Plinio Corrêa de Oliveira

 

O Castelo de Eltz:

critérios para se construir sua própria personalidade

Governo orgânico de um país,

de uma associação...

 

 

Eremo do Amparo de Nossa Senhora, 5 de julho de 1976

  Bookmark and Share

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

 

O castelo de Eltz (Burg Eltz) é uma construção medieval, localizado no vale da Mosela, na Alemanha (nas proximidades de Trier). Foi edificado no século XII. Desde então teve numerosas modificações, mas apesar das Guerras Mundiais nunca foi destruído e sempre se manteve nas mãos da mesma família, ao longo de 33 geraçôes. Desde a Idade Média, três herdeiros o dividiram, e cada ramo procedeu a novas construções no castelo, o que explica seus contornos atuais. É um dos castelos mais belos da Alemanha.

 

No meu modo de entender — mas é puramente pessoal — a floresta é de tal maneira uma maravilha e o castelo de tal maneira bonito, que o castelo e a floresta mais se atrapalham do que se completam, porque não formam um contrário harmônico, à primeira vista. Não é dizer que vão mal um com a outra, mas não se completam. É uma coisa linda dentro de outra coisa linda, e a atenção fica meio dividida. É difícil focalizar um princípio monárquico nesse conjunto, algo que se possa dizer que tal nota é o conjunto do castelo com a floresta.

A floresta é muito bonita! Dá impressão de ser feita sobre um chão lindo, onde não tem poças de água, aranhas, bichos correndo, cobras, nem nada disso, o que para nós tropicais e meridionais tem muita importância, sobretudo para nós brasileiros. Um chão limpo, claro, onde só tem a poesia de algumas coisas mortas, ou abandonadas, ou algumas pequenas trepadeirinhas com rosinhas, umas framboesas escondidas... As folhas são todas muito limpas, toda a natureza é muito limpa, mas a floresta é misteriosa. Não sei se notam que daria para aparecer ali aqueles anõesinhos ou qualquer coisa, mas também Santa Isabel de Hungria, Santa Cunegundes, Santo Henrique...

E se entrevê que nesta floresta há fontes que murmuram, magníficas; rouxinóis que cantam; as sombras que prometem coisas. A gente entra e se descobrem dados incógnitos... É uma cúpula verde que esconde uma subvida de delícias protegidas pelo verde, e envolta pelo verde.

Se a floresta sugere assim para um todo compacto, maciço, o castelo é um todo também, e um todo compacto. Os senhores notam que é uma construção que forma uma espécie de grande bloco sem desenho definido, que caminha de cá para lá e cujos contornos não são harmônicos. Vê-se que é uma construção que chega ao solo aonde dá para agarrar. E o pensamento é fazer uma fortaleza assim que existe aonde consegue. E isso é muito de notar nesses edifícios mais baixos, onde o terreno desliza e há esses edifícios que se inclinam junto com o terreno e que também não formam um plano definido.

Apesar dessas circunstâncias, é inegável que o castelo tem beleza, eu ao menos sinto isso assim. É inegável ainda que a beleza não vem apenas do teto que é ornamentado mas vem desse bloco.

Isto prova bem uma tese que me é muito cara: a beleza não resulta necessariamente e por vezes não resulta principalmente de um plano feito numa mesa de desenho. Mas resulta de um qualquer toque, de um qualquer aproveitamento de circunstâncias concretas e práticas por um artista, de maneira que fica bonito mais ou menos sem saber como. Não se pode chamar isso de improvisação, mas é quase uma improvisação. É um castelo construído onde foi possível, mas que no total acaba tendo uma forma bonita.

Onde está a beleza da forma do castelo?

(Aparte: Não dá impressão que esse castelo foi construído em gerações? Porque pelo modo como estão dispostas suas construções...)

Bem pode ter sido! O que acentua mais o que eu dizia, porque cada parte foi construída segundo as necessidades daquele tempo que levava a fazer um torreão, uma parte maior do edifício, e a preocupação estética está muito pouco presente. Entretanto tem uma verdadeira estética.

Qual é essa estética? Um fator dessa estética sem dúvida são essas pontas. Os senhores estão notando esse mundo de torresinhas no alto, que no conhecido sistema gótico contrastam com o atarracado da parte inferior. Uma coisa que é atarracada e que floresce em mil pontas mimosas, diversas e cheias de fantasias... O atarracado realça a fantasia.

Essas torresinhas estão numa ordem admirável e foram postas ao léu. Dir-se-ia que um aviador passou e as jogou do avião e elas ficaram aqui. Entretanto elas estão encantadoras!

Insisto num ponto: a beleza não está só nas torrinhas – realmente bonitas – mas a beleza está na forma desse corpo do edifício, entretanto indefinida...

 

 

Surgem, então perguntas interessantes: qual a beleza que há nesse corpo de edifício? No que é que esse corpo de edifício é atraente, uma vez que tudo levaria a achar que não o seria? Pois não seria assim que se planejam e que se fazem as coisas...

Eu dou importância a essa questão porque aí temos um dos pontos mais interessantes para a formação do membro da TFP: é a tese que o espontâneo feito com bom espírito é uma síntese do planejado e do espontâneo — não é apenas espontâneo o que é  desordenado. E que a liberdade e a direção se encontram num ponto de equilíbrio extraordinário. Isto vale para o modo de governar uma organização, um país, vale para mil coisas, inclusive para o indivíduo escolher o seu próprio modo de ser.

A respeito da questão do modo de ser se poderia falar uma noite inteira, de tal maneira ele é importante na geração nova, cuja insegurança vem de não ter o modo de ser escolhido, nem saber como é que se escolhe o modo de ser. E, quando escolhe, o rapaz fica sem saber se escolheu o modo de ser adequado, se os outros não percebem que é um modo de ser que ele colocou na frente de si, que anda com aquilo que não é o modo de ser dele... É todo um tormento o problema do modo de ser para o geração nova.

Analisando esse castelo, pode-se até considerar como se escolhe o modo de ser. Ou seja é algo que tem um pensamento central, e as coisas depois nas encostas desse pensamento central vão tomando ar e jeito na medida das circunstâncias. Nos refolhos de um grande pensamento central cabem harmonicamente as mais variadas coisas. Há nesse castelo um misto de direção e de espontâneo que forma um tema de encanto para mim.

Ele constitui também um modo sobranceiro de refutar socialistas e liberais. Porque estes últimos dizem: “Nada deve ser dirigido porque a liberdade contém toda sabedoria”. Os socialistas dizem: “Nada deve ser livre porque a direção é a técnica e a sabedoria”... E nós nos limpamos desses preconceitos como de poeira que cai sobre a roupa, mas que basta a gente escovar simplesmente com uma constatação desse tipo.

Vê-se que a superfície sobre a qual está construído o castelo não foi escolhida por quem o edificou. Mas se percebe vagamente a seção do castelo qual seria. Mas há uma coisa que ele pôde fazer que foi a escolha  de uma altura muito proporcionada ao terreno. E a beleza sóbria, discreta, majestosa, firme está precisamente na proporção entre a altura e seu tamanho.

Não sei se os senhores notam que o castelo tem um atarracado possante e que no primeiro olhar a gente se encanta!  Ao mesmo tempo, ele dá a impressão de como quem diz à floresta: “Eu me meto aí no meio dessas árvores. Árvores, afastem-se porque eu sou rei e sou dono, e aqui se leva uma vida civilizada, com móveis, com cortina, com tudo que não tem lá nas suas encantadoras selvajarias. Mas eu sou eu”. 

 

 

Um dos quartos do castelo de Eltz

 

De outro lado, entretanto os senhores notarão que há uma inegável harmonia no castelo. Essa inegável harmonia vem dos jogos de torreões com a base. Mas também muito do jogo de proporção entre a seção e a altura. E essa proporção escolhida de tal maneira que o possante aparece como qualquer coisa que eu sinto de delicado, em que depois de ter derrubado as árvores, deitado as garras no chão, impedido a vegetação de crescer, o castelo – ao longo dos séculos – fica ligeiramente sonolento e risonho na boa vizinhança das árvores que venceu. E as árvores se colocam ao lado dele como ao lado de um protetor. Se a expressão não tivesse muito conspurcada, a gente poderia chamar isso de “coexistência pacífica”. Porque há uma verdadeira coexistência pacífica entre a vegetação e o castelo. É algo que não forma um unum, mas que tem uma junção muito agradável no próprio contraste e que não é um choque.

 O castelo é evidentemente uma fortaleza bem conforme ao espírito medieval verdadeiro, de quem prefere não combater. Mas tendo de combater, combate com denôdo, com energia, com eficácia e até com alegria.

Ele não tem aquelas pontas do Neuschwanstein de que gosto muito. Ele não é pontudo, ele tem pontinhas – e a ponta é uma espécie de agressão. É atarracadão como quem quer diz: “Aqui estou e daqui ninguém me tira. Não venham porque vocês apanham!”

 Sua proporção constitui a meu ver o belo, o pulchrum do castelo.  A proporção entre as várias janelas muito bem colocadas, os andares altíssimos. E depois as torres, cujo conjunto forma provavelmente uma figura...

Os senhores notam como essas janelas aqui estão colocadas bem ao alto e como é difícil entrar no castelo. É uma necessidade de defesa.

Aqui mais uma vez a proporção se estabelece bonita. Essas coisas pequenas estão tão pequenininhas, mas numa proporção de altitudes tão agradável que são verdadeiros enfeites, mais uma vez por causa do jogo da proporção.

Dir-se-ia que o castelo se compraz em passear dentro da vegetação e a ser pequeno em comparação com aquela. Isto ressalta ainda mais aquele misto de afabilidade, de espírito acolhedor, que é o aspecto de sua grandeza.

Isso seria o castelo visto por mim. Muito menos imponente do que a paisagem que comentamos ontem. Mas talvez muito mais instrutivo pelos lados discretos que o castelo tem e que exige uma análise muito mais acurada para a gente perceber o que ele “diz”.

(Pergunta: A gente tem impressão de mais autenticidade desse castelo que o de Neuschwanstein)

É verdade, mas precisa ver bem o que é autenticidade. O gótico do século XIX por alguns lados requintou o gótico propriamente dito. E, nesse sentido, foi mais autêntico, porque foi um estilo gótico constituído na visão panorâmica de todos os outros góticos que houve, e portanto concebido muito de fora para dentro e de cima para baixo. De maneira que é verdade que esse é mais autêntico, mas é preciso ver em que sentido o outro tem a sua autenticidade.

(Pergunta: Esse castelo não representa mais aquela ordem feudal que houve no mundo alemão)

Acho a sua observação inteiramente justa. Quando tratei de uma idéia central que comporta nos seus flancos toda espécie de improvisações, eu pensava no Sacro Império. Idéia de unidade grandiosa, mas que suportava – por ser grandiosa – toda espécie de variedade. E é exatamente isto que eu procurei ressaltar.

(Aparte inaudível)

Para interpretar bem este castelo, é preciso considerar o seguinte: esses castelos tinham habitualmente em conexão com eles uma vila, que as vezes era dentro, as vezes era fora, as vezes algumas vilas que por uma tendência psicológica do povo europeu ao longo das populações rurais faziam também aldeias, para se espalharem como os colonos brasileiros. Essas aldeias todas vinham à Missa aos Domingo que eram aqui celebradas, quando se casava o castelão vinham todos assistir e entravam com flores e cantando. Nos dias santos também tinham festas em comum. Quer dizer, o castelo era mais ou menos a culminância, mas até certo ponto também era a praça pública da região, o lugar de encontro de todo mundo mais miúdo. Bem entendido o vigário, quando não morava no castelo morava junto a uma capelinha, era o hóspede de honra do castelo.

A população na Idade Média já era bem densa e o número de castelos era grande. Os castelões tinham uns com os outros a mesma relação que tem, por exemplo, nesta zona de Amparo (no Estado de São Paulo, n.d.c.)  os fazendeiros uns com os outros. De maneira tal que moram isolados porque suas casas são distantes, mas suficientemente próximos para manter relações com toda redondeza. Então, por exemplo, as moças dessas famílias se casavam com moços de feudos vizinhos. E havia um contínuo viajar para aniversário, convidados, contato social muito elevado, que permitia contato da base também. Cada castelão vinha com cinco, seis ou dez escoltas que também se hospedavam e conversavam com os do lugar, havendo portanto um contato bastante intenso.

Essa solidão é muito mais ótica do que real.

(Aparte inaudível)

O senhor percebe bem essa síntese dentro da TFP. Na TFP há muita liberdade. Se eu me pudesse comparar a um diretor geral de uma empresa, creio que é impossível um diretor geral dar mais liberdade aos seus diretores de serviço do que eu. Acho impossível um diretor de serviço sentir-se fiscalizado por mim. Eu observo a consonância de ideais da pessoa comigo. Indico uma meta que ele quer também. A partir desse momento eu digo: “Faça”. E enquanto existe essa consonância eu não me preocupo com o serviço dele. Sei que o serviço não vai sair nem um pouco como eu faria, mas sei que sairá o que eu quereria, que é a minha idéia filtrada através do espírito dele, dos olhos dele e realizada pelas mãos dele, que é a variedade que eu quereria.

Quer ver por exemplo uma unidade de variedade chocante na TFP? É a Sede do Reino de Maria e a sede dos Buissonnets (uma das sedes da TFP brasileira que se localizava à Rua Dr. Martinico Prado, 246, no bairro de Santa Cecília, n.d.c.). A Sede do Reino de Maria, séria, grave, grandiosa. Os Buissonnets é um aproveitamento inteligente de um prédio feio. Eu não sei que jeito “X” arranjou que se tem a impressão de que aquilo está visto num audiovisual e que há uma realidade irreal emoldurando tudo aquilo e dando uma graça aquilo... Não é nem um pouco o que eu saberia fazer. Porém fui deixando ele fazer e percebia que saía o que eu quereria que saísse lá. Mas em função de uma idéia central na qual aquilo se ligasse perfeitamente. Ele não me consultou, mas colocou rosas muito bonitas e as vezes até esplendidas, viveiro com passarinhos bonitos. Não é dizer que eu planejaria aquilo, mas eu quis que um fizesse uma coisa à moda dele. Ele fez aquilo. Pela consonância com a idéia central, saiu direito. E nisso a gente vai aproveitando as circunstâncias.

Por exemplo, a parte burocrática dos Buissonnets, não sei bem como é. Mas entro lá, dou uma vistoria – o que não é fiscalizar, é analisar –, dou uma vista por cima das escrivaninhas, já estive em todas as salas onde se trabalha, e percebi pelo aspecto delas que a burocracia toda está bem arranjada. Se ele começasse a me contar como funciona, eu começaria a bocejar... Mas sei que é como eu queria que fosse feita.

Ou seja, são as tais variedades que só podem se entrosar graças a uma idéia central possante. A idéia central possante tem força para carregar as variedades sem se deixar devorar por elas. Se a idéia central é  esquálida, nasce o pânico do próprio desaparecimento. Então o que se tem é a tirania: “Faça de tal jeito! Ponha de tal jeito que eu disse!” “Aquele quadro ponha em tal lugar...” Porque o indivíduo responsável pela idéia central percebe que as variedades estão dilacerando a idéia central.

Nossos adversários teriam gosto enorme de poder dizer que a TFP é uma ditadura, e que pego os senhores pelo pescoço, obrigando-os a fazer o que eu quero. Eu já ouvi o contrário. Por uma certa fonte, ouvi que sou uma espécie de rei bonachão que deixo tudo acontecer e que fico sonhando. Ao mesmo tempo, da mesma fonte vinha a queixa que eu me faço atribuir pelos senhores uma atenção régia. Como é que uma coisa possa coexistir com a outra, como um indivíduo sendo bonachão possa ser objeto de honras régias, eu não compreendo.

Mas esse estilo de governo é a realização dessa síntese, que “x”  lembrava que existia no Sacro Império, que existia magnificamente na Igreja Católica, e que notamos vários exemplos nesse castelo.

Então dir-se-á: existe um unum na TFP?

Eu digo: sem dúvida que há, é protuberante, é saliente, é o que mais se nota na TFP. Há liberdade de movimento para cada um? É também evidente, e se nota quase tanto quanto o unum.

Essa é a tal liberdade com direção, ou direção com liberdade, o que é próprio do espírito católico (a tal propósito, vide por exemplo a conferênciaA escravidão a Nossa Senhora é a suprema liberdade”; o artigo na “Folha de S. Paulo” de 20-9-1980, intitulado “Obedecer para ser livre”, bem como a obra “Guerreiros da Virgem – A RÉPLICA DA AUTENTICIDADE, de Plinio Corrêa de Oliveira, Editora Vera Cruz, dezembro de 1985, especialmente o Cap. V).

Analisemos mais detidamente essa questão.

O modo de ser, a pessoa deve escolher partindo da idéia de que não pode ser espontâneo, ele tem que ser autêntico e não pode ser espontâneo. Autêntico é o espontâneo melhorado, tendendo à perfeição de si mesmo. Essa tarefa se faz em função dos seguintes dados:

1) partindo da idéia de que cada um tem um feitio pessoal: a) o que ele é; b) o que deve tender a ser; b) o que deve evitar de ser;

2) a missão que desempenha junto aos outros, modela o seu modo de ser. Por exemplo, se um indivíduo é tabelião, não deve ter o modo de ser de um guerreiro; se ele é marquês, não deve ter o modo de ser de um marinheiro;

3) por sua vez, para a realização da missão, o indivíduo entra em fricção ou em colaboração com outros, e isso o modela também.

Para saber como se é e como se deve ser, a pessoa precisa fazer um exame de consciência do meio em que nasceu. Eu, "x", nasci de tais famílias, herdei tais aptidões e tais defeitos de parte a parte. Fundamentalmente, de nascença, sou isso.

Se faço bem a análise dos dois ramos de que provenho, e percebo como em mim essas hereditariedades se equilibram, posso fazer a crítica de como eles são e como deveriam ser em função de eles não piorarem ou progredirem moralmente, socialmente, como influência. E quais são os lados fracos e os lados fortes deles, bem como por onde prevalecem.

Depois, volto-me sobre mim: o que devo fazer para levar à plenitude o que herdei deles de bom e o que fazer para não repetir os erros que cometem ou cometeram.

Aí eu me construo em função de outras perguntas: na sociedade de hoje,  o que eu sou? O que estão dispostos a reconhecer ou não em mim que sou? Por onde devo me impor para que me engulam como tenho o direito de ser,  de sorte que possa caminhar pacifica e tranqüilamente? Depois, como agradar e como me impor, respeitando os outros e a mim mesmo? E isto em função também de minhas possibilidades, que não são as de um outro.

Aí vem a escolha do meu modo de ser.

Isso deve ser feito com uma análise inteiramente imparcial do próprio ambiente, o que sem muita piedade não se tem força para realizar, sem rezar muito não se tem força para isso.

Agora, não sei aqui quantos terão feito metodicamente esse estudo, essa análise, e terão tirado uma conclusão em função disso.

Em quantas e quantas circunstâncias no meu tempo de menino, de mocinho, e depois de moço feito eu notava limitações que tenho até hoje e que vejo que não posso remover sem deformar-me... Então preciso organizar a minha vida com essa limitação. É como se tivesse nascido sem um polegar, por exemplo. Eu não posso mandar fazer um polegar artificial e pôr aqui... Tenho que organizar a minha vida sem o polegar.

Lembro-me de um orador sacro famoso... famoso para a pequena São Paulo de outrora. Ele às vezes fazia sermões que as pessoas gostavam muito. E eu notava que quando estava mais enfático, falava com os punhos fechados. Depois percebi que tinha o polegar cortado. Ele organizou a oratória dele sem o polegar. Foi a saída...

Ora, psicologicamente falando, eu me noto “cortado” em vários lugares.

Só queria acrescentar o seguinte: os senhores errarão se forem na onda de que para a gente escolher o seu próprio papel precisa ser risonho e “seu ligação”. Alguns tem esse dote, outros não tem. Arranje-se sem esse dote, porque todo mundo nasce – no sentido metafórico que estou empregando essa expressão – com um polegar cortado. Não conheço um homem que não tenha algumas lacunas, algumas falhas.

E o bonito é fazer como esse castelo. Não ser construído sobre um terreno arranjadinho, mas agarrar-se aonde pode e daí então lançar as suas torres. Eu lhes garanto que dá uma coisa bonita.

 

 

 


Bookmark and Share