Plinio Corrêa de Oliveira

 

São Simeão Estilita:

as grandes vantagens da benéfica solidão

 

 

 

 

 

 

 

 

Santo do Dia, 4 de janeiro de 1966

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

 

São Simeão Estilita (521-592)

Amanhã é festa de São Simeão Estilita (atualmente, é no dia 24 de novembro, n.d.c.). Estilita vem da palavra grega que significa coluna. Foi em cima de uma coluna que São Simeão passou a maior parte de sua extraordinária vida.

Nascido em Antioquia, guardava os rebanhos de seus pais, quando tendo apenas 13 anos, ouviu recitar este versículo do Evangelho: “Ai de vós que rides agora porque gemereis e chorareis”. Consultado sobre o sentido desta palavra, um ancião explicou-lhe que a felicidade eterna só se obtém com sofrimento, e que é na solidão que com mais segurança se consegue. Impressionado por estas palavras, o jovem se juntou a outros eremitas da vizinhança, vivendo mais tarde num mosteiro.

Importunado entretanto pelos visitantes indiscretos, Simeão resolveu fugir-lhes, vivendo daí em diante no alto de uma coluna. Lá permanecia de pé, sem qualquer abrigo, exposto às intempéries e observado em oração contínua. Morreu em 592 com 71 anos de idade, quando se inclinava para começar suas orações.

*    *    *

Aqui é um dos fatos maravilhosos que aconteceram nos primeiros séculos da vida da Igreja e que constituem assim uma espécie de última manifestação da pujança da graça diretamente comunicada pela presença de Nosso Senhor Jesus Cristo ao mundo.

Em todas estas graças desses períodos, nota-se ainda algo do incomparável valor da presença real, visível e invisível de Nosso Senhor Jesus Cristo na terra. Como os senhores estão vendo bem, trata-se de uma vocação especialíssima, sob todo ponto de vista. Porque uma pessoa procurar fugir do mundo subindo ao alto de uma coluna é realmente fazer o papel de estátua para um orgulhoso, nada de mais perigoso... Ainda mais para um que fica em pé a vida inteira! Nem é acocorado, nem sentado prosaicamente, nem bocejando, nem dormindo no alto da coluna.

Podem imaginar como isso aí é uma coisa singular, uma coisa extraordinária. Além do mais, tem o seguinte: percebe-se por esta narração que ele subiu ao alto da coluna para evitá-los. E por causa disso, saiu do lugar onde estava e foi para o alto de uma coluna e naturalmente muito alta para os visitantes não chegarem em baixo e não podia fazerem confidências. Assim, poderia defender-se de muitas consultas e questões complicadas.

É uma via extraordinária da graça e era um homem chamado por Deus para Sua contemplação contínua e ostensiva a mais não poder! E era uma via de oração especial em que em nenhum momento praticamente deixava de rezar, fixando a atenção desses povos para a importância da oração, a importância da vida sobrenatural e convidá-los para o isolamento e para o abandono das coisas da terra.

A esse respeito, eu gostaria de dizer uma palavra sobre o isolamento.

Os antigos falavam muito de isolamento. São Bernardo tem aquela famosa palavra “o beata solitudo, o sola beatitudo – ó bem-aventurada solidão, tu só que és uma bem-aventurança”. Só se é verdadeiramente feliz quando se está isolado. E realmente poderíamos dizer que um índice para medir o valor de uma Civilização é o gosto pelo isolamento. Numa civilização aonde as pessoas  levam partes da vida isoladas, e por outro lado há muitas pessoas que levam a vida inteira isoladas voluntariamente, essa Civilização tem certos valores.

O homem contemporâneo detesta o isolamento. Ele quebra o isolamento pelo rádio, pela televisão, por tudo o que se sabe. A casa dele não é propriamente feita para se ficar, é uma pura moradia. Ele lá dorme, come, bebe e sai correndo. Mas a ideia de estar sozinho e de deixar então as vozes da solidão subirem e de se isolar dos outros, inevitavelmente só ocorre a Civilizações que tem algum valor.

Os senhores tomem, por exemplo, a China antiga e o Japão antigo: não eram nem um pouco altas civilizações, mas tinham muito de alto. Pois bem um almirante japonês católico, que se dava comigo, contou-me numa ocasião que quando apareceram os primeiros trapistas na China e no Japão, o gênero de vida dos trapistas entusiasmou tanto aquela gente, que havia pessoas que procuravam meter-se na Trapa sem serem católicos, pelo gosto de levarem vida de trapistas. (...)

Os senhores compreendem a enorme inversão de valores, a enorme diversidade das mentalidades. Por que? Porque é uma coisa fatal: a pessoa passando um tempo no isolamento, depois de um primeiro período em que a pessoa quase que ainda se lembra da época em que não estava isolada, começa de fato a estar só. E aí são as vozes do abandono, as vozes do silêncio, as vozes da tristeza, a nostalgia das companhias e uma porção de outras recordações que começam a subir e a pessoa é obrigada a mais seriedade. A razão pela qual tanta gente tem horror ao isolamento é porque este é sério.

O homem sozinho tem de ser sério, ainda que depois se entregue a devaneios e maluquices, mas não são os da superficialidade, da tolice e da falta de seriedade do que teria o mesmo homem se estivesse vivendo na companhia de todo mundo.

Ainda há uma forma de isolamento que ainda é mais importante e que não é a do indivíduo que fica doente, por exemplo, do qual ao cabo de algum tempo todo mundo vai se afastando, se despedindo e que fica completamente só.

Existem as fórmulas de isolamento do mundo também. Gente que por disposição de Deus acaba sendo colocada em certa posição que não se liga com ninguém, a quem os outros também não procuram e que ficam isolados no meio dos outros. Às vezes, por uma forma de provação, pode até dar-se a eventualidade de um isolamento junto a outras pessoas que são realmente católicas, contra-revolucionárias. Mas ela não se encaixa com essas boas pessoas, não faz amigos, não é bem interpretada, não é bem conhecida. Quando isto acontece, tende-se a se desesperar, “arrancam-se os cabelos” e não se compreende o dom de Deus que vem com isso, o convite de desapego que entra nisso, o convite para ser mais de Nosso Senhor percebendo que não encontra encaixe entre os homens, e o privilégio que há precisamente em que a pessoa assim seja chamada para uma maior união com Deus Nosso Senhor, uma maior união com Nossa Senhora. Essas almas assim são as que Nossa Senhora bate à porta e chama pela voz da adversidade, pela voz de uma espécie de desapego obrigatório.

Tanto mais que se dá isso que tenho observado em minha vida: quem cai nesses estados de isolamento, em geral, são pessoas que se não fossem isoladas, seriam excessivamente apegadas. De maneira que a Providência lhes tira do caminho - com dor para elas - aquilo que entretanto lhes é uma verdadeira condição de desapego, de salvação.

Então, para estes vários graus de isolamento a pessoa compreender isto, pedir a Nossa Senhora que faça frutificar este isolamento, que faça compreender esta espécie de solidão de alma em que está e como realiza bem “o beata solitudo, o sola beatitudo”. E também compreender como há nessa situação uma possibilidade não só de perder apegos, como de ficar mais humilde, de ficar mais dúctil, de ficar mais amável, de tomar mais distância das coisas, de adquirir um espírito mais nobre, mais elevado. Tudo isso são coisas que exatamente nesse isolamento se dão. E a pessoa deve tomar a cruz do isolamento e carregá-la sobre as costas, mas com amor, compreendendo que nisto há um verdadeiro privilégio de Nossa Senhora.

Os autores espirituais por vezes tratam – e com quanta razão! - na graça que há na pessoa perder o dinheiro ou a saúde. Pode ser uma graça muito preciosa, pode ser que a pessoa se desapegue muito com isso.

Ouvi falar outro dia de uma senhora que se queixava que não conseguia fazer amizades, pois todo mundo que ela procura, a evita, suas amigas embirram e brigam com ela... que acaba ficando sozinha. Enfim, é uma vida dura para essa senhora que mora fora do Brasil. Eu estava pensando com meus botões: se ela compreendesse o que isto significa, se ela entendesse a predileção que há de Nosso Senhor nisso, seria uma coisa extraordinária!

Conheço o caso de um jovem que saiu de um dos bons grupos de católicos verdadeiros  existentes por este mundo afora. Ele merecia ter saído pois era um prepotente, orgulhoso, de um trato insuportável. Ele me contou que vivendo fora daquele bom ambiente, certa ocasião entrou num ônibus e encontrou com um que era do grupo ao qual tinha pertencido. E esta outra pessoa se levantou do banco, tratou-o muito amavelmente e foram durante um pequeno trecho de ônibus juntos, porque este outro tinha que descer pouco adiante.

Disse-me que quando aquele saiu, sentiu como se tivesse sido visitado por uma brisa perfumada: “Ó, mas que coisa boa! Veja como ele me tratou bem, que amável foi para comigo etc., etc.” E eu lhe comentei: “Meu caro, como você teria destratado aquele homem outrora, porque você estava nadando de amigos... Agora que está isolado, você faz assim. É bom que você tome na cabeça para se adelgaçar, para ficar mais flexível e para você ficar mais humilde e tomar mais o senso das realidades absolutas”.

Esta é uma consideração que deixo feita aqui para os senhores. E gostaria de acrescentar também o seguinte: toda alma que é verdadeiramente ou que pelo menos tenha intenção de ser verdadeiramente de Nossa Senhora, no fundo é uma alma isolada. Porque por mais que a gente se aproxime dela, percebe-se que entre o contato da vida externa e ela há uma camada de solidão. E que esta camada é intransponível, é uma espécie de santuário interior no qual aquela alma habita.

Exatamente o ter este isolamento foi a grande missão de São Simeão Estilita, para o qual devemos voltar nossos olhos e compreender bem isto. 

 

Restos da coluna sobre a qual viveu São Simeão Estilita, na Síria

 Termino com uma consideração a respeito da Rússia. Em um artigo a respeito da Rússia soviética, li isto que reputo o horror dos horrores. Independente da questão de crise habitacional que os obriga construir moradias muito pequenas, os comunistas tem por política dar para todo mundo como habitação o necessário apenas para dormir e que até as refeições sejam tomadas nos lugares coletivos e que estes sejam muito grandes para evitar o mais possível que as pessoas estejam sós. Porque o próprio do regime comunista é fazer com que todo mundo esteja com todo mundo o dia inteiro. Isto é propriamente o regime comunista. É o contrário da doutrina católica, da moral católica, da Civilização Cristã, que faz as pessoas apetecerem o isolamento.

Estas palavras são um pouco vagas, eu bem sei. Mas considerem bem o seguinte: sem retiro, sem recolhimento, sem períodos de grande reflexão, nunca se fez nada de grande na Igreja. E por isso exatamente é que uma das coisas de que eu mais gostaria era de que nós tivéssemos uma casa de retiro, uma casa de isolamento para nós (...) no sentido de aproximarmos de Deus e por aí, enfim, começarmos nosso programa interior. Duplo isolamento: material, mas isolamento espiritual junto com outros. E na aceitação da incompreensão e da cruz do isolamento e até da cruz do mau trato quando se está no meio de filhos das trevas e muitas vezes também porque são provações misteriosas que a Providência pode permitir até no meio de bons e autênticos amigos católicos e contra-revolucionários.

Estas seriam as considerações na festa de São Simeão Estilita.


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