Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

As almas-esfinge

 

 

 

"Diario de Las Américas", Miami, 9 de março de 1976

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Nenhum latino-americano – e creio que também nenhum americano do Norte – se esqueceu de que, há anos atrás, a Cuba castrista exportou a guerrilha para todo o sul de nosso Continente. E que, se não fosse a alergia ao comunismo, da quase unanimidade das populações rurais, e da grande maioria das massas urbanas, todas as vastidões entre o Caribe e o Polo Sul, entre o Pacífico e o Atlântico, teriam sido dominadas pelo marxismo.

A despeito deste empreendimento – que pode ser qualificado de uma das mais típicas aventuras imperialistas do pós-guerra – na 15ª reunião de consulta da OEA realizada em Quito, em 1974, a Ilha quase foi absolvida dos pecados de seus dirigentes comunistas, anistiada de todos os bloqueios e sanções a que estava sujeita, e reintroduzida com todas as honras e vantagens no concerto das nações americanas. Dizer simplesmente que Cuba esteve a um passo de obter esta lucrativa e estrondosa vitória política é ficar aquém da realidade. Votaram a favor da admissão de Cuba nada menos do que doze nações. Contra a admissão, pronunciaram-se apenas três. Mantiveram-se neutras seis. Na atmosfera de relaxamento e imediatismo em que vive o mundo não comunista, é bem de ver que a "derrota" de Cuba na conferência de Quito foi realmente um meio êxito, o qual deixou tudo preparado para uma vitória completa quando de outra reunião da OEA.

Esta veio por fim na 16ª reunião de consulta da OEA, realizada em julho de 1975, na Costa Rica, quando, por dezesseis votos a três, com duas abstenções, o bloqueio foi efetivamente suspenso, cada país ficando livre para reatar relações diplomáticas e econômicas com Cuba.

Agora não falta senão reintegrar Cuba como membro da OEA. Um passo, apenas, mera conseqüência automática dos êxitos anteriores.

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Vai nisto uma contradição simplesmente espantosa. Dessas contradições escancaradas e grotescas, que farão do Ocidente contemporâneo o objeto das gargalhadas da História enquanto o mundo for mundo.

Na realidade, a "ficha" de Cuba castrista, instrumento ora de Pequim ora de Moscou, não se limitava à difusão das guerrilhas nas imensidades sul-americanas. Em 1962, a Ilha serviu, na mão da Rússia, como o rastilho de pólvora que quase ateou fogo no mundo inteiro. E continua uma espinha envenenada, cravada nos flancos da superpotência norte-americana. Essa espinha – e aludimos dessa forma a todas as vantagens táticas e logísticas proporcionadas pela situação geográfica cubana – poderá ser revolvida a qualquer momento por Moscou na carnatura do litoral Sul dos EUA.

Como se tudo isto não bastasse, Fidel Castro e seus asseclas devem ser mencionados como os responsáveis pelas agitações que vêm revolvendo, de dez anos a esta parte quase toda a África. Na Argélia, Congo, Guiné, Guiné-Bissau, Somália, Zaire, a ação dos guerrilheiros cubanos, apoiados por técnicos e armamentos russos, disseminou revoluções comunistas ou para-comunistas. Isto para não falar do Iemen, Iemen do Sul, Omã e Síria.

– Diante desta enormidade de ações que constituem outras tantas transgressões das normas mais básicas do convívio internacional, como foi possível que Cuba fosse reintegrada na convivência pacífica de tantas nações deste Continente? – Sendo dentre as nações americanas, a mais descaradamente agressiva, como pôde mesmo acontecer que ela quase tivesse sido convidada a sentar-se com honra e conforto entre as suas co-irmãs pacíficas?

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Para responder a essa pergunta, seria ocioso recorrer aos arquivos secretos das chancelarias. Basta que cada americano, do Alasca à Patagônia, olhe um pouco em torno de si, que encontrará adeptos da readmissão de Cuba na OEA. Se a qualquer desses adeptos se perguntar como pode sustentar posição tão imensamente contraditória a resposta será sempre a mesma: um sorriso largo e um jargão cujo palavreado confuso insinuará não serem mais os comunistas de hoje o que haviam sido outrora. Nos presentes idos, eles se tornaram cordatos e observantes das boas normas internacionais. Pode-se, pois, conviver em paz com eles. Esta afirmação genérica vale tanto para a Rússia, como para a China e para Cuba.

Bem entendido, o ocorrido no Cambodge, no Vietnã e em Portugal fornece matéria para a mais categórica refutação desta tese. Se um de nós, anticomunista, alegar estes três escandalosos lances do imperialismo vermelho para silenciar os que contam otimisticamente com a conversão dos comunistas para o pacifismo, receberá como resposta um segundo sorriso. Um segundo sorriso já agora ligeiramente desdenhoso, que nos insinuará ser a conversão dos seguidores de Marx para o pacifismo fato intuitivo, ao alcance apenas dos mais inteligentes. O que equivale a encerrar a discussão chamando-nos de idiotas. Forma de argumentar muito pouco pacífica, usada pelos que crêem a todo custo no atual pacifismo comunista.

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Não escrevo o presente artigo para acumular acusações sobre a cabeça de Fidel Castro. Essas acusações pesam tão notoriamente sobre ela, que o trabalho seria supérfluo.

Quero, aqui, analisar a mentalidade desconcertante dos que desejam que se trate como nação pacífica, em plano diplomático, a Cuba comunista. E, se lembrei todos os empreendimentos desta última, não foi senão para pôr em realce a enormidade da contradição em que caem os que se manifestam a favor de um trato desprevenido e confiante em relação a Cuba. Contradição tão imensa, tão desproporcionada com as aberrações costumeiras de espírito humano, que chega a ter um caráter de mistério. Mistério mais profundo e mais denso que o das esfinges egípcias.

- Por que os artifícios de propaganda conseguiu o comunismo suscitar esta inexplicável família de almas dos "confiantes" na inocência dele?

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A pergunta não pára aqui. Os que, em 1974, confiavam gratuita e obstinadamente na conversão dos comunistas ao pacifismo, têm hoje em dia novo escândalo diante dos olhos. É a intervenção das tropas cubanas em Angola. Intervenção esta talvez seguida, dentro em breve, de outras na Rodésia ou na África do Sul.

Diante deste fato, para cuja qualificação a palavra "escândalo" parece desbotada e insuficiente, há ainda os que continuam a "intuir", sorrir e "confiar". A tal ponto que não me espantará que a próxima conferência da OEA aceite Cuba.

Possivelmente, no tempo que até lá decorrer, Fidel Castro terá tentado ampliar sua ação no Panamá, em Porto Rico, na Colômbia ou na Venezuela. Nada disto acordará de sua sonâmbula "intuição", de sua obstinada "confiança", os sorridentes amigos da Cuba castrista.

E o mistério aqui fica, a desafiar os homens de hoje, a desconcertar os anticomunistas débeis, e a estimular os anticomunistas autênticos a um supremo esforço para desmascarar aos olhos do Ocidente adormecido e imbecilizado essa família de almas-esfinge a serviço da comunistização do mundo.


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