Plinio Corrêa de Oliveira

 

São Sebastião

verdadeiro herói católico

 

 

"Santo do Dia", 19 de janeiro de 1967

 

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.


São Sebastião

 Bicci Di Neri - 1547 - Coleção Privada

São Sebastião, mártir. São Sebastião era de nobre família e foi chefe da coorte no exército imperial romano no século III. A respeito dele nos dá D. Guéranger ( L'année liturgique:  Le temps de Nöel.  2 v - Página 427) o seguinte comentário :

“Se nos afigura um jovem, arrancando-se a todos os laços que o prendiam em Milão, sua pátria, pelo único motivo de que a perseguição não era aí suficientemente rigorosa, enquanto a tempestade em Roma alcançava toda sua violência. Ele treme pela constância dos cristãos. Mas ele sabe que, mais de uma vez os soldados de Cristo cobertos pela armadura de soldados de César, se introduziram nas prisões e reanimaram a coragem dos confessores. É a missão que ele ambiciona, esperando o dia em que possa ele mesmo alcançar a palma do martírio. Ele vem pois  sustentar aqueles que as lágrimas de seus pais tinham abalado; os próprios  carcereiros cedendo ao império de sua fé e de seus milagres, afrontam o martírio e até um magistrado romano pede para se instruir na doutrina que tanta força dá aos homens. Cumulado de favores por Diocleciano e Maximiano-Hércules, Sebastião dispõe, em Roma, de uma influência tão salutar que o santo Papa Caio o proclama Defensor da Igreja.

 "Após ter enviado ao Céu inumeráveis mártires, o herói obtém enfim a coroa pela qual suspirava. Por sua corajosa confissão, ele incorre no desagrado de Diocleciano, dando preferência ao imperador celeste que ele também servia sob o capacete e a clâmide. É entregue aos arqueiros da Mauritânia, que o despojam, o amarram e o traspassam com suas flechas. Se os piedosos cuidados de Irene o trazem à vida, é para expirar sob outros golpes, no hipódromo contíguo ao palácio dos Césares.

"Sim, pois para um atleta [do porte] de Sebastião, um martírio único não foi suficiente. Em vão os arqueiros mergulham seus ferros nos vossos membros. A vida permaneceu inteiramente em vós e a vítima permanece assim pronta para uma segunda imolação. Tais foram os cristãos da primeira idade, e nós somos seus filhos.

" Ó defensor da Igreja, assim chamado por um santo Papa mártir, levantai vossa espada para defendê-la ainda. Abatei seus inimigos, desvendai seus planos pérfidos, dai-nos essa paz que a Igreja goza tão raramente e durante a qual Ela se prepara para novos combates, e abençoai as armas cristãs no dia em que tivermos que lutar contra os inimigos exteriores”.

Os senhores vêem que dessa apóstrofe eloqüente a São Sebastião, concebida no estilo um pouco oratório do século XIX,  se depreendem dados biográficos de um grande valor.

Vê-se que São Sebastião era um jovem residente em Milão e que em Milão a perseguição, desencadeada por Diocleciano contra os católicos, era bem menos intensa do que em Roma. E ele, que residia em Milão, resolve então passar para Roma. Com que intuito? É que ele sabia que nas prisões romanas aguardavam julgamento, ou coisa muito mais ainda [certa], aguardavam a execução, a pena capital, numerosos católicos que estavam ali com medo do martírio e que, naturalmente, tinham todos os desfalecimentos que o medo do martírio pode causar.

Os senhores devem tomar em consideração, para ponderar bem isso, que nós costumamos falar dos católicos que enfrentaram o martírio, houve-os, para honra da Igreja, em muito grande número. Mas houve também grande número dos que se chamavam os lapsos, aqueles que não ousavam enfrentar o martírio, aqueles que tinham medo e que, por causa disso, renegavam a fé, e que depois vinham miseráveis, conspurcados pelo pecado, cheios de vergonha, voltar à catacumba para pedir perdão.

E havia gente que passava duas ou três vezes pela arena, todas as vezes renegando a fé cristã, e havia muitos que não voltavam à catacumba depois de ter abandonado a fé cristã. Eles abandonavam a fé e voltavam pura e simplesmente à sua antiga idolatria. De maneira que havia um risco moral muito grave para esses católicos presos nas catacumbas, presos nos cárceres especiais.

Haveria para eles um risco moral muito grave de apostasia. Então houve numerosos casos de católicos que entrando no exército imperial, e protegidos pela sua farda, iam visitar os cárceres, e entravam em confabulação com os católicos para os animar, para os alentar, para falar com eles a respeito de coisas da fé e para lhes incutir alguma confiança. E foi o que São Sebastião foi fazer.

Ele era do exército romano e, imitando o exemplo dos outros, foi para o fulcro de perseguição, para o ponto em que a perseguição era mais intensa,  com o intuito especial de ajudar os outros. Ele sabia, naturalmente, que se expunha à perseguição.

Acontece, entretanto, que ele era bem visto por um dos imperadores, e tão bem visto que foi nomeado chefe da coorte imperial. Essa coorte imperial era uma tropa que mais de perto defendia o imperador e escoltava o imperador. Mas as funções de chefe dessa tropa não eram apenas de capitanear essa tropa, mas de dirigir os exércitos de todo o império romano. Ele se tornou, então, uma espécie de ministro da guerra.

Mas ele entrou em conflito com o próprio imperador; interrogado, ele sustentou sua fé e foi pela primeira vez martirizado: levado ao famoso tronco onde foi crivado de flechas. Resistiu. [Socorrido por Irene (Santa Irene), apresentou-se novamente diante de Diocleciano, que ordenou então que fosse espancado até a morte.]

Aí está então a glória de São Sebastião. É a grande glória do guerreiro, é a grande glória do herói, que saiu do posto mais tranqüilo, para o posto menos tranqüilo; que saiu de risco menor para o risco maior, movido apenas pelo amor às almas; e que para fazer com que muitas almas fossem para o céu, expôs-se ele mesmo ao martírio contra cujos terrores ele ajudava seus irmãos na fé.

Nós podemos imaginar São Sebastião na força da idade, São Sebastião na glória do uniforme romano, São Sebastião no esplendor do capitaneio da coorte imperial, São Sebastião no poder de cargo de 'Ministro da Guerra'. São Sebastião que se esgueira e vai, - não encontrando resistência da parte das sentinelas das prisões porque ele era quem era - entrando pelos cárceres, pelas enxovias e vai alimentando com a sua coragem os anciãos, as velhas, os jovens de ambos os sexos, as pessoas de todas as condições que ali estavam para serem presas.

São Sebastião sabe que isso, naturalmente, vai acarretar para ele o martírio; e caminha para esse martírio com aquela serenidade, com aquela deliberação, com aquela superior entrega de si mesmo à cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, que faz com que ele não estremeça e que permaneça, durante todos esses riscos, sempre heróico, sempre heróico e sempre senhor de si mesmo durante os dois martírios que sofreu, até entregar com uma tranqüilidade militar diante da morte, - mas de militar miliciano de Nossa Senhora e de Nosso Senhor Jesus Cristo - entregar a sua alma a Deus.

Eu não posso tratar do assunto São Sebastião sem me lembrar - alguns que estão aqui conhecem a imagenzinha de São Sebastião que foi colocada na igreja onde comungamos, junto ao altar de Nossa Senhora. Aquilo não daria nunca um chefe de coorte imperial, não daria nunca um legionário romano, é um bobinho imberbe, fraco, com um arzinho de dodói, com ar de quem vai ser morto sem saber porque, incapaz de qualquer resolução firme de vontade, incapaz de qualquer ato sapiencial de inteligência e que se deixa estraçalhar um pouco por preguiça de sair correndo. É o São Sebastião da iconografia corrente.

Nós devemos reformar em nosso espírito essa imagem para pensar no verdadeiro São Sebastião. Devemos formular no nosso espírito o vulto de um legionário romano clássico, com tudo aquilo de virtudes militares que tornou exatamente o exército romano invencível. E devemos imaginar a fé então habitando uma tal alma e um tal corpo, e inspirando a essa alma e esse corpo lances de heroísmo de que nunca o Império Romano tinha sido capaz no seu exército, entretanto um exército indômito. Aí nós temos a idéia do que foi esse grande santo. [N.R.: para uma análise sobre o estilo iconográfico "heresia branca", recomendamos a nossos visitantes a leitura do artigo Varonilidade pagã e falsa paciência cristã, de autoria do Prof. Plinio, na seção Ambientes, Costumes, Civilizações.]

O que que nós devemos pedir a São Sebastião? Nós devemos pedir a São Sebastião, antes de tudo, que nos dê essa compreensão do perfil moral do verdadeiro herói católico; que ele nos ajude a combater a heresia branca [*] que de tal maneira desfigura a sua imagem aos olhos dos homens modernos; e que ele do alto de Céu obtenha de Nossa Senhora [que], por um ato soberano da vontade dEla, sejam dispersos os responsáveis pela heresia branca, que tanta devastação produz no mundo.

Essas são as orações que nós devemos oferecer na noite de hoje, na vigília da festa de São Sebastião.


NOTAS

[*] Com a expressão "heresia branca", o Prof. Plinio designa uma atitude sentimental que se manifesta sobretudo em certo tipo de piedade adocicada e uma posição doutrinal relativista que procura justificar-se sob o pretexto de uma pretensa "caridade" para com o próximo.


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