Plinio Corrêa de Oliveira

 

São Francisco de Borja:

o cordeiro que se fez forte com a fortaleza do Leão de Judá

 

 

 

 

 

 

Reunião de 14 de junho de 1968

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

Fiz, numa dessas sextas-feiras, uma palestra a respeito da sede de almas, mostrando no que consiste, qual seu fundamento etc. E a meu pedido naquela ocasião,  foram projetados slides de algumas figuras de santos, porém não imagens de fantasia, mas figuras autênticas (fotografias, máscaras mortuárias por exemplo) obtidas daquele livro alemão Das wahre Gesicht der Heiligen (A verdadeira fisionomia dos santos).

Lembro-me que foi um dos primeiros que mandamos vir da Europa, nos primórdios daqueles tempos de junção dos Grupos da Martim Francisco com os da Vieira de Carvalho, para a seção “Ambientes, Costumes e Civilizações” e até hoje nos tem servido.

Então vamos fazer aqui alguns comentários, que naturalmente serão de duplo sentido, conforme a fisionomia do santo: ou mostrando o que no santo nos deve dar a sede de almas ou indicando a sede de almas do santo. Mas de um ou de outro modo, ilustrando essa doutrina da sede de almas, que é tão importante para o apostolado. 

*    *    *

Olha o bico do nariz! Os Srs. estão vendo que bico! Que santo é este?

(São Francisco de Borja)

Não sei se os Srs. notam, logo de início, o fidalgo: traços discretos, nada irrompe muito, tudo é muito harmonioso. Há uma linha coerente que vai daqui até aqui. Tudo é proporcionado: a fronte com o nariz, o nariz, o qual é um pouco grande, os arcos dos olhos também muito mais moderados, sem ter algo de vulcânico.

A primeira impressão que se tem, portanto, é do aristocrata que tem consigo esta marca que muitas vezes a formação aristocrática traz: uma espécie de temperança, de discreção, de moderação, que à primeira vista pode até parecer falta de personalidade, mas que não é; trata-se do aristocrata habituado a dominar suas paixões para apresentar uma fisionomia uniforme e que se usa numa corte. 

A segunda impressão é de paz. Não é a paz de qualquer fisionomia de um morto. Toda fisionomia dos mortos está em paz porque há uma distensão completa dos músculos. Mas esta é uma paz especial. Há qualquer coisa nesta fisionomia que dá a impressão de que estes olhos e esta boca sorriem. É algo de muito ligeiro, muito tênue e de um sorriso que não sei o que é e que tem algo de verdadeiramente sobrenatural. É como quem estivesse divisando ao longe, muuuito looonge, uma suavidade contemplada com tanto mais enlevo quanto ela está longe e o espírito então pode voar até ela por várias regiões serenas e espaçosas até atingi-la. Isto ao menos me parece ver tanto na cavidade dos olhos como também nos lábios que não têm aquela grossura férrea, mas com algo de pronto para esboçar um sorriso, qualquer coisa de ameno.

Entretanto, quando a gente presta mais atenção – por exemplo na regularidade perfeita dessas sobrancelhas – nota-se qualquer coisa de lógico. Esta moderação toda e este domínio todo sobre si mesmo é na base da lógica; é um domínio feito por lógica, segundo a lógica, a serviço da lógica; é propriamente o domínio da fé sobre a inteligência, da inteligência sobre a vontade e da vontade sobre a sensibilidade.

Quando a gente presta mais atenção e a fixa sobretudo nas orelhas –  ligeiramente de abano, que muito frequentemente querem dizer obstinação, persistência – nota-se o seguinte: por detrás disto aparece a figura de uma pessoa que lutou para obter a virtude da fortaleza, porque não era propriamente forte de natureza, mas que conquistou isto a duras penas. E a tendo conquistado, morreu na paz da lógica, na paz de consciência, na paz da vontade que fez aquilo que devia fazer, tudo a serviço da fé.

Onde está o reflexo da fé nessa fisionomia? Está sobretudo nesta doçura imponderável que dá uma nota de sobrenatural. Eu não quero dizer que fé seja sempre igual à doçura e que doçura seja sempre igual à fé. Mas neste caso concreto há uma doçura sobrenatural que se nota e que constitui o marco distintivo da sobrenaturalidade nessa fisionomia.

Prestando mais atenção, percebe-se que ele foi um homem que, no fundo, deve ter tido tendência à timidez, à pusilanimidade, a ser meio comodista e meio molengo. O temperamento dele – por sua natureza – não é de grande riqueza, como o de um São Pio V, por exemplo. Ele facilmente podia dar para a “poquice” (neologismo utilizado pelo Prof. Plinio e proveniente da palavra italiana "pocchezza", que significa pequenez de espírito, carente de grandes qualidades, de valor, e ao qual corresponde o adjetivo "poca", n.d.c.). E São Francisco de Borja conseguiu realizar esta tarefa dificílima: com o auxílio da graça, soerguer-se do pantanal da “poquice” e dar um homem forte na acepção própria da palavra.

O que agrada nessa fisionomia? Exatamente este ponto: a harmonia entre duas antíteses que não são propriamente contradições: de um lado, a delicadeza do temperamento, a delicadeza da compleição da pessoa e, de outro lado, a força. A força pede sempre para ser complementada por algo, mas sem ela nada é nada.

Nesta fisionomia nós temos não a força da águia, mas temos o cordeiro que se fez forte com a fortaleza do Leão de Judá, pela lógica, pela obstinação, pela aplicação da inteligência e da vontade, mas que conservou aquela delicadeza, aquela leveza de personalidade que constitui aí algo de especialmente atraente.

É claro que no Céu São Francisco de Borja dá a Deus uma glória especial que não é a mesma de um outro santo. Nosso Senhor Jesus Cristo, no alto da Cruz, quando disse: “Tenho sede”, teve sede desta alma também. E as graças que Ele conquistou para este santo, foram as que teve a intenção de comprar com Seu sangue infinitamente precioso e atendendo aos rogos onipotentes de Nossa Senhora.  Ele quis que este homem fosse assim; este homem quis ser como Deus quis que fosse. E no ósculo destas duas vontades – a onipotente de Deus e a vontade débil de um pecador – houve a penetração da força divina na alma deste santo. Aqui temos São Francisco de Borja.

Deus no Céu Se “enleva” em ver essa alma e assim Ele tem uma alegria extrínseca. Com efeito, Deus tem em Si mesmo uma alegria infinita, inesgotável, perfeitíssima, que Lhe vem de Sua própria Pessoa e que não precisa de nada de extrínseco. Se São Francisco de Borja alegra a Deus no Céu; se o que no Céu alegra a Deus é ver as almas; se Nosso Senhor Jesus Cristo foi a sede de almas nessa terra, posso eu pretender ter uma alma católica se não tiver sede de almas também? Ver isto, para mim, não é muito mais do que ver Versailles? Do que ver até a Sainte Chapelle? É evidente!

Enquanto eu não tiver o enlevo por uma alma porque ela é assim, enquanto não tiver a sede de que esta alma seja assim, para que a obra de Deus se realize e em realizando-se dê a glória ao Criador, enquanto eu não tiver sede disto, eu não tenho uma alma católica! Se eu souber ter sede disto, então terei sede das almas que me rodeiam; eu compreenderei que obras primas da Providência elas podem ser e eu terei sede delas.

(Aparte inaudível)

Se São Francisco de Borja não tivesse tido a força de alma que a gente nota em sua máscara mortuária... Esse nariz, por exemplo, de forma indecisa: ele parece que vai subir, não sobe muito, achata de novo, depois abre e fecha e abre novamente. De si, ele daria uma nariganga escorrida e perpetuamente endefluxadas... Isto também não quer dizer que o perpétuo defluxo seja falta de virtude, mas compreendem o que isto quer dizer simbolicamente, como sendo próprio de um moleirão.

Creio que este aspecto nem chamou a atenção dos Srs., porque a expressão fisionômica está para os traços da cara como a vida está para o corpo. Quando a pessoa morre, nada na forma do corpo muda, mas se percebe que faleceu. Quando se passa do estado de graça para o de pecado mortal, por exemplo, muda isto sem que propriamente o feitio dos traços mude. Não sei se eu me exprimi bem. Algum dos Srs. quereria me perguntar algo ou não?

(Aparte: Não obstante, certos traços físicos são mais adequados do que outros para exprimir a virtude, não?)

  Certos traços exprimem adequadamente o temperamento do indivíduo. Há uma relação entre o temperamento da pessoa e a constituição do resto. Isto tem fundamento no seguinte: São Tomás de Aquino afirma que Deus cria todas as almas dos homens iguais e que é pela ligação ao corpo que elas recebem o seu elemento diferencial. A tal ponto que vem a pergunta: o que distingue então as almas que estão esperando a ressurreição? Ele explica que entra uma interferência especial da Providência para manter essa diferenciação, porque do contrário não se manteria.

Quando a pessoa, pela virtude, muda como por uma espécie de segunda natureza o seu estado temperamental habitual. E isto, de algum modo, modifica a interpretação dos traços do rosto.

Esta é a parte teórica da análise que estou fazendo aqui e que é muito importante. Sua pergunta me conduziu a dar um esclarecimento muito importante. Porque do contrário se chegaria a uma espécie de determinismo: nasceu com certa cara, está bom; nasceu com outra cara, está ruim. Seria uma espécie de frenologia, mas não tirada das bossas do crânio, mas da configuração do rosto.

(Aparte: É a relação da natureza e da graça, não é?)

É isso.


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