Plinio Corrêa de Oliveira

 

São Tomás de Vilanova:

seu dom de vergar os corações e narrador dos próprios êxtases

 

 

 

 

Santo do Dia, 22 de setembro de 1969

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

No início do século XVI, a Alemanha e a Espanha apresentavam um curioso contraste: uma Igreja dividida, escandalizada e pervertida por um monge agostiniano apóstata: Lutero. Outra fora santificada, também por um monge agostiniano: São Tomás de Vilanova.

“Nascido em 1488, na cidade de Toledo, Tomás era filho de velha nobreza empobrecida. Seus pais eram excepcionalmente virtuosos e incutiram no filho um extraordinário amor aos pobres. Sua mãe, mulher de raro valor, recebera mesmo o dom dos milagres. O menino foi digno dos exemplos recebidos. Após uma infância virtuosa, formou-se brilhantemente em Alcalá, passando a lecionar filosofia e teologia em Salamanca. Aos 28 anos ingressou entre os eremitas de Santo Agostinho, professando a 25 de Novembro de 1517, no mesmo ano da apostasia de Lutero. Dedicou-se depois ao ensino, à pregação e ao confessionário. Terminou como pregador de Carlos V, que nada negava a Tomás, pois dizia que ele tinha o dom de vergar os corações. Escolhido como bispo de Granada, recusou o cargo, mas anos depois foi obrigado a aceitar o de Valência.

“O imperador escolhera outro religioso, mas o seu secretário ouviu o nome de São Tomás e assim redigiu o diploma da nomeação. Ao saber do acontecido, Carlos V negou-se a retificar o engano, pois o considerou providencial.

“Havia muito que o reino de Valência era vítima de seca e aridez. De súbito, 4 dias antes do Natal de 1544, ano da escolha do novo arcebispo, a chuva começou a cair em abundância, como a anunciar dias de graça e redenção. E de fato, assim foi o governo de São Tomás. Dando ele o exemplo, reformou paulatinamente o clero de sua diocese, voltando-se depois para os demais fiéis. Continuou sua vida mortificada, vendo nos pobres sua maior riqueza. Liberal para com os outros, era tão parcimonioso para consigo mesmo, que chegou a ser acusado de avarento por um alfaiate a quem mandara reformar um velho gibão. Entretanto, a esse mesmo alfaiate doou 150 moedas de prata, como dote para suas três filhas. Sua caridade era frequentemente acompanhada de milagres.

“Seus êxtases também eram tão comuns, que deles se chegou a falar, em seus vários sermões, sobre a Transfiguração. Finalmente, após onze anos de episcopado, São Tomás caiu gravemente enfermo, vindo a falecer a 8 de Setembro de 1555, dia da Natividade de Nossa Senhora, por quem demonstrara a maior devoção durante toda a vida. Já agonizante, doou a um pobre carcereiro a cama em que estava deitado, pois já nada mais possuía. São Tomás deixou grande número de sermões, cujo magnífico estilo lembra São Bernardo, por quem sempre nutria grande admiração”.

Hoje é dia também de Santa Ifigênia, cuja proteção nós aqui imploramos.

Essa não é uma ficha muito fácil de comentar, porque os traços que relata de São Tomás de Vilanova são, de um lado, tão evidentemente admiráveis e, de outro lado, tão característicos de muitos santos, que já estão acima e além de qualquer louvor. Limito-me, portanto, a notar de cá e de lá alguma coisa digna de meditação, por apresentar alguma peculiaridade.

Imperador Carlos V (1500-1558). Pintura de Tiziano Vecellio, 1548, Alte Pinakothek, Munique

Em primeiro lugar, o fato de que Carlos V tenha tido como confessor que dirigiu sua consciência durante muito tempo, um tão grande santo quanto esse. Os senhores veem aí o dedo da Providência dirigindo, antigamente, os grandes homens de Estado. Carlos V, imperador do Sacro Império Romano Alemão, o homem em cujos domínios o sol nunca se deitava - rei da Espanha e, portanto, de todas as colônias que a Espanha possuía no Novo Mundo -, o imperador Carlos V teve o auxílio de um grande santo como conselheiro, para a execução da tarefa providencial que cabia à Casa d´Áustria.

Já foi lido aqui um trecho muito bonito de Maria de Agreda a respeito do papel dos Habsburgos da Casa da Áustria. Toda a predestinação dessa Casa, todos os desígnios providenciais sobre ela, todas as graças que a Providência concedeu à Casa d’Áustria para que realizasse esses desígnios, os senhores compreenderão como é belo ver a Providência amparar por essa forma esse homem, de maneira a ajudá-lo a cumprir um dever realmente pesado.

De outro lado, entretanto, não se pode deixar de notar com tristeza, o resultado que a falta de correspondência dos homens dá para essas graças de Deus.

Carlos V teve um santo como confessor. Entretanto, ele foi o homem cuja moleza, cujo espírito de contemporização, permitiu ao protestantismo de se expandir tanto nas suas próprias terras...! É bem verdade que ele lutava com muitos inimigos, que tinha que considerar, sobretudo, a liga tremenda formada contra si pela Turquia, junto com a França católica, que se tornou responsável, por esse modo - também ela - pelo alastramento do protestantismo. Mas Carlos V teve longos períodos de paz. Ele teria tido muitos meios para se opor, inclusive pela força, ao alastramento do protestantismo. E suas contemporizações famosas causam reflexões tristes da parte de todos os historiadores da Igreja...

Mas, de outro lado, os senhores veem o reverso da medalha. Esse homem terminou com uma vida penitente. Abandonou todos os seus bens, foi se encerrar no mosteiro de Yuste e ali ele passou os últimos anos de sua vida, realmente de um modo digno de edificar a Cristandade. Não teriam sido os conselhos de São Tomás que teriam, afinal de contas, repercutido no seu coração? Ele falava que São Tomás tinha o dom de vergar os corações. Tudo dá a impressão de que ele falava por experiência própria. Não teria São Tomás vergado esse coração de ferro? É uma coisa que se pode considerar.

Os senhores dirão: “mas Dr. Plínio, por que o senhor fala em coração de ferro? Um homem contemporizador é um homem mole, é um homem brando. Não pode ser considerado um coração de ferro...” A minha experiência, que já não é pequena, me ensina o seguinte: não há alma mais dura do que a do mole; não há coisa mais dura do que levar o mole a ser enérgico. É mais duro levar o mole a ser enérgico do que levar um enérgico a ser moderado.

Considero, por exemplo, que um santo que tivesse conseguido de Luís XVI que este último fosse enérgico, teria feito uma proeza sobrenatural - se se pode usar essa expressão - maior do que um que tivesse conseguido de Luís XVI, por exemplo, que não tivesse alguns atos de energia, talvez exagerada, que ele tenha tido no seu reinado. De maneira que se isso São Tomás de Vilanova conseguiu, foi realmente uma prova de que ele vergava os corações de ferro.

Uma outra coisa bonita é notarmos que seus êxtases foram tantos, que ele mesmo chegou a falar deles próprios. Essa naturalidade e essa sinceridade, essa nobreza com que ele contava, do púlpito, as próprias manifestações da vida da graça em sua alma, isso é de um espírito verdadeiramente elevado, capaz de fazer isso sem se envaidecer; capaz de fazer isso sem procurar dar a entender que era por mérito próprio, mas, pelo contrário, atribuindo tudo à graça de Deus.

E é o contrário de um certo modo protestantoso de entender a modéstia, que se generalizou mesmo em certos países católicos, por onde o indivíduo seria imodesto sempre que se elogiasse a si próprio, sempre que ele deixasse transparecer uma qualidade sua, porque suprema modéstia seria esconder suas qualidades. Nem sempre isso é bem pensado. Porque os defeitos aparecem mesmo. Se a gente esconder com muito cuidado as qualidades, a gente pergunta o que a gente vai levar de bom para o convívio com os outros?...

Quer dizer, isso é um cálculo um pouco simplificado. Que é perigoso dizer a alguém “conte suas qualidades”, eu compreendo. Mesmo porque bem pode ser que a pessoa não tenha uma vista inteiramente objetiva de suas próprias qualidades. Mas que se deva dizer que o ocultar as suas próprias qualidades é uma obrigação de discrição e de compostura contínua, até lá eu não chego.

E aqui os senhores veem exatamente uma bonita manifestação da naturalidade com que esse santo mostrava sua alma e as maravilhas que Deus nela tinha feito. Desprendido, sabendo que com isso glorificava a Deus, ele o fazia e fazia até em sermão. Parece que é uma coisa que daria arrepios a muito teólogo calvinista, mas que está perfeitamente bem, como uma via não habitual, em um santo católico.

Exatamente o quadro conjunto dos santos da Igreja tem esse lado lindo, que quase tudo que habitualmente não deve ser feito, mas que a título de exceção esse ou aquele outro santo fez. De maneira que não só a Igreja suscitou as virtudes que estão dentro da regra geral, mas na sua santidade, por assim dizer infatigável, em que Ela continuamente gera santos novos, também produziu santos fazendo mais ou menos tudo quanto a título excepcional seria legítimo. E aqui está um lindo traço de alma de São Tomás de Vilanova.


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