Plinio Corrêa de Oliveira

Projeto de Constituição angustia o País

 

 

 

 

1987

Desfecho – Para evitar o despenhadeiro do qual o Brasil vai se aproximando

É chegado por fim o momento de resumir e concluir.

Provado quão pouco é representativa da vontade popular a Constituinte emanada da eleição-sem-idéias de 1986 (cfr. Parte II) e quanto discrepa da orientação geral do eleitorado – nos seus aspectos sócio-econômicos – a Constituição que as correntes de esquerda tentam impor ao País, mediante hábeis manipulações (cfr. Partes III e IV), problemas dos mais graves se apresentam ao espírito dos observadores.

Olhar de frente esses problemas, e enfrentar as perplexidade e apreensões que eles trazem consigo, oferecendo ao Poder Público e à opinião do País sugestões viáveis: assim pode o bom brasileiro cumprir seu dever em ocasiões dramáticas, como esta em que vamos entrando.

Em conseqüência, quaisquer atitudes deste gênero devem ser acolhidas de boa mente pelas autoridades públicas, ainda que elaboradas a partir de pontos de vista diversos dos delas. Pois isto faz parte do direito de opinar livremente, que assiste a cada cidadão em um regime efetivamente democrático, como é ou quer ser o nosso.

Pelo contrário, o Governo que visse em atitudes como esta da TFP um ato de oposição política levado quiçá às raias da ilegalidade, tenderia – talvez inadvertidamente – a transformar o regime democrático em mera ficção política, cuja essência seria ditatorial.

A TFP se sente, pois, à vontade para pôr no conhecimento da Nação – isto é, Governo e povo – tudo quanto acaba de ser dito.

* * *

• Admitido que este trabalho tenha demonstrado que o mandato popular para fazer uma nova Constituição foi conferido, na maior parte dos casos, a cidadãos brasileiros acerca dos quais o eleitorado ignorava o que pensavam no tocante aos grandes problemas nacionais (e que presumivelmente ignoram, por sua vez, o que a maioria do povo pensa a tal respeito);

• Admitido que o alheamento daí conseqüente, entre o povo e os candidatos, é tão grande que foi impressionante o número de votos em branco ou nulos, e se pode recear que grande parte do eleitorado se teria abstido de votar, caso a lei vigente não tornasse (aliás antidemocraticamente) obrigatório o exercício do voto para o povo proclamado contraditoriamente soberano;

• Admitido que as correntes de esquerda na Constituinte vêm conseguindo envolver a maioria conservadora, de forma a fazer prevalecer os pontos de vista delas e incluir na futura Constituição dispositivos que implantem no país as Reformas Agrária e Urbana, ao mesmo tempo que abrem caminho para a Empresarial, - as duas primeiras com o apoio oficial do Poder Executivo, e a terceira com claras simpatias em altas esferas políticas e publicitárias;

• Admitido ainda que a implantação dessas três Reformas (com a Reforma Agrária já agora promulgada e em franca via de execução) contraria princípios morais e jurídicos até há pouco afirmados pela grande maioria do País como sagrados e indiscutíveis, bem como interesses privados da maior monta, fundamentais para a estabilidade social e econômica de incontáveis famílias;

• Admitido, por fim, que até o momento presente a opinião pública ainda não recebeu das autoridades competentes uma explicação clara e documentada sobre o motivo pelo qual a Reforma Agrária não se faz exclusivamente mediante a distribuição de terras no maior latifúndio inaproveitado do Ocidente, constituído pelas terras incultas pertencentes aos Poderes públicos,

É natural que incontáveis brasileiros, perturbados, chocados, lesados a fundo em seus direitos e contundidos do modo mais grave em seus interesses pessoais e familiares, se perguntem:

- “Mas, afinal, por que havemos de entregar a toque de caixa, mediante preço vil, a desconhecidos, nossas terras, nossas plantações, nossas criações e até mesmo nossas residências rurais, tão ligadas à vida de nossas famílias?”

- “Por que  - indagarão outros – haveremos de entregar, provavelmente também a toque de caixa e a preço vil, ou sem pagamento, nossas casas, nossos prédios de renda e nossos terrenos urbanos? Com que direito nos serão arrebatados esses fundos urbanos que – como analogamente ocorreu aos proprietários rurais – recebemos por santa e legítima via de herança, ou adquirimos honradamente para estável e tranqüilo porvir de nossas famílias, mediante o fruto de nosso trabalho árduo e de nossa austera poupança?”

- Por fim, perguntarão os de um terceiro grupo: “Por que haveremos de entregar, também a desconhecidos, as empresas industriais ou comerciais que recebemos, também nós, por uma sucessão hereditária não menos legítima, ou que fundamos, mantivemos e ampliamos com o suor de nossos rostos?”

* * *

A resposta que a todos será dada não valerá: “Decidiu-o o poder soberano da Constituinte, a qual é a mais alta e genuína expressão da vontade popular. O que a vontade popular assim decidiu está decidido. Ao sr. toca apenas entregar tudo, indo-se embora logo e para sempre”.

Quem poderá evitar que emerja – do fundo da memória de tantos brasileiros que forem assim golpeados, de seus familiares, de seus amigos, de todos os seus conterrâneos – a recordação nítida e ainda próxima da sensação de vazio e de inautêntico que lhe deixou o último pleito eleitoral? Que eles se lembrem do grande silêncio político a que essas reformas estiveram sistematicamente relegadas durante toda a campanha eleitoral, e que, em conseqüência, no espírito de todos nasça a pergunta: “Mas foi mesmo o eleitorado brasileiro que quis tudo isto?”

“Oh não! – exclamará o proprietário confiscado ao executor das decisões da inflexível Constituinte – essas eleições não provaram isso, nem provaram coisa alguma! Ao precipitar o Brasil nessas reformas, os Constituintes não exprimiram a vontade popular. Jamais reconhecerei como válidas, no campo moral, essas reformas transgressoras de direitos que se fundam na vontade de Deus e que tenho, pois, por sagrados. Enquanto tais, são eles superiores ao arbítrio do homem”.

Isto posto, é de recear que, dentre tantos proprietários lesados a fundo, muitos concluam, dando-lhes ressonância trágica, com as palavras do bem conhecido estribilho: “Daqui não saio, daqui ninguém me tira”.

Ante  essas resistências eventuais, que restará fazer ao Poder Público? Agarrar à força esses legítimos proprietários, bem como as suas esposas, seus filhos, seus familiares, os móveis que lhes guarnecem o lar, jogar tudo em caminhões, e obrigar a que deixem a fazenda ou a propriedade urbana, ou a empresa, rumo ao local mais próximo, onde serão atirados à rua homens e coisas, para que se arranjem como puderem, como souberem e como quiserem?

* * *

Essa operação, realizada contra legítimos proprietários, quiçá à vista de soldados de armas embaladas, se a imaginarmos realizada às centenas, aos milhares, que lembranças deixarão nos corações sensíveis dos brasileiros? Tanto mais quanto, na presente quadra, a vida vai-se tornando sempre menos desconfortável e arriscada para assassinos, ladrões e outros malfeitores de todo gênero.

A pergunta talvez desperte o riso de esquerdistas extremados, que retruquem: os beneficiários das reformas que assistirem à cena sentir-se-ão aliviados com a saída dos seus sanguessugas, e lhes aplaudirão de bom grado a merecida decadência.

Não causa estranheza que tal imaginem esses extremistas da esquerda, incorrigíveis em seu utopismo.

Não é porém assim o brasileiro. Não habita em seu coração a sanha colérica dos guilhotinadores de 1789, nem dos mujiques ébrios e revoltados de 1917.

Como já foi ponderado, as hordas de “sem-terra” que invadiam as propriedades rurais – durante os grandes shows anteriores à difusão, feita pela TFP, dos Pareceres de dois jurisconsultos brasileiros sobre o direito de os proprietários resistirem à mão armada – não consta que em nenhum momento tenham tido o apoio de trabalhadores empregados no próprio imóvel invadido.

* * *

A cena anteriormente descrita é entretanto incompleta. Falta-lhe um figurante essencial. É o Vigário do local, com cujo apoio o agro-reformismo hoje conta, como o reformismo urbano e empresarial amanhã, para obter uma maior flexibilidade na atitude da vítima.

Será este o conselho do ameno Cura à vítima da desapropriação: “Meu caro sr., não pense só em si, porém nos milhões de brasileiros que morrem de fome. E consinta em salvar-lhes a vida mediante a imolação de seus interesses pessoais. É esta a opção preferencial pelos pobres, imposta pela justiça cristã”.

Mas o trágico da situação agiliza as mentes. A réplica vem pronta, nos lábios do proprietário interpelado:

“Sr. Padre, como ministro de Deus, o sr. está no seu direito de me lembrar que a vida de milhões de pobres vale mais do que o patrimônio de quem não é pobre. Concordo com o sr. e conheço bem o que é a função social da propriedade, ensinada pelos Papas.

“Mas quem me prova que esses milhões de pobres realmente morrem de fome no Brasil? Que documentação o sr. apresenta nesse sentido?

“Como me demonstra o sr. que o melhor meio para resolver a situação dos pobres autênticos seja esta apocalíptica divisão de todas as propriedades, de qualquer ordem que seja, no Brasil inteiro?

“Estes são problemas temporais de caráter econômico e social. Sobre a autenticidade deles e os meios adequados para os resolver compete que se pronunciem os homens que têm estudos especiais, ou possuem prática profissional nessas matérias. Neste último caso estou eu.

“Quanto ao sr., que tem mandato para me falar em nome de Jesus Cristo e da Igreja, com base na doutrina católica, não lhe assiste o direito de me impor sua opinião pessoal acerca de qual seja a realidade autêntica dos problemas alegados pelo tríplice reformismo – agrário, urbano e empresarial – nem sobre as soluções técnicas a serem dadas a esses problemas. Pois, enquanto meramente temporais todas essas matérias estão fora de sua alçada”.

E o vigário nada terá a fazer senão disfarçar o seu embaraço, encolher desdenhosamente os ombros... e calar-se.

* * *

Dando tanto realce à tríplice Reforma, nestas páginas finais de um livro que levanta reparos a outros tantos dispositivos de capital importância do Substitutivo Cabral 2, como sejam os prejuízos causados ao matrimônio legítimo e à família, à multiplicação da espécie, ao livre exercício da profissão médica, à organização do ensino etc. (cfr. Parte IV, Cap. I), não se pretende que a ilegitimidade e nocividade da Reforma Agrária, da Urbana e da Empresarial sejam maiores do que a dos referidos dispositivos.

Acontece entretanto que aquelas Reformas trazem todos os outros dispositivos no bojo.

Com efeito, a supressão da propriedade privada e da livre iniciativa acarreta logicamente a aniquilação do matrimônio e da família legítima, e o conseqüente regime de “liberdade sexual” infrene conduz necessariamente ao aborto, ao divórcio etc. E a estatização da agricultura, da indústria e do comércio tem como corolário forçoso a estatização da medicina e a do ensino, e assim por diante.

* * *

Quando estas injustiças em série sobrevierem, ao longo do verdadeiro ciclone nacional em que importará a implantação em cadência das três Reformas, os ministérios competentes, o Palácio do Planalto e quiçá o próprio Palácio da Alvorada, residência do sr. Presidente da República, terão os telefones a tilintar incessantemente ao longo dos dias e noites adentro. Do Brasil inteiro as autoridades locais, perplexas com o impacto desse ciclone, perguntarão sem cessar: que fazer? Que fazer? Que fazer?

Estará criado o impasse, em todos os lugares do território nacional, em que brasileiros labutam e produzem.

A saída para tudo isso, os Poderes Públicos e a Nação se porão a procurá-la, percorrendo todo um mar de hipóteses e de perplexidades, no qual mais provavelmente... não encontrarão saída alguma.

Juridicamente, será impossível declarar sem efeito as decisões da Constituinte, sem que se descambe para um golpe de Estado cruento ou incruento. Mas que a demagogia de certas esquerdas tudo fará para tornar cruento.

Quem, como nós, de toda alma deseja que tal não se dê, outra coisa não poderá fazer senão prever e avisar.

Pois, caso os acontecimentos enveredem por aí, ter-se-á transposto o sinistro limiar do absurdo. E, a partir daí, será tarde para fazer previsões.

* * *

A TFP não tenta, pois, responder a estas perguntas, pois nascem de uma situação caótica que o fanatismo reformista terá tornado insolúvel.

Prefere ela concluir dando resposta a uma outra pergunta que ninguém lhe fez, mas que nasce no espírito de seus diretores, sócios, cooperadores e correspondentes existentes em cerca de cem localidades do País, a partir do amor ao Brasil e à civilização cristã que os move, a cujo serviço dedicaram suas existências, as quais, para vários, o suceder dos anos, dos trabalhos e das lutas vai tornando tão longas. A pergunta é esta:

- Há algo a fazer para que, alertados os brasileiros sobre o perigo rumo ao qual despenhamos, seja possível obviá-lo dentro da lei, pelo concerto geral dos espíritos clarividentes, cautos e ágeis?

A resposta afirmativa da TFP consiste na Proposta que atrás fica consignada.

Essa Proposta, a TFP a deposita aos pés de Nossa Senhora Aparecida, à qual ergue a súplica comovida e confiante: Rainha do Brasil, salvai nossa Pátria!

* * *

Este livro foi concluído no dia 1º de outubro [de 1987].

Em nosso cenário político, que as circunstâncias do momento tornam tão movediço, algum fato novo pode ocorrer no breve interstício que vai do seu término até o momento em que ele venha a lume. E bem facilmente pode dar-se que esse fato sugira, ou até imponha, uma que outra matização em alguma matéria tratada no presente livro.

Se tal suceder, quando já não haja mais tempo para interferir na composição gráfica do trabalho, o autor tem intenção de remediar essa involuntária lacuna em folha avulsa, juntada no fim do volume.


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