Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Um apostolado especializado:

difusão das "virtudes esquecidas"

 

 

 

Catolicismo, N° 16, Abril de 1952

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Virgem de Lepanto - Imagem que se encontra na igreja de São Domingos - Granada (Espanha) - e que Dom Álvaro de Bazán levou em sua nau durante a Batalha de Lepanto. O vestido da Virgem é de prata à maneira de couraça. Acima, reprodução de volume publicado em 1992, contendo a coletânea das "Verdades Esquecidas" publicadas ao longo dos anos em "Catolicismo".

É necessário que se ponham em foco as máximas que o demônio, o mundo e a carne procuram a todo momento relegar para segundo plano

"Entre outras seções de Catolicismo, "Ambientes, Costumes, Civilizações", por exemplo, dizia-me um amigo, desagrada-me principalmente a que se intitula "Verdades esquecidas". Serão verdades? É esta a primeira pergunta. O jornal transcreve textos isolados. Com um texto isolado, tudo se pode demonstrar. Seria preciso ler todo o contexto, para ver qual o pensamento autêntico do Santo citado. E, para essa obra de erudição, quase ninguém tem tempo. Fica-se, pois, com uma idéia muito imprecisa sobre o valor documentário dos textos publicados. Acresce que se realmente o sentido exato e completo dos autores transcritos é o que o jornal põe em evidência, forçoso é confessar que não se consegue reprimir um sentimento de desagrado em relação a esses autores. E um católico, habituado a tomar os Santos por modelo, a sentir uma inteira consonância com o modo pelo qual eles pensam e agem, começa a sentir-se afastado... Será isto um apostolado autêntico? Ou será trabalhar contra a salvação das almas? Pois, em última análise, tudo quanto as afasta não pode ser tido como apostolado. Ou, na confusão de linguagem de nossos dias, "apostolado" passou a significar o trabalho destinado a distanciar as almas da Igreja?”

Acho provável que mais de um leitor pense como este amigo. Por isto publico a resposta que lhe dei.

Órgão para um escol religioso

Antes de tudo, uma observação sobre Catolicismo. Neste ano de existência, num contato permanente com um público que se estende das margens do Amazonas até a parte meridional do Rio Grande do Sul; desde o Rio de Janeiro até rincões perdidos do sertão goiano ou paranaense, desejando servir inteiramente à causa da Igreja, este jornal tem definido aos poucos, e de modo muito especial, a sua fisionomia. Somos um país católico. Somados, os protestantes, espíritas etc. constituem entre nós uma insignificante minoria. Assim, nosso problema de apostolado mais essencial não consiste na conversão dos infiéis, mas na salvação eterna dos católicos. Para que o católico se salve, para que se santifique, não tem outro caminho senão conhecer e praticar a doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ora, pela vastidão do território nacional não faltam pessoas, nem obras, nem instituições que se dediquem a este fim. Trata-se de uma imensa rede de organizações de apostolado hierárquico ou leigo, que à custa de esforços muitas vezes heróicos, vem trabalhando para defender os católicos brasileiros do contágio multiforme de neopaganismo de nossos dias.

À vista destes dados, é que o jornal estabeleceu sua missão. A um mensário não seria possível fazer com eficácia e em grande escala um apostolado exclusivamente popular: só a imprensa diária é o verdadeiro e ideal instrumento para uma ação extensa sobre a massa. Ademais, a causa católica já dispõe de verdadeira miríade de mensários e quinzenários que lhe prestam abnegadamente todo o serviço que de órgãos desse feitio se pode esperar. Assim, porque reconhece o grande bem que já se faz entre nós, porque quer cooperar com este bem do modo mais eficaz, e porque percebe as limitações inerentes a suas próprias condições de existência, pareceu acertado a Catolicismo tomar o caráter de um órgão de informação e análise a serviço da elite. Não propriamente da elite intelectual ou social, mas do que se poderia chamar a elite religiosa.

Qual o interesse deste apostolado? Por todo o Brasil, como que constituindo uma periferia em torno da Sagrada Hierarquia, se encontram as associações de leigos, as Universidades Católicas e outros organismos destinados a modelar e formar a opinião dos fiéis. O pensamento e as diretrizes da Hierarquia atingem de cheio estes meios, que, por seu zelo, se mostram mais ávidos de as receber. E, destes meios, através de mil canais, se embebe a massa do laicato. Um mensário destinado especialmente a informar e orientar os organismos católicos teria por escopo algo para o que seu feitio de mensário seria plenamente adequado.

Informar, orientar, e isto a um público muito vasto e ao mesmo tempo muito definido e demarcado, como é a elite católica, eis o objetivo de Catolicismo.

Missão específica: um sino do carrilhão

Informar a que respeito? Orientar de que maneira? Evidentemente, no sentido da melhor realização daquilo que a causa católica espera dos leigos.

E, assim, os redatores e colaboradores de Catolicismo foram sendo chamados insensivelmente a insistir sobre os problemas habitualmente menos focalizados, sobre as notícias que a imprensa diária não difundiu ou não pôs em suficiente relevo, sobre os aspectos menos conhecidos de nossa realidade religiosa ou social.

Catolicismo não se propôs informar a respeito de tudo, nem orientar em todos os sentidos os seus leitores. Seria uma tarefa por demais ambiciosa para suas forças. Limitou-se ele a um objetivo mais modesto: a acentuar aquilo que menos claramente se acentua, a ser uma nota complementar num imponente conjunto de esforços e de ensinamentos. E, deste papel, não deseja sair.

Certa vez, ouvi em um sermão, uma formosa imagem. Católicos de uma certa cidade do norte da Itália doaram ao campanário da matriz um conjunto de sinos, dos quais cada qual tinha o nome de uma das Encíclicas do Papa Pio XI, então reinante. O toque de conjunto do carrilhão simbolizava o conjunto dos ensinamentos do ilustre Pontífice.

No carrilhão das atividades católicas, este jornal não pretende ser senão um sino. Não se procure nele a melodia toda, mas apenas uma das notas. Esta nota, que é grave, não poderia aliás faltar para a perfeita harmonia do conjunto.

Uma preocupação constante: completar a bondade pela fortaleza

Com efeito, ninguém pode fechar os olhos à grande realidade de que a formação religiosa do Brasil se ressente — falamos da massa — de um evidente ressaibo de liberalismo. Diante de nossos inimigos, preferimos não lutar. A atitude dos braços cruzados é justificada por toda uma série de falsas noções de moral. Entende-se que perdoar pecados é deixar em impunidade perfeita os que pelo mau exemplo ou pelo ensino de falsas doutrinas corrompem as almas. Entende-se que fustigar o vício triunfante, a impiedade insolente, é falta de caridade. Entende-se que a severidade é sempre um mal, a luta é sempre um pecado, a franqueza é sempre uma grosseria, a intransigência é sempre uma brutalidade. Neste ambiente, quem se pode surpreender vendo que famílias católicas toleram a freqüentação dos piores cinemas por seus filhos, as leituras mais perigosas, as companhias mais reprováveis? Quem se pode surpreender vendo que uma tolerância criminosa beneficia na vida social os casais constituídos à margem da lei de Deus? Quem se surpreende, vendo que não combatemos o comunismo com a energia devida?

Em sentido contrário, se todos os católicos temperassem suas outras virtudes com uma orientação anti-liberal pronunciada, se soubessem combater em seus filhos os maus costumes e as ocasiões de pecado, se mantivessem no devido isolamento os casais soi-disant constituídos segundo a lei mexicana ou uruguaia, se se opusessem ao mau cinema, à má imprensa, ao mau rádio; se todos empenhassem suas forças na luta contra o comunismo, o que seria o Brasil!

Em última análise, de tudo que nos falta, nada nos é tão necessário, tão urgentemente necessário, quanto uma combatividade intrépida e temperante. Com ela nos salvaríamos. Perecemos à míngua dela.

O ensinamento dos Santos

Compreende-se pois, que esta folha procure destroçar estes preconceitos de um falso pacifismo. E nenhum meio seria mais adequado para isto, do que a publicação de trechos atribuídos a Santos, isto é a pessoas que a Igreja canonizou com autoridade infalível, e que não seriam Santos se tivessem de qualquer forma — enquanto pessoas já no ápice da vida espiritual — violado a caridade. Daí a seção "Virtudes esquecidas".

Se um católico — entendemos uma pessoa que crê na infalibilidade da Igreja — vê um pensamento de um Santo, aprovado pela Igreja, e nota que está em desacordo com este pensamento, deve evidentemente modificar seu próprio modo de ver. De católicos de elite, não se pode esperar outra coisa.

Tem toda a razão meu amigo, dizendo que devemos confiar nos Santos e imitá-los. Mas confiar neles é segui-los ainda quando não os compreendemos bem; tomá-los por modelo, é vê-los como eles são e imitá-los, e não imaginá-los como eles não são, e admirá-los pelo que não foram. Nisto tudo, nosso amigo parece deixar-se guiar por um espírito de independência em relação ao qual deve tomar precauções. E já será este um insigne benefício que lhe terá prestado a seção "Virtudes Esquecidas".

Mas, dirá alguém, nem todo o mundo entende isto. É claro que não se pode reimprimir estas explicações em cada número de Catolicismo. Mas de um leitor católico espera-se — pelo menos quando é de escol, como aqui se pressupõe — um contato fácil com Sacerdotes que o possam orientar. Por pouco que procure um Sacerdote, terá possibilidade de se esclarecer quanto à frase que não tenha entendido. E estará sanado o "mal" que a seção lhe poderia fazer.

Teste de ortodoxia

Que é, pois, esta seção? Um verdadeiro teste de catolicidade. Pensamos habitualmente de acordo com aquela doutrina? Então estamos certos. Pensamos de outro modo? Então precisamos retificar nossa formação. Numa época de confusão, não é bem verdade que uma tal seção pode prestar grandes serviços?

E suponhamos que se suprimisse a seção. De fato, o que estaria sendo feito? Um verdadeiro serviço de "censura" nos textos dos Santos, distinguindo entre os "textos proibidos" para nossos dias, e os outros que podem circular. Quem não vê que há nisto não só um verdadeiro absurdo, mas um incontestável ridículo?

E, a propósito de tudo isto, uma pergunta: os leitores que eventualmente desejem com tanta veemência uma censura nos textos dos Santos, são igualmente veementes quando se trata de censura nos filmes cinematográficos?

Oh! liberalismo, a quanto levas!

Pedido inexequível

Quanto ao valor documentário da citação, meu amigo pede algo de impossível. Quer todo o contexto, mas, se se atender seu pedido, declarará não ter tempo de ler coisa alguma e sugerirá que se destaquem os textos decisivos. Isto é o que os antigos diziam ser alguém preso por ter cão e por não ter cão.


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