Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Voz que atemoriza e consola

 

"Catolicismo" Nº 340 - Abril de 1979 [1]

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O beijo de Judas, Giotto di Bondone, 1304-1306 – Capela Scrovegni, Pádua

 

Neste mês de abril comemora-se a Sagrada Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ocasião oportuna, pois, a tecer algumas considerações sobre a prisão do Divino Mestre no Horto das Oliveiras.

Narram os Evangelhos que estando Jesus ainda a falar aos Apóstolos no Horto, aproximou-se Judas para entregá-Lo, acompanhado de uma multidão de povo, esbirros armados, escribas e anciãos. Após o beijo da traição de Judas, perguntou Jesus aos que o acompanhavam: "A quem procurais?" — "A Jesus Nazareno", responderam eles. Disse-lhes Jesus: "Sou eu". E São Pedro, tirando da bainha sua espada, cortou a orelha de um servo do Sumo Pontífice chamado Malco.

Quando foi preso, Nosso Senhor praticou duas ações aparentemente contraditórias, e é sobre isto que queremos meditar.

De um lado, falou tão alto, atroou tanto os ouvidos, que os esbirros caíram por terra. De outro lado, abaixou-se Ele mesmo até o chão, para tomar uma orelha, e a recolocar no lugar. O Mesmo que aterroriza, consola. O Mesmo que fala com voz insuportável para os tímpanos, reintegra uma orelha cortada. Não há nisto, para nós, algum ensinamento?

Nosso Senhor é sempre infinitamente bom, e foi bom quando disse aos que O procuravam, que era Ele Jesus de Nazaré, a Quem queriam, como foi bom quando consertou a orelha de Malco. Se queremos ser bons, devemos imitar a bondade de Nosso Senhor, e aprender com Ele, que há momentos em que é preciso saber prostrar por terra com santa energia os inimigos da Fé, como há ocasiões em que é preciso saber curar os próprios males daqueles que nos fazem mal.

Por que falou Nosso Senhor tão alto, quando respondeu "Ego Sum"? Só para atordoar fisicamente os que O prendiam? Mas para que, se Ele se entregava voluntariamente à prisão? É que Ele falou ainda mais alto a seus corações, do que a seus ouvidos, e se lhes falou tão alto aos ouvidos, não foi senão para lhes falar ainda mais alto aos corações. Não sabemos qual foi o proveito que aqueles homens fizeram da graça que receberam. Mas certamente o temor que sentiram, quando tombaram à voz do Mestre lhes foi salutar como foi salutar a Saulo, quando a mesma voz lhe gritou: "Saulo, Saulo, por que me persegues?"

Nosso Senhor lhes falou alto aos ouvidos. Prostrou-os por terra. Mas Sua voz que abatia corpos e ensurdecia ouvidos, erguia almas que estavam prostradas, e lhes abria os ouvidos do espírito, que estavam surdos.

Às vezes, pois, para curar é preciso gritar.

Com Malco, o Divino Redentor procedeu de outra maneira. Quando lhe restituiu a orelha cortada pela fogosidade de São Pedro, Nosso Senhor certamente lhe queria fazer um bem temporal. Mas curando-lhe o ouvido, Nosso Senhor lhe quis sobretudo abrir o ouvido da alma. E Ele mesmo que a alguns curara da surdez espiritual com o estrondejar divino da Sua voz, Ele mesmo curou da mesma surdez espiritual a Malco, dizendo-lhe palavras de bondade, e restituindo-lhe a orelha que perdera.

Vivemos em um século afetado, por certo, pela mais terrível surdez espiritual. Se há época em que os homens ouvem a voz de Deus, é a nossa. Se há época em que contra ela endureçam os corações, é por certo a nossa.

O Divino Mestre nos mostra que, se queremos dissolver em nós e no próximo esta terrível surdez, é Ele só que o pode fazer, e os meios humanos em si mesmos de nada valem.

Nesta ocasião, façamos nosso um pedido que se encontra nos Santos Evangelhos. Quando um cego viu, certa vez, Nosso Senhor, bradou-Lhe "Domine, ut videam!", "Senhor que eu veja!"

Aproveitemos as comemorações da Semana Santa para pedir a Ele que ouçamos: "Domine, ut audiam". Não sabemos, na sabedoria de Sua misericórdia, de que maneira Nosso Senhor curará nossa surdez espiritual. Sangramos como Malco e estamos surdos como os esbirros. Pouco nos importa que Ele queira curar-nos por este ou aquele meio: cumpra-se Sua vontade divina. Fale-nos Ele pela voz terrível das reprovações e dos castigos, fale-nos Ele pela voz branda das consolações, uma coisa sobretudo Lhe pedimos: "Senhor, que ouçamos!"

Que pelo menos nós, católicos, ouçamos plenamente a voz de Nosso Senhor, e que, correspondendo em nossa santificação interior, de modo completo e irrestrito, às graças que Ele nos dá, realizemos dentro de nós aquele pleno reinado de Nosso Senhor, de que os inimigos da Igreja parecem esperançados em arrancar os últimos vestígios sobre a face da terra.

Nosso Senhor prometeu a indestrutibilidade de Sua Igreja, e prometeu que se salvaria toda alma verdadeiramente fiel.

Confortados nessa esperança, meditamos com serenidade as tristezas destes dias de universal conturbação, como as agonias desta Semana da Paixão. Nosso Senhor é o grande Vencedor. Ele vencerá, e com Ele triunfará a Igreja.

 

NOTAS:

[1] Publicado originalmente en "O Legionário", nº 659, 25 de março de 1945. Adaptação da redação de "Catolicismo", sem revisão do autor.