Plinio Corrêa de Oliveira

Natividade

"Santo do Dia", 23 de dezembro de 1968

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

Altíssima e sublime união de Nosso Senhor Jesus Cristo com sua Mãe Santíssima

(Presépio da igreja de San Ginés de Madrid - Clique na imagem para ampliá-la)

Na véspera do Natal de 1968, atendendo a um pedido para comentar a ladainha do Imaculado Coração de Maria, Plinio Corrêa de Oliveira formulou as seguintes reflexões que agora postamos.

A Ladainha do Imaculado Coração de Maria é quase toda ela uma transposição ao Imaculado Coração de Maria de coisas que se dizem na Ladainha do Sagrado Coração de Jesus sobre Ele; transposição adequada, porque Nossa Senhora é a perfeita semelhança de Nosso Senhor, e nessas condições, mutatis mutantis, dEla se pode dizer muito daquilo que de Nosso Senhor se diz.

Agora, para mim fica um pouco embaraçoso fazer um comentário, porque as invocações são muitas e eu não posso fazer [outra coisa] senão tomar uma ou duas dessas invocações e analisá-las aqui com os senhores.

Eu tomo esta aqui: Coração de Maria, no qual o Sangue de Jesus, preço de nossa redenção, foi formado.

É uma consideração muito bonita para as nossas comunhões. Em geral, pelas leis comuns da reprodução da espécie, o homem traz consigo algo do sangue de seu pai e algo do sangue de sua mãe. Mas o preciosíssimo sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo foi todo ele exclusivamente formado de Nossa Senhora, como também a carne sacratíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo foi toda formada de Nossa Senhora, porque como se tratou da concepção e do parto de uma virgem, não interveio obra de homem.

E por causa disso se pode dizer o que Santo Agostinho disse muito apropriadamente: Caro Christi, caro Mariae, a carne de Cristo é de algum modo a própria carne de Maria. De maneira que em Nosso Senhor Jesus Cristo não havia senão a carne e o sangue de Maria dados para Ele. Nós compreendemos melhor aí o que é que pode ter sido o período em que Nosso Senhor estava em gestação no corpo de Maria, período em que Ela ia dando todos os elementos vitais para a constituição do corpo do Homem-Deus e em que a união hipostática já existia. Nós não devemos imaginar que a união hipostática [se] deu apenas quando Nosso Senhor nasceu, no momento de Nosso Senhor nascer: a partir do momento em que Ele foi concebido, deu-se a união hipostática e a natureza divina se associou à natureza humana e começou a se desenvolver em Nossa Senhora.

Na noite de Natal, a suprema união da Santíssima Virgem com seu Filho

Adoração dos Pastores, Pietro di Giovanni d’Ambrogio, 1440 – Tempera sobre madeira, Fondazione Musei Senesi, Siena (Italia)

Agora, tudo indica - pela lei das reciprocidades e pela lei das analogias - que à medida que Nossa Senhora ia dando seu corpo a Nosso Senhor, por uma reversão, Nosso Senhor ia dando, por assim dizer, Seu espírito a Ela. E que Ela [foi] crescendo numa união com Ele fabulosamente, de um modo insondável, de um modo que nós nem podemos imaginar como é, mas é positivo que Nossa Senhora era capaz de progresso na virtude e que Ela não cessou de progredir até o último momento de sua vida e que, portanto, durante todo esse tempo da gestação Ela teve progressos abismáticos, progressos insondáveis, maravilhosos, que eram como que uma espécie de símile da gestação que se dava nEla. À medida que Ela dava a carne e o sangue para formar a humanidade santíssima do Filho de Deus, nessa medida também Deus se dava à alma dEla. E por assim dizer, - naturalmente entre aspas - divinizando a alma dEla. De maneira que quando a obra puríssima das entranhas dEla estava pronta para nascer na noite de Natal, a união dEla com Ele tinha atingido um ápice insondável. E Ela estava pronta para ser, em todos os sentidos da palavra, a Mãe do Redentor.

De maneira que se pode dizer, de um certo modo, que Ela como mãe gerava o Filho, mas de outro modo se pode dizer que Ele como Filho preparava nEla a mãe perfeita e que, por assim dizer, por um paradoxo, o Filho gerava a mãe, se quiser, mas que a alma que Ela precisava ter para ser a Mãe Santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo, esta alma chegou a toda sua perfeição para o papel de Mãe de Deus, exatamente no momento em que Ela teve o Filho de Deus.

Os senhores compreendem, portanto, que provavelmente, o momento em que se deu o nascimento virginal de Nosso Senhor Jesus Cristo, na noite de Natal, foi o momento em que houve um êxtase enorme, em que Nossa Senhora foi elevada a uma intimidade superlativa com a Santíssima Trindade. E foi, naturalmente, nesse momento, que virginalmente ela deu à luz o Verbo.

Nós não devemos imaginar Nossa Senhora como às vezes umas iluminuras apresentam - não inadequadamente, porque a pintura não pode representar tudo, - apresentam Nossa Senhora deitada, meio dormindo, com o filho recém-nascido ao lado. Não é incorreto representar isso, mas a realidade espiritual que está por detrás disso não fica na representação e a representação é um êxtase, um arroubo como não houve na vida de nenhum santo e como nem a gente pode conceber que tenha havido, durante o qual a alma dEla chegou a uma espécie de plenitude, à qual se deveriam suceder outras plenitudes, porque Ela baixava de plenitude em plenitude, e aqui sim, num sentido santíssimo da palavra, de requinte em requinte, para a integridade da santidade que Ela recebeu no último instante de sua vida.

Ao nos aproximarmos de Maria, estaremos juntos do Menino Jesus

Adoração dos Reis Magos, Cornelis van Cleve, c. 1580 – Óleo sobre madeira, Royal Museum of Fine Arts, Amberes (Bélgica)

Mas ali, vamos dizer que atingiu uma plenitude, e foi no momento dessa plenitude, também, que das entranhas puríssimas dEla, virginalmente, até durante o próprio parto, nasceu o filho de Deus. De maneira que se houvesse um super Fra Angélico, ele deveria saber pintar o quadro de maneira a dar a idéia de um êxtase fabuloso e durante esse êxtase, o nascimento do Filho de Deus. Aliás, coisa impintável, o nascimento propriamente dito, porque não se pode ter idéia de como o nascimento virginal se deu, como o nascimento ocorreu. O que nós sabemos apenas pela fé, é que Nossa Senhora foi virgem antes do parto, durante o parto e depois do parto.

Bom, com essas considerações, nós compreendemos ainda melhor a forma de união entre Nosso Senhor e Nossa Senhora: é uma forma de união estritamente insondável para a mente humana, não se pode imaginar como era; e nós nos preparamos melhor para, nos aproximando de Nossa Senhora, nos aproximarmos do Menino Jesus; nós compreendemos ainda melhor o papel de Nossa Senhora como Medianeira, o papel dEla como intercessora; nós percebemos melhor como nos aproximando dEla nós nos aproximamos de alguém de quem Deus está sumamente próximo, tão próximo quanto Deus possa estar de uma criatura; e por isso nós nos preparamos para fazer uma meditação, junto ao presépio, segundo espírito de São Luís Grignion de Montfort.

Quer dizer, não é considerar apenas a presença da imagem de Nossa Senhora ao lado do presépio como uma nota histórica, mas ver além da nota histórica a nota sobrenatural e mística que há nisso: Ela é a Porta do Céu, Ela é a Arca da Aliança. E assim, como aquele Menino veio a nós por meio dEla, nós podemos chegar àquele Menino só por meio dEla também. E os nosso olhos no presépio devem fixar-se sobre Ela, sobre Ele através dEla, com os olhos da mente, como quem em Maria considera Jesus. Compreender que ali está Jesus, que é a fonte, e está Nossa Senhora, que é o canal.

São José recebeu graças extraordinárias na noite de Natal

São José no pesebre - Presépio do retábulo da Catedral de Sevilha (detalhe)

E está ali perto São José. Qual é o papel de São José? Por mais poderosa que seja a intercessão de Nossa Senhora, quis a Providência que nós tivéssemos intercessores secundários e entre esses intercessores secundários, São José. São José, como os senhores sabem, passou por uma provação tremenda com a sua perplexidade. Não seria a única provação de sua vida. Nós conhecemos duas. Ele deve ter tido muitas outras. A provação que ele teve com a perda do Menino Jesus no templo também foi uma provação terrível.

Bem, assim como ia havendo uma preparação de Nossa Senhora para Ela ser verdadeiramente a Mãe de Deus, devia ir havendo também uma preparação de São José para ele tomar inteiramente a situação de pai adotivo do Menino Jesus. De pai adotivo que era muito mais do que um pai adotivo, no sentido comum da palavra, porque no sentido comum da palavra há qualquer coisa de contratual. O pai adota um filho, o filho, se está em idade de razão, concorda com a adoção. Se não é o filho são, pelo menos, os pais do filho, que o entregam a outro pai. Mas há qualquer coisa de contratual. Não há mais do que isso. Não há um vínculo de caráter natural.

Ora, se bem que São José não tenha sido o pai natural do Menino Jesus, ele, como esposo de Nossa Senhora, tinha direito verdadeiro ao fruto das entranhas dEla. Não era uma paternidade convencional, não era uma paternidade estipulada, mas era uma paternidade que, de algum modo, resultava da ordem natural das coisas. Não porque ele fosse pai natural do Menino, mas porque ele tinha um direito efetivo sobre o fruto do ventre sacratíssimo de Sua esposa. Esse era seu direito de esposo. De maneira que é claro que a alma dele também foi sendo preparada para isso. E nós devemos admitir que, durante a noite de Natal, também São José recebeu graças extraordinárias.

Os senhores podem compreender isso pensando nos pastores. Quem é que não admite que os pastores chamados para a primeira adoração receberam graças extraordinárias? Ora, se os simples pastores que estavam ali por perto receberam essas graças, como não admitir que a fortiori São José as recebeu muito maiores, pela sua união com Nossa Senhora, pela sua relação com o Menino Jesus? Então, nós devemos ver nele um intercessor secundário junto a Nossa Senhora, mas grandíssimo entre os intercessores secundários. Ele é secundário com relação a Nossa Senhora, não em relação aos outros intercessores, em relação aos quais ele ocupa um lugar eminente e talvez o maior dos lugares. Talvez ele tenha sido maior do que São João Batista, do que São João Evangelista, do que todos os outros santos.

Somos filhos adotivos da Sagrada Família: de Jesus, Maria e José

Detalhe da estátua de alabastro da Santíssima Virgem com o Menino Jesus - retabulo da capela de Nossa Senhora de Todos os Santos, Margaret Street, Londres – Foto: P. Fray Lawrence Lew

É com esse espírito que nós nos devemos aproximar da noite de Natal e devemos nos preparar para as graças dessa noite. Seria desfigurar a tradição e sair do reto caminho, se nós fizéssemos, sobre a noite de Natal, considerações que não fossem dentro da linha das graças que o Natal confere. O Natal confere graças de apaziguamento, o Natal confere graças de distensão. Quando a noite de Natal se anuncia, todos os homens sentiam até aqui - e eu tenho impressão de que isso é uma sensação que se torna cada vez mais tênue - como que uma paz que baixava sobre a terra e sentiam como uma aliança do céu com a terra que se renovava. De maneira tal que todo mundo caminhava com placidez, com alegria, com normalidade junto ao santo Natal, ao presépio. E havia uma espécie de desmobilização dos espíritos, um aumento recíproco e cristão do afeto entre todos os homens.

É claro que nós não podemos ter isso com os filhos das trevas. Mas é bem certo que nós devemos ter isso entre nós. A noite de Natal deve fazer com que nós nos sintamos mais do que nunca filhos de Jesus, filhos de Maria, filhos de São José, filhos adotivos da Sagrada Família, portanto, irmãos uns dos outros. E portanto desejosos de, nessa noite, termos um acréscimo do afeto recíproco, termos um acréscimo desses vínculos que patentemente a Providência quer instituir entre nós, e que são vínculos que nos levam ao perdão recíproco, nos levam à generosidade, nos levam ao esquecimento das faltas, nos levam a renovar toda a nossa boa vontade para com os outros, talvez um pouco cansada pelos desgastes dos dias, dos anos e dos trabalhos.

Que Nossa Senhora a todos nós conceda isso, que Ela também me conceda uma renovação da boa vontade dos senhores. Que com isso a noite de Natal nos vincule profundamente entre nós para ficarmos também mais unidos e ligados a Ela. Este é o voto que eu faço em seguida a essa meditação sobre o Coração de Maria, enquanto gerando toda a carne e todo o sangue infinitamente preciosos de Nosso Redentor. Com isso o Santo do Dia está concluído.


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