular como o Brasil, cujo papel no século XXI está se delineando com tanta clareza, estava apontando para um ponto muito alto. E imaginem o bem que teria feito à Europa e aos Estados Unidos saberem que, num país tão novo, havia esse potencial de Contra-Revolução [138].

6. O “Legionário” denunciou reiteradamente a aliança comuno-nazista

Dentro dessa orientação, o Legionário tomou atitudes muito polêmicas, de combate a dois males que, além do comunismo, se vinham formando e que marcariam os tempos futuros.

Um deles é a penetração do progressismo no Brasil e outro a penetração do nazifascismo.

O progressismo, embora assumindo aparências e usando formulações primeiras mais moderadas, era uma corrente que haveria de chegar nitidamente, de futuro e nos seus extremos, a uma posição análoga à do modernismo condenado por São Pio X.

Já a corrente nazifascista haveria de suscitar no Brasil, sobretudo entre os anticomunistas, um grande entusiasmo, devido ao espírito polêmico da época, o qual levava à convicção de que acabar com o perigo comunista à paulada e pela violência era uma legítima defesa do País.

Desta forma, numerosos eram os católicos que viam no nazismo e no fascismo uma solução. Menos o Legionário.

Complicava ainda mais a situação o fato de que essas duas correntes (o progressismo e o nazifascismo) pareciam opostas entre si.

Essa visualização errônea trouxe como conseqüência uma tríplice polêmica, travada muitas vezes dentro dos meios católicos, entre progressistas, nazifascistas e católicos ortodoxos da antiga linha [139].

A grande tragédia da luta entre nazismo e comunismo, entre fascismo e democracia, não foi tanto o extravio completo dos que já eram maus, mas a ruína, a confusão, a dilaceração interna entre os que eram bons [140].

[N.R.: Sobre o combate ao Nazi-fascismo do "Legionário" pode-se ver um substancioso - embora conciso - resumo na obra "O Cruzado do Século XX", do Prof. Roberto Demattei, no Capítulo II, itens  6 - A Denúncia do paganismo nacional-socialista e 7 - Fidelidade à Igreja e independência intelectual.

Também, de uma fonte inteiramente insuspeita, pois da esquerda, pode-se ver a confirmação do papel preponderante do Prof. Plinio e do grupo do "Legionário" no combate ao nazi-fascismo:  "O conservadorismo de matriz católica representado no Brasil pela Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP)", tese de mestrado em História Social de Luiz Felipe Loureiro Foresti – Mestre em História Social pela PUC-SP e pesquisador do Núcleo de Estudo sobre Trabalho, Ideologia e Poder da PUC-SP (NETIPO). O Cedem, Centro de Documentação e Memória da UNESP, promoveu no dia 30 de abril de 2015 o debate: Contradições da direita contemporânea: diferentes linhagens do pensamento conservador brasileiro em sua história recente.

Esta tese de mestrado pode ser lida aqui. O debate pode ser visto aqui.]

*   *   *

Um exemplo dessas dificuldades: quando em certo momento o Legionário entreviu que haveria uma aliança entre nazistas e comunistas, e publicou que devia estar em gestação um pacto entre a Rússia e a Alemanha [141], houve uma reação de desagrado muito acentuada, sobretudo da parte das direitas, porque a nossa previsão tomava um caráter de crítica ao nazismo, que então se apresentava como o partido condestável da luta anticomunista [142].

Daí a alguns dias deu-se o pacto Ribbentrop-Molotov [143].

Os dois diplomatas pactuaram uma porção de pontos, incluindo o domínio da Rússia sobre as pequenas nações do Báltico.

Aí foi um “escândalo”: como os do Legionário adivinharam isso? [144]

Produziu naturalmente um murmúrio geral. O próprio Arcebispo, Dom José Gaspar, que não simpatizava com a nossa posição, convidou-me a passar pelo Palácio para uma explicação: como é que eu tinha sabido disso antes de acontecer?

Eu disse: “Senhor Arcebispo, eu não sei dizer. O que eu sei dizer é que isso me veio ao espírito naturalmente, pensando”.

Ele ficou quieto, não disse mais nada; não gostou nada também [145].

Essas e outras previsões do gênero foram um dos marcos que serviram para assinalar a ascensão do Legionário como órgão de expressão nacional no Brasil, passando assim de órgão paroquial e arquidiocesano, para órgão de expressão nacional [146].

7. Persistência de uma difamação

O fascismo e o nazismo morreram. Mas alguns adversários da TFP ainda afirmam que ela foi fascista e nazista.

Como resposta, nós apresentamos a eles as coleções do Legionário, para que possam ver com os próprios olhos a polêmica contínua entre a pré-TFP e os fascistas e nazistas do tempo, bem como contra os comunistas. Ficam sem ter o que dizer, pois a polêmica era contínua [147].

*   *   *

O fato concreto é que se estabeleceu dessa forma uma seleção [148]. E formou-se toda uma corrente em torno do Legionário, notória em todo o Brasil [149].

O Legionário teve horas de grande brilho, de grande eficácia, de grande glória [150]. Mas ruiu pelas razões que vamos ver. E das ruínas dele nasceu a TFP.

De maneira que, em nossa história, cada ruína deixava uma semente maior. E aprouve a Nossa Senhora que, de ruína em ruína, e de “rio chinês” em “rio chinês” [151], chegássemos até o nascimento da TFP [152].

 


NOTAS

[2] Notas biográficas ditadas em 1972.

[4] SD 10/6/89.

[5] Conversa 20/1/93.

[6] SD 10/6/89.

[7] SD 18/2/89.

[8] Entrevista à Rádio São Miguel de Uruguaiana, 21/6/90.

[9] SD 10/6/89.

[11] SD 18/2/89.

[12] Entrevista à Rádio São Miguel de Uruguaiana, 21/6/90.

[13] — A Faculdade Livre de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento preexistia e era mantida pelos monges beneditinos. Nela figuravam professores de primeira grandeza, como o professor Alexandre Correia e o professor Leonardo Van Hacker, ambos de distinta formação intelectual e diplomados pela Universidade de Louvain, na Bélgica (cfr. entrevista à Rádio São Miguel de Uruguaiana, 21/6/90). A Faculdade de São Bento dava um ensino de grau superior, mas não era reconhecida oficialmente. Ia lá quem quisesse conhecer a filosofia de São Tomás (cfr. entrevista à Professora Nádia Silveira, 13/6/90). Com a nova Constituição, ela foi oficialmente reconhecida e passou a chamar-se Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento (cfr. entrevista à Rádio São Miguel de Uruguaiana, cit.).

[14] SD 10/6/89.

[15] SD 18/2/89.

[16] SD 10/6/89.

[17] Entrevista à Rádio São Miguel de Uruguaiana, 21/6/90.

[19] Palestra sobre Memórias (III) 8/8/54.

[20] SD 14/9/91.

[22] SD 14/9/91.

[23] SD 11/2/89.

[24] Jantar EANS 15/6/82.

[25] SD 14/9/91.

[26] SD 10/6/89.

[27] SD 14/9/91.

[28] SD 10/6/89.

[29] SD 14/9/91.

[30] SD 10/9/88.

[31] Palestra sobre Memórias (III) 8/8/54.

[32] SD 10/6/89.

[33] SD 10/9/88.

[34] SD 14/9/91.

[35] SD 10/9/88.

[36] SD 11/2/89.

[37] SD 17/9/88.

[38] SD 11/2/89.

[39] SD 17/9/88.

[40] SD 11/2/89.

[41] SD 17/9/88.

[42] SD 11/2/89.

[43] Almoço EANS 17/6/82.

[44] SD 10/6/89.

[45] Jantar EANS 9/11/90.

[46] SD 10/6/89.

[47] SD 18/2/89.

[48] SD 10/6/89.

[49] Almoço EANS 17/6/82.

[51] SD 10/6/89.

[52] Palavrinha bolivianos 1/2/91.

[53] Almoço EANS 17/6/82.

[54] SD 10/6/89.

[55] Chá 7/2/95.

[56] SD 10/6/89.

[57] Palavrinha 11/6/92.

[58] Almoço EANS 17/6/82.

[59] SD 10/6/89.

[60] Almoço EANS 17/6/82.

[61] SD 10/6/89.

[62] Almoço EANS 17/6/82.

[63] SD 10/6/89.

[64] Almoço EANS 2/4/92.

[66] Palavrinha curitibanos 11/3/91.

[68] Chá 7/2/95.

[69] Palavrinha 1/2/91.

[70] Chá 7/2/95.

[71] — A PUC-SP foi criada no dia 2 de setembro de 1946, a partir da união da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento (fundada em 1908) e da Faculdade Paulista de Direito. Agregadas a elas, mas com estruturas administrativas financeiras independentes, estavam outras quatro instituições da Igreja. Tomou o título de Pontifícia em 1947, por concessão do Papa Pio XII (cfr. http://www.pucsp.br/universidade/historia). O Legionário n° 735, de 8 de setembro de 1946, traz uma reportagem sobre o ato de inauguração.

[73] Almoço EANS 17/6/82.

[74] Palavrinha 26/2/89.

[75] Almoço EANS 17/6/82.

[77] Chá 19/7/92.

[78] Almoço EANS 17/6/82.

[79] SD 3/9/88.

[80] SD 17/9/88.

[81] SD 3/9/88.

[82] SD 17/9/88.

[83] Chá 27/2/92.

[84] SD 4/11/72.

[85] Almoço EANS 9/4/87.

[86] SD 4/11/72.

[87] Chá 27/2/92.

[88] Almoço EANS 9/4/87.

[89] Chá 27/2/92.

[90] Almoço EANS 9/4/87.

[91] Chá 27/2/92.

[92] Almoço EANS 9/4/87.

[93] Chá 27/2/92.

[94] Almoço EANS 9/4/87.

[95] Chá 27/2/92.

[96] SD 16/7/88.

[97] SD 4/11/72.

[98] Jantar EANS 15/6/82.

[99] Chá 27/2/92.

[100] SD 16/7/88.

[101] Jantar EANS 15/6/82.

[102] SD 16/7/88.

[103] Jantar EANS 15/6/82.

[104] Palavrinha 30/6/92.

[105] SD 16/7/88.

[106] Jantar EANS 15/6/82.

[107] SD 16/7/88.

[108] Jantar EANS 15/6/82.

[109] SD 16/7/88.

[110] Jantar EANS 15/6/82.

[111] — Dom José Gaspar de Affonseca e Silva (Araxá-MG, 1901-São Paulo, 1943) fez os cursos universitários, Filosofia e Teologia no Seminário Provincial em São Paulo e no Colégio Pio-Latino Americano, em Roma. Graduou-se pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e fez doutorado em Direito Canônico. De 1934 a 1937 foi reitor do Seminário Central do Ipiranga. Nomeado Bispo Auxiliar de São Paulo em 1935 durante o pontificado de Dom Duarte, sucedeu-lhe após a morte deste em 1939, sendo então elevado a Arcebispo Metropolitano. Se de um lado confiou a Dr. Plinio a presidência da Junta Arquidiocesana da Ação Católica (em 11/3/40), em um dos postos de maior importância do laicato, de outro lado foi a peça-chave para a introdução das ideias novas nos meios católicos de São Paulo. Faleceu no dia 27 de agosto de 1943, no Rio de Janeiro, aos 42 anos de idade, em trágico desastre de avião. A aeronave em que viajava chocou uma das asas em um paredão da Escola Naval, localizada junto ao Aeroporto Santos Dumond, caindo em seguida nas águas da baía. O Legionário n° 577, de 29/8/43, traz amplo e detalhado noticiário desse desastre.

[112] SD 16/7/88.

[113] MNF 24/4/92.

[114] Almoço EANS 10/4/87.

[115] Palestra sobre Memórias (III) 8/8/54 — A primeira vez que constou o nome de Dr. Plinio como diretor do Legionário foi no número 125, de 6/8/33, quando Dr. Plinio ainda era deputado constituinte. Tendo ele assumido efetivamente a direção em 1935, já no ano seguinte, ou seja, em seu número 203, de 2/8/36, o jornal passou de quinzenário de duas folhas a semanário de oito páginas, saindo todos os domingos. A 11 de abril de 1938, foi fundada a sociedade de capital aberto Legionário S/A, que passou a gerir a publicação, tendo o claro intuito de, com o tempo, transformar o Legionário em diário católico, meta que acabou não sendo alcançada pelas injunções que serão abordadas mais adiante.

[116] SD 23/6/73.

[117] — Jacques Maritain (1882-1973) foi um escritor e pensador francês convertido ao catolicismo, cuja linha de pensamento variou desde a rejeição do movimento modernista e adesão à Action Française, até à profissão do Humanismo Integral dentro de um Estado laico "vitalmente cristão", mesmo que constituído por ateus. Como tal, foi um dos grandes responsáveis pela política da mão estendida em relação ao comunismo, e um dos principais ideólogos da democracia cristã latino-americana. Ele esteve na raiz da criação, em 1947, da Organização Democrata-Cristã da América (ODCA). Seu pensamento influenciou profundamente Alceu Amoroso Lima e toda a corrente de esquerda católica brasileira e latino-americana.

[118] SD 18/3/89.

[119] SD 25/8/73.

[120] SD 18/3/89.

[121] SD 23/6/73.

[122] SD 18/2/89.

[123] Um homem, uma obra, uma gesta, cit.

[125] SD 18/2/89.

[126] — Em correspondência enviada em 1947 a Dom Manuel d'Elboux, então Bispo de Ribeirão Preto e depois Arcebispo de Curitiba, Dr. Plinio assim caracteriza o semanário Sept:

"Na França, o movimento litúrgico era sobretudo orientado pelo semanário Sept, que não se preocupava tanto com o problema litúrgico propriamente dito, — se bem que dele cuidasse dentro dos princípios gerais da corrente — quanto desenvolvia os princípios políticos e sociais professados pelos adeptos do liturgicismo.

"O semanário Sept era órgão de todo um grupo de intelectuais, reunidos em torno do prestígio intelectual dos dominicanos franceses da província de Toulouse. Um dos chefes do grupo era o Sr. Jacques Maritain, verdadeiro pontífice da corrente, cujos livros eram considerados, todos, como repositório da doutrina coletiva da qual nenhum membro poderia discordar sem ‘apostasia’.

"A doutrina social de Sept foi tão audaciosa, sustentou de tal maneira a necessidade de uma temerária cooperação dos católicos com o comunismo, que o próprio Mestre dos Sagrados Palácios Apostólicos, o Padre Cordovani, OP, publicou no Osservatore Romano um forte artigo contra tais erros. A revista estampou o artigo, dizendo que o fazia forçada pela Santa Sé".

[127] SD 4/3/89.

[129] Entrevista à Rádio São Miguel de Uruguaiana, 21/6/90.

[130] SD 18/3/89 — O Legionário só foi retirado das mãos de Dr. Plinio em dezembro de 1947 por ordem de Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, então Cardeal-Arcebispo de São Paulo. Depois continuou a ser publicado sob outra direção. Nove anos depois, ou seja, em 25 de janeiro de 1956, foi substituído pelo atual O São Paulo. Em O São Paulo, Dr. Plinio não teve nenhuma participação, e sua orientação foi diametralmente oposta à do antigo Legionário. O São Paulo é hoje órgão oficial da Arquidiocese; o Legionário era órgão oficioso.

[131] SD 18/2/89 — Padre Arlindo Vieira transmitiu em carta a Dr. Plinio um comentário elogioso que ouvira do famoso Padre Leonel Franca:

“Para animá-lo, vou referir-me ao que me disse há uns quatro ou cinco anos o P. Franca. Lamentávamos a falta de um jornal católico no Rio, que os que passam por tal não merecem esse nome. São semanários em geral mal orientados e que nenhuma repercussão têm em nosso meio.

[E então] disse-me o P. Franca: ‘Não é o lado financeiro que nos preocupa. Sua Eminência [Dom Leme] poderia sem grande dificuldade levantar em pouco tempo alguns milhares de contos para esse fim. Mas... a quem entregar o jornal? Não temos gente bem formada. Isso só será possível quando tivermos meia dúzia de Plinios’".

[132] — Dom Antonio dos Santos Cabral (1884-1967) foi Bispo de Natal (1917-1921), primeiro Bispo (1921-1924) e depois Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte (1924-1967). Veio a se tornar um inimigo acérrimo de Dr. Plinio e do Legionário depois que aderiu à corrente progressista nascente. Consta que chegou mesmo a mandar queimar em reunião da Ação Católica o livro de Dr. Plinio que tratava dos desvios do movimento.

[133] SD 18/3/89.

[134] Jantar EANS 17/6/82 — A este propósito comentava o insuspeito Bispo de Nova Friburgo, Dom Clemente Isnard, um expoente da ala liturgicista da Igreja no Brasil:

“O movimento mariano havia crescido extraordinariamente no Estado de São Paulo: faziam-se concentrações que eram movimentos de massa nunca vistos” (cfr. Bernard Botte, O.S.B., O movimento litúrgico, Ed. Paulinas, São Paulo, 1978, p. 217).

[135] Almoço EANS 8/4/87.

[136] Despacho Itália 18/8/93.

[137] Despacho Itália 26/3/92.

[138] Jantar EANS 17/6/82.

[139] Entrevista à Rádio São Miguel de Uruguaiana, 21/6/90.

[140] Mystici Corporis Christi, Legionário nº 585, 24/10/43.

[141] RR 8/7/89.

[142] RR 3/6/89 — A denúncia da afinidade profunda entre nazismo e comunismo foi feita reiteradamente pelo Legionário, chegando até a previsão clara de que um pacto entre ambos se urdia. Alguns rápidos exemplos extraídos daquele hebdomadário:

14/8/38 — O governo mexicano, então comunista, exportou para a Alemanha dois navios carregados de petróleo. A esse propósito, o Legionário nota “a cooperação cada vez mais estreita entre o México comunista e a Alemanha nazista, contrastando com as declarações de Hitler, quando se afirma o campeão do anticomunismo no mundo inteiro”.

28/8/38 — O Legionário nota mais uma vez “o contraste entre as declarações anticomunistas de Hitler e sua política amigável com a Rússia”, lembrando ainda “diversas ofertas feitas pela Alemanha à Rússia depois do advento do nazismo, como a de um crédito de 200 milhões de marcos pagáveis em cinco anos”.

11/9/38“Nazismo e comunismo: Por várias vezes, e isso desde há muito tempo, o Legionário assinalou os parentescos ideológicos das duas doutrinas políticas. Em resumo, o fundo, a essência destas doutrinas é a mesma, elas têm ambas um mesmo pensamento central”.

2/10/38“Se reduzirmos ao devido valor os termos ‘nazismo’ e ‘comunismo’, a diferença entre ambos é insignificante. [...] Optar entre o comunismo e o nazismo é optar, portanto, entre Lúcifer e Belzebuth, entre o demônio e o demônio”.

4/12/38“Como os bolchevistas, os nazistas não respeitam o direito de propriedade”.

1º/1/39“Enquanto todos os campos se definem, um movimento cada vez mais nítido se processa. É o da fusão doutrinária do nazismo com o comunismo. A nosso ver, 1939 assistirá à consumação dessa fusão”.

12/3/39“Cada vez mais se identificam os dois mais perigosos regimes do mundo contemporâneo: comunismo e nazismo”.

14/5/39“Pesem-se bem as palavras: entre um ‘nacionalismo socialista’ e um ‘nacionalismo comunista’, que diferença há?”.

No mesmo dia, a Nota Internacional do Legionário observa que “as notícias de um pacto germano-russo não foram desmentidas e que a imprensa nazista cessou suas diatribes contra os sovietes”.

Ainda em 7 Dias em Revista, comenta-se a surpresa que essas notícias têm causado em certos meios: “Essa surpresa não a pode ter um observador menos superficial, dada a afinidade ideológica entre nazismo e comunismo, e porque Hitler está realizando uma verdadeira proletarização da vida social em sua pátria”.

6/8/39“Se as missões militares francesa e inglesa, que vão a Moscou, fracassarem — o que é bem provável — será certa a neutralidade, se não [a] aliança com o Reich, por parte dos sovietes”.

[143] — Assinado no dia 23/8/39, o nome desse pacto vem de que ele foi costurado entre o Ministro do Exterior nazista Joachim von Ribbentrop e o Ministro do Exterior soviético Vyacheslav Molotov.

[144] RR 8/7/89.

[145] Telefonema Estados Unidos 17/2/95.

[146] RR 3/6/89.

[148] SD 18/3/89.

[149] Entrevista à Rádio São Miguel de Uruguaiana, 21/6/90.

[150] — A esse respeito, D. Clemente Isnard, Bispo de Nova Friburgo e prócer liturgicista, assim descreve o alcance da batalha levada a cabo pelo Legionário:

“Composto de pessoas que se entendiam muito bem entre si, o grupo [do Legionário] representava uma espécie de ponta de lança contra o movimento litúrgico. Quem quisesse sofrer [sic] que esperasse a edição semanal de 'O Legionário', onde podia sempre encontrar artigos contra o Movimento e suas manifestações, contra Maritain, contra os 'desvios' da Ação Católica etc.” (cfr. Bernard Botte, O.S.B., op. cit., p. 221).

[151] — A expressão “rio chinês” era uma metáfora muito usada por Dr. Plinio para caracterizar os vaivéns do caminho da Providência, antes da realização das esperanças de vitória da Igreja e da civilização cristã. Essa metáfora se baseia no fato geográfico das múltiplas curvas que fazem alguns rios na China, os quais se encaminham rumo ao litoral e, quase chegando ao mar, caprichosamente se desviam e retornam ao continente, dando assim inúmeras voltas antes de desaguar no oceano.

[152] SD 23/6/73.