Plinio Corrêa de Oliveira

 

Louis Veuillot e “confissão” em

muro de igreja de Roma
Vencer os próprios defeitos tem o perfume das catacumbas: o heroísmo

 

Santo do Dia, 26 de janeiro de 1970

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

 

Louis Veuillot (1813-1883), escritor francês, eminente figura da corrente ultramontana  (defensora do Papa e seus direitos) em seu país 

Temos aqui um trecho de Louis Veuillot a ser comentado hoje, extraído de seu livro Parfum de Rome (Perfume de Roma – Livre IX, XLI, Confession murale, Ed. Lethielleux, Paris, 1926, pág. 369-370). Ou seja notas de uma viagem que ele realizou na “Cidade Eterna”:

“Num bairro deserto, nos muros de uma igreja, Enrico (é como  Veuillot se refere a si mesmo nesta sua obra, n.d.c.), copiou e traduziu para mim as inscrições seguintes, traçadas a lápis de uma mão firme e exercitada:

“(Dia) 14 de setembro: eu me encontro com má saúde por minha culpa, pela inquietação e desobediência. A partir desse momento, onze horas da manhã, eu decidi, com a ajuda de Deus e de Maria Santíssima, não mais me atormentar e recuperar a verdadeira paz. São José, rogai por nós.

“14 de outubro: até esse momento eu ainda não consegui, ou melhor, não obtive o que escrevi no dia 14 de setembro, mas agora eu decidi a fazer tudo”. 

Nós conhecemos isso, nos primórdios – pelo menos – de nossa vida espiritual: a gente toma uma decisão e se converte de seus defeitos. Depois de um mês, a gente faz um exame de consciência e quase nada do que desejáramos foi realizado... Então toma-se novamente a mesma decisão. 

“15 de Novembro: eu renovo tudo aquilo que prometi, a fim de chegar a executá-lo.

“23 de novembro: falhei, mas prometi a mim mesmo, com toda a alma, de realizar.

“28 de Dezembro: decidi ser bom.

“31 de Dezembro: quero obedecer sempre, para agradar Maria Santíssima até à morte.

“28 de janeiro: não há mais inquietação, por amor a Maria Santíssima; e renovo hoje aquilo que eu tinha deliberado no dia 1° de fevereiro.

“1° de Março: não, as inquietações cessaram.

“29 de Março: não mais me atormenta, não mais pecar verdadeiramente.

“Nas duas últimas datas, a inscrição está rodeada de um desenho que representa duas palmas formando cruz. Devo confessar que essas declarações feitas ingenuamente por uma alma provada e enfim vitoriosa não me tocaram menos do que se as tivesse lido nas catacumbas, das quais elas parecem ter o perfume”.

Catacumba de Santa Priscilla, Roma

É muito bonito o comentário! Os senhores estão vendo aí a vitória da graça. Quer dizer, é uma alma que fez várias vezes boas resoluções, mas caía. Porém, afinal de contas renovava as boas resoluções e caía de novo. Por fim, à força de rezar – porque se nota que era uma alma piedosa, que entendia que sem o auxílio da graça não se consegue nada, mas com o auxílio perseverantemente pedido da graça de Deus a gente consegue tudo – depois de muito tempo, de muitos insucessos, obteve finalmente a vitória na sua vida espiritual.

Era uma alma perseguida por inquietações – não se sabe se eram escrúpulos, mas se tratava de algo em que ela consentia –, agitada, revoltada  e que não obedecia a uma certa autoridade a quem lhe competia acatar. Mas à custa de quedas e de orações, acabou chegando em determinado momento em que pode dizer que se tornara obediente, e sua alma ficara pacificada e tranqüilizada.

E então esta pessoa – com a facilidade de desenhar, o senso do artístico e da representação que caracteriza o italiano – adornou com duas palmas essas duas datas que representavam sua vitória. E depois dessa confissão escrita nos muros de uma igreja, desapareceu.

Ora, esse processo é uma coisa tão comum na vida espiritual... Por que essa alma teria escrito isso ali nos muros de uma igreja? Com certeza porque foi a igreja onde obteve uma determinada graça, onde, à horas furtivas chegava lá e, como que fazendo sua confissão a Deus, escrevia na própria pedra da igreja. Naturalmente, essa alma foi fazendo ali seu diário segundo o  desígnio da Providência. E este consistia em que isso fosse copiado para ter esse comentário de Louis Veuillot. Diz ele: isso era digno de estar escrito numa parede de catacumba, porque tem o perfume das catacumbas romanas.

Por que? Porque isso nos mostra a eternidade da Igreja, que nas condições da vida de hoje é possível perfeitamente repetir toda a glória da Igreja antiga. Uma alma que é fiel, que luta contra seus próprios defeitos, que reza muitas vezes, que tem também infidelidades mas que acaba, à força de pedir a Nossa Senhora para ser socorrida, resgatar-se e escapar do império de seus defeitos, uma alma nessas condições faz uma coisa tão bonita quanto um romano que enfrenta no Coliseu, ou em qualquer outro lugar, os leões e os tormentos!

Realmente, ser sério, querer cumprir o dever, saber se humilhar quando se cai, ter o desejo de se levantar de novo, confiar na misericórdia de Nossa Senhora com toda confiança, isso tem no fundo – para quem sabe o valor das coisas espirituais – um perfume admirável. Qual é? É o perfume do sofrimento humano agüentado com fé. É uma alma que sofreu, se dilacerou para conseguir isso, teve uma dessas fés que movem as montanhas para conseguir isso, mas que de fato, no fim, ela obteve.

E esse sangrar da alma para realizar o cumprimento de seu dever, é um martírio que tem o perfume de todos os martírios. Pode não atestar o heroísmo no mesmo grau, mas não deixa de ter um certo sentido de heroísmo. E basta que tenha isto para ter algo do perfume das catacumbas, que é todo feito do heroísmo dos primitivos católicos que freqüentavam lá.

Qual é a aplicação que podemos fazer disso para a vida espiritual? É compreendermos que quando somos fracos e fazemos uma série de bons propósitos e depois não conseguimos realizar, nem por isso podemos desanimar.

Devemos rezar de novo, e rezar mais uma vez e ainda que tenhamos insucessos, confiar e rezar mais porque – à força de pedir – o Céu se abrirá para nós. Os que rezam pedindo a virtude, por mais débeis que sejam, pertencem essencialmente e por excelência à categoria daqueles a quem Nosso Senhor disse: “Batei e abrir-se-vos-á, pedi e dar-se-vos-á”. Quer dizer, é uma  glorificação da oração como meio do homem obter a força que pelo seu próprio recurso não tem.

Alguém dirá: “Mas minhas orações valem muito pouco”. Eu respondo: então, reze muito. Se, vamos dizer, para comprar uma jóia, eu não tenho uma libra esterlina, é preciso arranjar muitos cruzeiros para comprar a jóia. Se minha oração vale pouco, à força de acumular coisas que valem pouco isso há de fazer muito. E se eu acho que meu Rosário vale pouco, rezo dois Rosários. E se não tenho tempo para rezar dois Rosários, rezo um Rosário e uma Ave-Maria. Mas eu rezo o mais possível. À força de pedir, eu acabarei por obter aquilo que quero.

Eu não posso, a esse respeito, deixar de mencionar aos senhores, aquela parábola de Nosso Senhor, que tenho tantas vezes citado – mas as palavras e os exemplos de Nosso Senhor nunca envelhecem e nunca perdem o seu sabor, quando auxiliada a narração pela graça:

“Se alguém de vocês tivesse um amigo, e fosse procurá-lo à meia-noite, dizendo: ‘Amigo, me empreste três pães, porque um amigo meu chegou de viagem, e não tenho nada para oferecer a ele’. Será que lá de dentro o outro responderia: ‘Não me amole! Já tranquei a porta, meus filhos e eu já nos deitamos; não posso me levantar para lhe dar os pães?’ Eu declaro a vocês: mesmo que o outro não se levante para dar os pães porque é um amigo seu, vai levantar-se ao menos por causa da amolação, e dar tudo aquilo que o amigo necessita. Portanto, eu lhes digo: peçam, e lhes será dado! Procurem, e encontrarão! Batam, e abrirão a porta para vocês! Pois, todo aquele que pede, recebe; quem procura, acha; e a quem bate, a porta será aberta” (Lc 11, 5-11).

Tenhamos a excelsa virtude da caceteação. Saibamos ser cacetes e pedir, e pedir, e pedir mais uma vez... No pedido mil e um obteremos muito mais do que pedimos. Teremos uma paga imensamente grande.

Isso que se dá de um modo ou de outro na vida de todos os homens, se passa também com algum dos senhores que esteja provecto, senão em anos, ao menos em virtudes... Então peça e se lembre do diário que Louis Veuillot viu. A oração acaba vencendo tudo.

Se há, portanto, alguma alma desanimada, desacoroçoada, tentada a dizer "eu não consigo nada e nada adianta nada", a ela eu digo: pegue o Rosário. Não o abandone nunca e reze. Quando não puder rezar, tenha o Rosário na mão unicamente. Vale por uma oração. Quando não puder nem ter o Rosário na mão, tenha em casa uma lamparina acesa o dia inteiro diante de Nossa Senhora. E Lhe diga: “Minha Mãe, eu sou tão dissipado que não sei rezar. Mas quando vós olhardes essa lamparina, lembrai-vos que eu quereria estar rezando. Ao menos esse desejo subconsciente me acompanha a vida inteira”.

De qualquer forma, dirijam-se a Nossa Senhora sempre, em todas as ocasiões. Eu lhes garanto que se Ela demorar é porque está preparando um dom enormemente grande, muito maior do que os senhores poderiam imaginar.


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