Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Pracinha de Veneza:

suave intimidade cerimoniosa

 

 

 

Catolicismo, N° 615, Março de 2002, Ano LII (*)

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A pequena praça de Veneza que figura na ilustração acima causa no observador uma primeira impres­são: é uma pracinha na qual, sem dúvi­da alguma, está presente uma vida de in­timidade. Atrai a atenção como as casas estão dispostas em volta desse logradou­ro: há uma espécie de fraternidade entre elas. As moradias parecem irmãs umas das outras, aconchegadas entre si.

Por outro lado, as pessoas que estão na praça são pessoas que levam uma vida de certa suavidade, de certa intimidade, semelhante à das casas: uma intimidade cerimoniosa. Cerimoniosa porque, ao mesmo tempo que nessa praça há inti­midade, não existe nem um pouco am­biente para, por exemplo, de repente al­guém sair de pijama. Não há clima para o pijama nesse lugar.

Há uma espécie de calma, resultante da tradição, e um bom gosto difuso em tudo. Cada elemento é de um gosto apu­rado, sendo que duas ou três fachadas dentre essas moradias, por sua discreção, reputo bem bonitas.

Por exemplo, esse palacinho à direi­ta, na gravura: é ao mesmo tempo pe­quenino e muito pomposo. Nota-se uma coroa de conde em sua parte superior. Apresenta uma fachada que é imponen­te. Tem-se a impressão de que diante dele houve uma representação teatral, num estrado armado para uma festa.

Depois, no fundo, a igreja, que é mui­to bonitinha, e sobretudo sua torre, muito elegante. Os desenhos da torre são boni­tos, muito harmônicos, muito distintos.

Essa praça seria falha — a meu ver — se não houvesse o poço no centro. Fi­caria faltando alguma coisa, e ela ficaria enorme. O poço desempenha um papel, no conjunto, que é uma coisa extraordi­nária. É um centro psicológico superior. Nota-se que a praça não é calçada total­mente, mas apenas em parte.

Onde existe plebe, há calor humano, a plebe representa o elemento calorífico das relações humanas. Uma sociedade sem plebe torna-se inumana! Algumas coisas indicam a presença da plebe na praça. Por exemplo, a chaminé da casa, à esquerda, com uma escada em cima. Es­tou imaginando um italiano plebeu, que limpa a chaminé e que canta. Depois, in­terrompe seu trabalho para o almoço.

Posso imaginar o vento que derruba a escada, e ela vem caindo em cima de uma menina. Mas, por intercessão de Santo Antônio, a escada se desvia! A gra­vura sugere cenas como essa. Acho isso muito pitoresco.

Conclusão: diante dessa pracinha, à força de olhá-la, o senso comum elabo­ra ou destila um seletivo, ou alguma nota dominante que diz respeito a to­das as notas particulares existentes nela. Essa nota dominante, por sua vez, é para mim um valor do espírito. Eu diria que tal nota é: suave intimidade cerimonio­sa, afável, espiritual, cheia de harmo­nia e de distinção. Eis aí o encanto des­sa diminuta praça. 


(*) Nota: Praça de Santa Maria Formosa, Veneza (Itália). Gravura do séc. XVIII. Texto extraído de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em 18 de maio de 1963. Sem revisão do autor.


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