Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Santa Brígida e as santas arbitrariedades

da Providência

 

 

 

 

Santo do Dia, 8 de outubro de 1964

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

 

Hoje, é festa de Santa Brígida, viúva, de sangue real da Suécia (1303-1373), e é novena de Nossa Senhora Aparecida.

De Santa Brígida, lembro-me apenas de um episódio de sua vida. De maneira que é somente tal episódio que comentarei. Ela foi casada com um marido de um gênio muito difícil e que provou muito seu temperamento. Ela era uma pessoa muito irritadiça e, naquele contato com o marido, teve que se dominar e acabou, afinal de contas, vencendo este seu gênio muito desagradável, muito duro que tinha. Depois disso, ela se santificou, fez uma peregrinação para a Terra Santa e foi para Roma.

Quando chegou ao final de sua vida - cuja grande luta tinha sido contra seu temperamento impulsivo, seu mau gênio -, aparece uma circunstância que, para ela, foi uma catástrofe. Todo aquele seu mau gênio renasceu, fazendo-lhe parecer que toda sua luta interior parecesse perdida. Com efeito, ela havia conseguido dominar seu temperamento e reduzir aqueles seus ímpetos, vendo tudo aquilo renascer desabotoadamente, teve que retomar toda a batalha interior. Mas ela venceu a luta e, então, morreu em paz.

Não era - comentam os hagiógrafos - que ela tivesse consentido em alguma coisa ao mau gênio, nem se tratava de um fenômeno de decadência espiritual. Mas, Nossa Senhora, que tinha sopitado esse mau gênio por uma graça especial, provou-a com uma última peleja, fazendo algo que tinha características de “non sense”, de uma coisa sem sentido.

Isso porque é mais ou menos sem sentido, uma vida na qual a pessoa faz, faz e faz, até construir uma obra espiritual e, de repente, essa obra parece desabar. Mas deve-se ter confiança na Providência e, na velhice, retomar aquele trabalho, sendo que ela não tinha nenhuma culpa pelo que estava sucedendo. E com uma grande sujeição a Nossa Senhora e uma grande confiança nEla, refazer todo o trabalho para apresentar a sua alma ao Criador nas devidas condições.

Era, portanto, uma espécie de cúmulo de vitória contra o mau gênio. Porque, depois desse completamente vencido, era necessário aceitar a provação que há em que Deus faça uma coisa dessas consigo.

Aqui está um requinte da vida espiritual a respeito do qual nunca será suficiente insistir: a Providência Divina nos pede em muitas ocasiões da vida - seja da vida interior, seja da vida de apostolado, seja da vida privada - que enfrentemos situações que parecem sem sentido. E que caminhemos em direção a muralhas que não têm porta, a mares que não têm fundo, a obstáculos que não têm solução. Mas depois, quando a gente se aprofunda nesse caminho, as muralhas se abrem e se continua a andar... Isto é frequentíssimo na vida! E – repito - na vida espiritual, como na vida de apostolado, como na vida individual.

Nossa Senhora procede assim para com as almas que chama para as maiores finalidades e às quais Ela ama mais especialmente. Essa espécie de “non sense” é – exatamente - uma prova de amor que Ela pede. E pede uma fé cega, depois da qual vem sempre uma grande graça!...

Digo isto para alguém ou alguns que estejam nessas condições. Mas digo também para os que não estão nessas condições. Porque é preciso preparar o espírito para provas dessas quando elas vierem: a pessoa não compreende por que veio a tribulação e então fica protestando durante todo esse período de agruras... Mas, se compreendesse, se não protestasse, tornaria a provação mais breve. E, no fim, entenderia o sentido que tudo aquilo tem.

De maneira que é preciso preparar o espírito para essa ideia e enfrentar todas essas dificuldades porque Nossa Senhora é, assim, bem servida.

Em todo Antigo Testamento e no Novo Testamento também, encontramos homens de Deus especialíssimamente amados por Ele e que são provados por esta forma.

É preciso se compenetrar disso e ir preparando reservas de energia, de disposição, para quando isto acontecer. Creio que uma das piores provas que se terá de atravessar durante a “Bagarre” (os castigos e a realização das promessas de Nossa Senhora feitas em Fátima, n.d.c.) será a impressão de que a gente está diante de coisas que não têm sentido, de que não há mais solução, não há mais caminho para nada... Mas, depois, se vê que há solução, que há caminho, e que tudo - no final - se esclarece! Portanto, é fundamental para a nossa vocação, ter bem em mira esta constante que Nossa Senhora põe dentro de nossa vida.

Desculpem-me fazer uma reminiscência particular - mas, afinal, era tão frisante que se pode dizer. Uma coisa que a vida inteira me causou verdadeiro horror, foi a ideia de briga entre católicos!

A única tentação que eu tive em minha vida de deixar o movimento católico, foi logo no comecinho de minhas atividades, quando um senhor “x” quis abrir, na minúscula Ação Universitária Católica daquele tempo, uma cisãosinha contra mim. Eu fiquei tão tentado a desanimar... Lembro-me ainda dentro de um bonde que transitava pelo Viaduto do Chá para ir para uma reunião desse grupo. Era uma noite de uma garoa feia, um tempo chuvoso e ruim; eu tomando todos os ventos porque era um bonde aberto e lutando contra aquela tentação de deixar tudo. Minha ideia era esta: Eu sou feito para lutar contra os inimigos da Igreja; eu não sou feito para lutar contra os filhos da Igreja!

Tempos depois, li uma vida de Santa Teresa de Jesus e gostei muito! Quando fechei o livro, pensei o seguinte: – Está bom. Isto, graças a Deus, foram lutas para ela. Eu fui chamado para lutar contra a Revolução, contra os comunistas. Mas, eu fui suscitado para lutar contra os inimigos da Igreja.

Ora, precisamente, a minha vida inteira foi uma luta dentro da Igreja...

Quer dizer, se eu tivesse podido prever isso, eu quase desmaiaria... E tive que aceitar uma coisa que, durante muito tempo, me pareceu um perfeito “non sense”. Quantos outros “non senses”, dentro da minha vida, eu poderia apontar! Mas pilhas de “non senses”, de coisas que não têm sentido simplesmente! Mas que a gente vai enfrentando, vai se adaptando, vai se fazendo pequeno, vai obedecendo à vontade de Nossa Senhora que fala pela voz dos acontecimentos, e depois se vai compreendendo que devia ser assim, que foi bom que tivesse sido assim.

De modo que recomendaria muito aos senhores que, meditando isto, e sabendo que os senhores devem, mais ou menos, trilhar as veredas que eu tive que trilhar, se preparassem para isso também.

Isso é uma forma de ato de humildade, é compreendermos que devemos nos colocar diante de Nossa Senhora como escravos chineses, feitos para obedecer sem discutir. E que Ela é que manda, Ela que dispõe, e que, portanto, Ela tem o direito de nos fazer passar pelas evoluções que Ela entender. Para, afinal de contas, chegarmos aos resultados que Ela quiser. Porque obediência é isto, confiança é isto, e amor é isto!

De maneia que peçamos a Santa Brígida para vincar bem esta ideia em nosso espírito. Calma, segurança e certeza de que tudo se resolve, tudo se explica, mesmo nos momentos em que tudo parece insolúvel e inexplicável.  É uma constante de nossa vocação.


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