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       Plinio Corrêa de Oliveira 
 EM DEFESA DA AÇÃO CATÓLICA 
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       O presente texto é transcrição da edição fac-símile comemorativa dos quarenta anos de lançamento do livro, editada em Março de 1983 pela Artpress Papéis e Artes Gráficas Ltda - Rua Garibali, 404 - São Paulo - SP - Brasil  | 
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      CAPÍTULO IIIAs Associações Auxiliares - O “Apostolado de conquista”
      
       
      
      Resta-nos tratar apenas, nesta parte do 
      livro, da questão das relações da A.C. com as associações auxiliares e do 
      problema do apostolado de conquista. 
      
      O problema
      
      
      Ainda 
      aí a perspectiva que temos diante dos olhos é muito clara. De um lado são 
      inúmeros os textos pontifícios, que nos asseveram que as associações 
      religiosas são “verdadeiras e providenciais auxiliares da A.C.”, como 
      disse Pio XI; e neste sentido tão numerosas foram as afirmações do grande 
      Pontífice que difícil seria citá-las todas. Também o Santo Padre Pio XII, 
      na memorável alocução que pronunciou sobre a A.C., no dia 5 de setembro de 
      1940, teve todo um trecho consagrado à modelar harmonia que deve existir 
      entre a A.C. e as associações auxiliares. 
      
      Na mesma ordem de idéias, poderíamos ainda 
      mencionar os estatutos da A.C.B., que impõem às associações auxiliares a 
      obrigação de colaborar com a A.C., o que constitui para esta e aquelas não 
      só um dever, como também um direito. Finalmente, o Concilio Plenário 
      Brasileiro, em vários decretos, louvou, aconselhou e até impôs a fundação 
      de associações que, em última análise, são auxiliares da A.C.. 
      
      De outro lado, notamos da parte de certas 
      associações uma obstinação inexplicável em não prestar à A.C. a 
      colaboração devida e até em abstrair inteiramente de sua existência. Da 
      parte de certos elementos da A.C., defende-se erro oposto, e nota-se o 
      desejo sistemático de prescindir inteiramente de qualquer colaboração das 
      associações auxiliares, rejeitando-se, desdenhosamente, por mais generosa 
      que seja. Posições extremadas, posições apaixonadas, devem uma e outra ser 
      evitadas, e isto com tanto maior segurança, quanto, se certas dúvidas 
      sobre o assunto ainda existissem, a alocução do Santo Padre Pio XII as 
      teria dissipado inteiramente. 
      
      As associações auxiliares não devem 
      desaparecer
      
      
      Diga-se antes de tudo, não ter qualquer 
      fundamento a versão segundo a qual as associações auxiliares devem ser, de 
      acordo com as intenções mais remotas e recônditas da Santa Sé, finalmente 
      dissolvidas. Segundo tal versão, a Santa Sé estaria matando a fogo lento 
      as associações auxiliares, sepultando-as debaixo de elogios, e dando à 
      A.C. uma primazia, que tenderia a desembaraçá-la, por fim, de suas 
      “verdadeiras e providenciais auxiliares”. Imaginá-lo implicaria em supor 
      que a Santa Sé está procedendo com uma duplicidade sem exemplo, cumulando 
      de elogios falaciosos, em documentos destinados ao conhecimento do mundo 
      inteiro, entidades que, por uma fraqueza afetiva, ou por qualquer outra 
      razão, ela não tem coragem de ferir de frente. 
      
      Assim, erram, e erram certamente, os que em 
      vez de considerar as associações religiosas, como auxiliares, as 
      consideram como trambolhos que devem, mais cedo ou mais tarde, desaparecer 
      inteiramente, e cuja morte deve ser apressada por uma campanha metódica de 
      difamação, de silêncio e desdém. Em sua carta “Com particular 
      complacência”, de 31 de janeiro de 1942, ao Eminentíssimo Sr. Cardeal 
      Arcebispo do Rio de Janeiro, o Santo Padre Pio XII refutou esta opinião 
      com o seguinte tópico referente às beneméritas Congregações Marianas: 
      “Nossos mais vivos desejos são que estas associações de piedade e 
      apostolado cristão cresçam cada dia mais, cada dia mais se robusteçam numa 
      íntima e profunda vida sobrenatural, cooperem cada dia mais com seu 
      tradicional acatamento e humilde submissão às normas e direção da 
      Hierarquia, na dilatação do Reino de Deus, e difundam cada vez mais 
      abundantemente a vida cristã, nos indivíduos, nas famílias e na 
      sociedade”. Como se vê, não se trata aí de um mero “desejo”, mas de “seus 
      mais vivos desejos”. 
      
      Nem tão pouco a Ação Católica
      
      
      Não erram menos os que imaginam que a 
      instituição da A.C. foi uma inovação audaciosa, arrancada temerariamente à 
      ancianidade de Pio XI por alguns conselheiros afoitos. A mais elementar 
      justiça para com a memória do glorioso Pontífice força-nos a reconhecer 
      que a mão vigorosa, que até às portas da morte soube manter firme o timão 
      da Igreja, cortando sobranceira os vagalhões suscitados pelo nazismo e 
      pelo comunismo, não poderia ser forçada pela agilidade de alguma 
      conspiração palaciana; hipótese que, aliás, só se poderia admitir com 
      desdouro para o prestigio da Santa Igreja Católica. A A.C. poderá, é 
      certo, assumir esta ou aquela feição com o correr do tempo, mantendo com 
      as associações auxiliares um teor de relações bastante diverso quiçá, 
      conforme indicarem as circunstâncias. Uma e outras, entretanto, 
      continuarão a existir. 
      
      Uma solução simplista
      
      
      Também não nos parece que estejam com a 
      verdade os espíritos que, levados por um louvável desejo de conciliação, 
      procuram delimitar os campos entre a A.C. e as associações auxiliares, 
      atribuindo àquela o monopólio do apostolado, e a estas a única tarefa da 
      formação interior e cultivo da piedade. São inúmeros os textos pontifícios 
      que facultam expressamente à A.C. o direito, e, mais ainda, lhe impõem o 
      dever de formar os seus membros. Ora, este dever implica no de formar e 
      estimular a piedade, sem o que nenhuma formação pode ser considerada 
      completa. Por outro lado, não é verdade que os estatutos das associações 
      religiosas lhes atribuem, por objetivo, exclusivamente a piedade. Pelo 
      contrário, a grande maioria deles encaminha, incita e algumas chegam até a 
      impor o apostolado a seus membros; e muitas associações mantêm suas 
      próprias obras de apostolado, aliás em geral florescentes. Em sua carta, 
      acima citada, ao Em. Cardeal Leme, o Santo Padre Pio XII tem expressões 
      que tiram à semelhante opinião, não só seu fundamento, mas ainda toda e 
      qualquer espécie de aparência de verdade, pois o Santo Padre afirma 
      taxativamente que deseja ver as Congregações Marianas entregues ao 
      apostolado exterior e social, e não apenas ao campo da piedade e da 
      formação. 
      
      Diz o Santo Padre que apreciou muito o 
      ramalhete espiritual dos congregados, mas que por maior que tivesse sido 
      esse júbilo, “maior ainda foi a sua satisfação ao saber que as valorosas 
      Falanges Marianas são cooperadoras eficazes na propagação do Reino de 
      Jesus Cristo e que exercem fecundo apostolado, por meio de múltiplas obras 
      de zelo”. Assim, pois, as obras de apostolado exterior a que presentemente 
      as Congregações Marianas se entregam não são consideradas pelo Santo Padre 
      um terreno em que elas sejam intrusas, em que se possam quando muito 
      tolerar em falta de melhor: o Vigário de Cristo sobre a terra se rejubila 
      com o fato, e implicitamente afirma que elas têm a isto pleno, amplo e 
      total direito. Comprova-o o período seguinte: “isto vem confirmar-Nos 
      ainda mais uma vez, que estas Falanges Marianas ocupam, segundo suas 
      gloriosas tradições, sob as ordens da Hierarquia, um conspícuo lugar no 
      trabalho e na luta pela Maior Glória de Deus e bem das almas. Em outros 
      termos, fazendo tudo quanto fazem presentemente, estão apenas na situação 
      “conspícua” que a tradição lhes indicou, e essa situação “conspícua” 
      nenhuma alteração sofreu com fatos supervenientes como, por exemplo, a 
      constituição da Ação Católica. 
      
      Houve quem sustentasse que as Congregações 
      Marianas têm uma estrutura jurídica que as torna radical e visceralmente 
      incapazes de apostolado em nossos dias. Supérfluo acentuar até que ponto a 
      Carta Apostólica desautoriza esta gratuita e infundada afirmação. Outros 
      têm pretendido que as Congregações ocupam no Brasil um lugar por demais 
      grande, roubam à A.C. o lugar que lhe é devido. De nenhum modo, se dá tal 
      coisa, já que o Pontífice se rejubila com a magnitude desse papel e 
      acrescenta a expressão de seu grande contentamento pelo fato que elas 
      “ocupam um lugar conspícuo”, segundo está informado, no trabalho e na luta 
      para a Maior Glória de Deus e bem das almas, e que são, como força 
      espiritual, de grande importância para a causa católica no Brasil. Que 
      informação teve o Sumo Pontífice para chegar a tal afirmação? Foram as 
      mais autorizadas e imparciais, e é Ele mesmo que no-lo diz: “com tanto 
      entusiasmo publicamente o tens manifestado em repetidas ocasiões, dileto 
      Filho Nosso bem como também o têm feito outros Veneráveis Irmãos no 
      Episcopado”. Em outros termos, é toda a Hierarquia Católica que o afirma, 
      que o aplaude, que o sanciona. Quem quererá discrepar? 
      
      Mais adiante, o Santo Padre insiste: “uma 
      sólida formação espiritual e uma intensa e fecunda atividade apostólica 
      são elementos ambos essenciais a toda Congregação Mariana”. Como 
      pretender, então, que as próprias Regras das Congregações confinam esses 
      sodalícios no mero terreno da piedade? Mas, dir-se-á, o Santo Padre, 
      apreciando a situação atual gostaria talvez que as Congregações Marianas 
      não aumentassem seu raio de ação. 
      
      Não é verdadeira essa conjetura, e menos 
      verdade ainda é que o Santo Padre deseja que as Congregações morram a fogo 
      lento. 
      
      Os verdadeiros termos do problema
      
      
      Assim, a realidade é que tanto a A.C. quanto 
      as associações religiosas devem cogitar de formação e apostolado, e o 
      regime de suas relações neste terreno não pode abstrair desta realidade, 
      sob pena de se basear em pressupostos jurídicos e doutrinários 
      inteiramente irreais, e, conseqüentemente, fracassar. 
      
      Pio XII indica novos rumos
      
      
      Não nos compete a nós definir o modo pelo 
      qual a colaboração se há de desenvolver, dentro dos termos objetivos que 
      enunciamos. É este um problema afeto à legislação positiva, e que está na 
      alçada dos estatutos da A.C. B., e do mais que sobre o assunto dispuserem 
      nas respectivas Dioceses os Exmos. e Revmos. Srs. Bispos. Limitamo-nos a 
      lembrar que, na alocução, já tantas vezes citada, do Santo Padre Pio XII 
      sobre a A.C., abriu o Sumo Pontífice uma senda nova para a solução do 
      problema, aconselhando a fundação de núcleos da A.C. dentro das próprias 
      associações e incumbindo, neste caso, os mesmos núcleos, de atuar dentro 
      delas, como estímulo e fermento: “e se... nas 
      associações religiosas que têm fins e formas organizadas de 
      apostolado, se estabelecerem associações internas de Ação Católica, esta 
      aí entre com discrição e reserva, nada perturbando da estrutura e da vida 
      da associação mas apenas imprimindo novo impulso ao espírito e às formas 
      de apostolado, enquadrando-as na grande organização central”. Assim, a 
      A.C. seria, quando fundada também dentro das associações, um núcleo de 
      fervorosos, que aos demais levaria à santificação e ao combate. Como nos 
      parece providencial este processo, já em prática na Itália há vários anos, 
      sob as vistas da Santa Sé, e sempre com os melhores resultados, para ele 
      chamamos insistentemente a atenção de nossos leitores. 
      
      Devemos mesmo acrescentar que, dada a 
      situação jurídica da A.C. e das Associações Auxiliares no Brasil, esta 
      solução apresenta vantagens relevantíssimas. 
      
      Atacar as prerrogativas da A.C. é obra 
      nefasta e vã
      
      
      Com efeito, só um espírito tão toldado por 
      preconceitos de toda a ordem, que tivesse perdido inteiramente qualquer 
      senso de objetividade, poderia fechar os olhos à situação jurídica 
      extraordinariamente sólida que tem a A.C. dentro da vida religiosa do 
      Brasil. Criada em documento soleníssimo, que foi subscrito por toda a 
      Hierarquia Eclesiástica no Brasil, e que recebeu oficialmente a chancela 
      da Santa Sé, goza ela de uma relevância tal, que lutar contra ela é lutar 
      contra moinhos de vento. A luta de D. Quixote contra esses invencíveis 
      inimigos, se teve o ridículo de sua total inviabilidade, teve ao menos o 
      mérito do heroísmo de seus propósitos. Nem este mérito, entretanto, 
      poderíamos reconhecer às associações auxiliares que empreendessem lutar 
      contra a A.C., arrastadas por um particularismo oposto ao senso católico. 
      As Associações Auxiliares devem prestar à A.C. o duplo concurso de nela 
      inscrever seus melhores elementos, e cooperar resolutamente com suas 
      atividades gerais. É o que mandam os estatutos da A.C.B.. No cumprimento 
      desse dever, a atitude das Associações Auxiliares não deve ser a de uma 
      melancólica resignação, mas a de quem cumpre jubilosamente um glorioso 
      dever. 
      
      Por outro lado, seria igualmente insensato 
      ignorar que também as associações auxiliares possuem, máxime depois da 
      carta “Com particular complacência”, uma situação jurídica muito sólida, e 
      que a A.C. não deve fazer, para si, da drenagem abusiva dos elementos de 
      escol das Associações Auxiliares, um processo de recrutamento fácil, que 
      destruiria entretanto tudo quanto fosse alheio ao quadro das organizações 
      fundamentais da A.C.. 
      
      É preciso, pois, um grande equilíbrio no 
      modo de estabelecer a cooperação entre as organizações fundamentais e as 
      associações auxiliares da A.C.. Parece-nos que esse equilíbrio se manteria 
      muito mais seguramente se, em lugar de conceber os organismos fundamentais 
      e auxiliares da A.C. necessariamente e sempre como entidades inteiramente 
      paralelas, e ligadas entre si simplesmente pela comum obediência à Junta 
      Diocesana e à Hierarquia, abríssemos campo, como aliás facultam os 
      presentes estatutos da A.C.B., a uma interpenetração harmoniosa e fecunda 
      de uns com outros. 
		
      
      Quanto às relações entre as organizações fundamentais e as associações 
      auxiliares da A.C., sempre que constituam quadros inteiramente distintos 
      uns dos outros, pensamos não haver melhor meio de as sistematizar dentro 
      do espírito e da letra dos Estatutos da Ação Católica Brasileira, do que 
      por intermédio da sábia regulamentação que, a este respeito, publicou por 
      ordem do Exmo. Revmo. Sr. D. José Gaspar de Affonseca e Silva, Arcebispo 
      Metropolitano de S. Paulo, o Exmo. Revmo. Monsenhor Antônio de Castro 
      Mayer, então Assistente Geral da A.C. paulopolitana, e hoje Vigário Geral 
      preposto à direção de todas as obras e organizações do laicato. Publicamos 
      em nota 
      
      
      [1]
      
      esse 
      sábio e belo documento, que se distingue por um verdadeiro equilíbrio. 
      
      Conversando certa vez com um dos Bispos mais 
      eminentes da Província Eclesiástica de S. Paulo, disse-nos ele que o 
      aludido documento continha efetivamente as diretrizes seguras e acertadas 
      que a solução do delicado problema requer, mas que, na prática, o êxito de 
      sua aplicação dependia da observância de uma linha de conduta tão exata e 
      tão difícil de se conhecer em determinados casos particulares, que a 
      publicação dessas diretrizes, tendo embora aberto muitos horizontes, ainda 
      não havia estabelecido sobre o assunto a última palavra. Estávamos então 
      em 1940. Veio depois a alocução do Santo Padre Pio XII, que, segundo 
      afirmamos, torna possível a fundação de núcleos da A.C. nas associações e 
      obras auxiliares. Com mais este passo, parece-nos que fica resolvida 
      inteiramente a questão, estando abertas duas modalidades sábias e fecundas 
      de estabelecer entre as organizações fundamentais da A.C. e suas 
      associações auxiliares um regime de franca compreensão e íntima 
      cordialidade, segundo os desígnios de Pio XI e Pio XII. 
      
      Outro problema capital
      
      
      A mesma sede imoderada de expansão, que tem 
      levado a A.C., em certos círculos, ao grave erro dos recrutamentos 
      tumultuários, também gerou um estado de espírito pouco equitativo, quanto 
      ao problema de se saber se a A.C. deve, de preferência, cuidar da 
      santificação dos fiéis, ou da conversão dos infiéis. 
      
      Seus verdadeiros termos
      
      
      À primeira vista, o simples bom senso nos 
      faria responder com Nosso Senhor “oportet haec facere et illa non omittere” 
      (S. Mat. 23, 23). Não há razão para que a A.C. negligencie uma ou outra 
      destas tão louváveis atividades. Entretanto, como o problema se pode 
      apresentar na prática, quando a A.C., naturalmente sobrecarregada de 
      afazeres, hesita sobre se deve empregar as pequenas disponibilidades de 
      tempo que lhe restam, na organização de uma campanha de Páscoa, ou na 
      distribuição de folhetos para converter espíritas, na organização de uma 
      obra para preservar a pureza das famílias católicas, ou numa campanha para 
      fazer infiltração em sindicatos comunistas, na construção de uma sede para 
      associações, ou numa obra de combate ao Protestantismo, queremos dizer 
      alguma coisa sobre o assunto. 
      
      Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que 
      o problema jamais poderá ser resolvido de modo uniforme. As circunstâncias 
      locais variam imensamente, e podem dar a uma ou outra daquelas tarefas um 
      caráter de tal premência que exija uma intervenção imediata. Tudo quanto 
      dissermos só se aplica aos casos gerais, em que realmente não se possa 
      determinar se concretamente um ou outro dos afazeres é mais urgente, e o 
      problema se deva resolver pelos seus dados teóricos. 
      
      A ordem na caridade manda que:
      
      
      Isto posto, não hesitamos em afirmar que, 
      acima de tudo, se deve desejar a santificação e perseverança dos que são 
      bons; em segundo lugar, a santificação dos católicos afastados da prática 
      da Religião; finalmente, e em último lugar, da conversão dos que não são 
      católicos. 
      
      
      a) - acima de tudo cuidemos da santificação 
      e perseverança dos bons 
      
      Passemos a justificar a primeira proposição. 
      A simples análise do dogma da Comunhão dos Santos já nos oferece para tal, 
      um argumento precioso. Há uma solidariedade sobrenatural no destino das 
      almas de forma que os méritos de umas revertem em graças para outras, e, 
      reciprocamente, a alma que deixa de merecer, depaupera todo o tesouro da 
      Igreja. Ouçamos a este respeito a admirável lição de um mestre. O R. P. 
      Maurice de la Taille, no seu conhecido tratado sobre o Santíssimo 
      Sacrifício e Sacramento da Eucaristia, à pág. 330-1 observa que “a devoção 
      habitual da Igreja jamais desaparece, pois que Ela jamais perderá o 
      Espírito de Santidade que recebeu; pode não obstante esta devoção, na 
      variedade dos tempos, ser maior ou menor”. E aplicando este princípio ao 
      Sacrossanto Sacrifício da Missa, acrescenta: “Quanto maior for ela, mais 
      aceitável será sua oblação. Eis, pois, que é de suma importância existirem 
      na Igreja muitos santos e muito santos; nem nunca jamais se deve poupar ou 
      impedir que os varões religiosos e mulheres envidem esforços para que cada 
      dia cresça o valor das Missas e se torne mais potente aos ouvidos de Deus 
      a voz indefectível do Sangue de Cristo que clama da Terra. Pois que nos 
      altares da Igreja clama o Sangue de Cristo, mas pelos nossos lábios e 
      coração: tanto quanto se lhe abrir o vigor de vociferar” (apud Filograssi, 
      Adnotationes in SS. Euchaaristiam, pg. 1115-6). 
      
      A vista disto, não é difícil verificar que, 
      no plano da Providência, a santificação das almas boas ocupa um papel 
      central na conversão dos infiéis e pecadores. Eclesiásticos ou leigos, são 
      tais almas de certa forma “o sal da terra e a luz do mundo”. É neste 
      sentido que se deve afirmar que as Ordens Contemplativas são de grande 
      utilidade para toda a Igreja de Deus. Ora, o mesmo se deve dizer das almas 
      santas, que vivem vida de apostolado no século. Ai! das coletividades 
      cristãs onde se apaga a luz da prece das almas justas e decai o valor 
      expiatório dos sacrifícios. Narra D. Chautard que o simples 
      estabelecimento de conventos contemplativos e reclusos, em zonas 
      missionárias, opera maravilhas. É, em última analise, da santidade que 
      depende a vitória da Igreja na grande luta em que está empenhada. Uma só 
      alma verdadeiramente sobrenatural que, com os méritos de sua vida interior 
      torne fecundo seu próprio apostolado, conquista para Deus muito maior 
      número de almas do que uma legião de apóstolos de medíocre vida de oração. 
      
      Esta verdade é de aceitação corrente para o 
      que diz respeito ao Clero. Por mais importante que seja o problema das 
      vocações sacerdotais, jamais se igualará à obra da santificação do Clero. 
      Em nenhum país do mundo há questão tão importante. E, implicitamente, em 
      matéria de apostolado leigo o mesmo princípio se impõe. Se é mais 
      importante haver um grupo de apóstolos sacerdotais verdadeiramente santos, 
      do que um Clero numeroso, há de ser logicamente mais importante haver um 
      grupo de apóstolos leigos verdadeiramente interiores, do que uma inútil 
      multidão de membros da A.C.. Se para o Clero o problema máximo é a 
      santificação cada vez maior de seus membros, para a A.C., que é sua 
      humilde colaboradora, não pode haver maior desejo do que a santificação de 
      seus membros e de todas as almas piedosas na Igreja de Deus. 
      
      Há um flagrante naturalismo em imaginar que 
      a Igreja lucraria com o aumento de 
      atividade apostólica de seus membros, em detrimento de sua vida de 
      oração. É muito mais à oração das almas verdadeiramente unidas a Deus, do 
      que às atividades externas, sempre úteis e louváveis contudo, que a Igreja 
      deve seus melhores louros. Dí-lo Leão XIII, na Encíclica “Octobri Mense”, 
      de 22 de Setembro de 1891: 
      
      “Se se pergunta porque a perfídia dos maus 
      não chega a obter a plena realização de seus propósitos; porque, pelo 
      contrário, a Igreja, através de tantos acontecimentos desfavoráveis, 
      conservando sua grandeza e sua glória intactas, se eleva sempre e não 
      cessa jamais de progredir, é legítimo procurar a causa
      principal de um e outro fato 
      na força da oração da Igreja sobre o coração de Deus; de outra maneira, 
      com efeito, a razão humana não pode compreender como o poder da iniqüidade 
      esteja contido dentro de tais limites, enquanto a Igreja, reduzida à 
      extremidade, triunfa, entretanto, tão magnificamente.” 
      
      Em outro passo da mesma encíclica, diz ainda 
      o Papa: 
      
      “As orações, pelas quais suplicamos a Deus 
      que proteja sua Igreja, unidas aos sufrágios dos Santos do céu, Deus as 
      atende sempre com a maior bondade, tanto as que se referem aos interesses 
      maiores e imortais da Igreja, quanto as que visam benefícios menores, 
      próprios à época presente, mas em harmonia com os primeiros. Com efeito, a 
      estas orações se acrescentam o poder e a eficácia das orações e dos 
      méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo, Pontífice supremo, santo, inocente, 
      sempre vivo para interceder por nós”. 
      
      E o Santo Padre acrescenta: “Ver-se-á um dia 
      que é graças à oração, que, no meio de um mundo depravado, muitos 
      conseguiram preservar intactas suas almas, limpas de toda mácula na carne 
      e no espirito, realizando sua santificação no temor de Deus; que outros, 
      no próprio momento em que se iriam entregar ao mal, contiveram-se 
      repentinamente e encontraram, no próprio perigo e na tentação, um feliz 
      acréscimo de virtude; que outros, enfim, tendo sucumbido, sentiram na alma 
      uma certa solicitação para se reerguerem e se atirarem ao seio do Deus de 
      misericórdia”. 
      
      Se, do ponto de vista da Comunhão dos 
      Santos, é esta a conclusão a que devemos chegar, o que a Teologia nos diz, 
      por outro lado, da essência do apostolado, nos conduz à conclusão 
      idêntica. Como já tivemos ocasião de dizer, o apóstolo é mero instrumento 
      de Deus, e a obra de santificação das almas ou de sua conversão é 
      essencialmente sobrenatural e divina (Cfr. S. T. Ia., IIae.; q. 109. aa. 
      6, 7). “Ninguém pode vir a mim se meu Pai, que me enviou, não o atrair”, 
      disse N. S. (J., 6, 44). Ora, Deus não se serve, senão raramente, para tão 
      augusta tarefa, de instrumentos indignos, e a pergunta da Escritura “ab 
      immundo, quid mundabitur?” não exprime apenas a incapacidade natural e 
      psicológica do apóstolo indigno em produzir obras fecundas, mas ainda a 
      repugnância que sente Deus, em se servir de elementos tais, para por meio 
      deles operar os mistérios augustíssimos da regeneração das almas. 
      
      Não se pense, porém, que só o pecado mortal 
      é nocivo à fecundidade da obra do apóstolo. Também os pecados veniais e 
      até as simples imperfeições diminuindo a união das almas com Deus, minguam 
      as torrentes de graças de que elas deveriam ser canais. Quanta e quanta 
      obra louvável por aí se arrasta, às voltas com mil dificuldades; lutam em 
      todos os terrenos os seus generosos diretores, sem conseguir qualquer 
      resultado e com isto ficam afastadas centenas ou milhares de almas, que 
      nos desígnios da Providência se deveriam salvar por meio desta obra. E, 
      enquanto contra todas as dificuldades se quebram os mais heróicos 
      esforços, não percebem os seus diretores que a fonte dos malogros é outra. 
      “Venti et mari oboediunt ei”, diz de Jesus a Escritura, e por certo 
      poderiam sob seu império ruir todos os obstáculos. Mas os intermediários 
      da graça divina, conquanto zelosos, têm esta ou aquela infidelidade que os 
      afasta de Deus. E Jesus espera da renúncia a algum sentimentalismo por 
      demais vivaz, a algum amor próprio por demais pontiagudo, a desobstrução 
      dos canais da graça. O que parecia uma questão de dinheiro ou de 
      influência social é, não raras vezes, uma questão de generosidade 
      interior, em uma palavra, uma questão de santificação. 
      
      No livro de Josué, Cap. VII, encontra-se uma 
      narração altamente significativa a esse respeito. Acan tomou para si, 
      entre os despojos da cidade de Jericó, alguns objetos de valor, se bem que 
      esta ação fosse ilícita, porque os objetos estavam atingidos pelo anátema, 
      com que Deus fulminara Jericó. Este simples fato bastou – um homem em todo 
      um imenso exército trazia entre outros objetos de bagagem alguns que eram 
      malditos – para que as forças hebraicas fossem inexplicavelmente e 
      estrondosamente derrotadas no ataque à pequena cidade de Hai. Deus revelou 
      então a Josué que as armas hebraicas só retomariam seu curso vitorioso 
      quando Acan fosse exterminado com tudo o que possuía. Sobre seus restos 
      mortais se ergueu um monumento de maldição e só assim se apartou de Israel 
      o furor do Senhor: imagem eloqüente do mal que a toda uma organização pode 
      fazer um só apóstolo leigo, que conserve em sua alma qualquer apego 
      culposo a seus pecados ou imperfeições. 
      
      Tudo isto posto, percebe-se como é errôneo 
      pretender que, segundo uma expressão infelizmente corrente, é “chover no 
      molhado” trabalhar pela santificação dos bons. Muito intencionalmente só 
      aduzimos, em benefício de nossa tese, argumentos que demonstram, com 
      clareza meridiana, ser esta santificação a mais preciosa condição para se 
      obter a conversão, tão ardentemente almejada, dos infiéis. O que ainda não 
      poderíamos dizer, no entanto, sobre a importância do apostolado de 
      perseverança dos bons! 
      
      
      b) - reintegremos, em segundo lugar, na vida 
      da graça, os pecadores 
		
      Os 
      argumentos precedentes servem também para provar que mais importante é 
      reintegrar na plenitude da lei da graça os católicos que abandonaram a 
      prática da Religião, do que converter os infiéis. Queremos, entretanto, 
      aduzir a respeito deste último ponto mais um argumento. O Santo Batismo 
      recebido pelo fiel faz dele um filho de Deus, um membro do Corpo Místico 
      de Cristo, um templo vivo do Espírito Santo. As graças de que Deus o 
      cumula, em seguida, em sua idade de inocência, o convívio eucarístico com 
      Nosso Senhor, tudo concorre para que um católico tenha um título 
      inestimável de predileção divina. É assim que, de um modo geral 
      
      
      [2], 
      Deus ama imensamente mais as almas que constituem sua Igreja, do que os 
      povos heréticos e infiéis. Por isto, o justo que “declina dos mandamentos 
      de Deus” Lhe causa uma dor imensamente maior do que a perseverança de um 
      infiel em sua infidelidade. O pecador continua filho de Deus, mas filho 
      pródigo, cuja ausência enche a casa paterna de luto indizível. Arbusto 
      partido, porém, não quebrado, lâmpada bruxuleante que ainda fumega, é ele 
      o objeto predileto da solicitude de Deus. E por isto mesmo o Redentor, 
      “que não quer a morte do pecador, mas que ele se converta e viva”, 
      multiplica suas instâncias a fim de o reconduzir ao redil. Filho de Deus, 
      e por isso mesmo um predileto ingrato, é o católico pecador um irmão 
      nosso, ao qual nos ligam deveres de amor e assistência incomparavelmente 
      maiores do que aos homens não católicos. É este um ponto absolutamente 
      indiscutível de Teologia. Por esta razão, somos obrigados a consagrar 
      nosso tempo, de preferência do que à conversão do infiel, à conversão do 
      católico pecador. Com toda a propriedade se aplica aí a palavra terrível 
      da Escritura, saída dos dulcíssimos lábios do Salvador: “não se atira aos 
      cães o pão destinado aos filhos”. 
      
      Não foi outro o pensamento expresso pelo 
      Santo Padre Pio XI, em sua mensagem de 12 de fevereiro de 1931, publicada 
      pelo Osservatore Romano: “Manda o Apóstolo que, dirigindo-nos aos homens, 
      a todos façamos o bem, mas especialmente aos que possuem a mesma Fé. 
      Convém, pois, que nos dirijamos primeiramente a todos os que, membros 
      vivos da Família e do Rebanho do Senhor, a Igreja Católica, Nos chamam com 
      o doce nome de Pai, aos Pastores e aos fiéis, às ovelhas e aos cordeiros, 
      e a todos aqueles que o Pastor e Rei Supremo Jesus Cristo Nos encarregou 
      de apascentar e guiar”. 
      
      E o mesmo diz S. Tomás: Sum. Theolog., IIa., 
      IIae., Q. 26, art. 5: – “Mais devemos amar segundo a caridade o que 
      oferece um motivo mais forte de assim ser amado. Ora, o motivo de amor, 
      que devemos ter pelo próximo, é que ele nos está associado na participação 
      plena e direta da beatitude”. 
      
      Ibid. art. 6, ad 2.: – “Todos os nossos 
      semelhantes se relacionam igualmente a Deus; mas há alguns que estão mais 
      próximos de Deus, porque são melhores, e, por isto, mais devem ser amados 
      por nós segundo a caridade, do que outros, que estão menos próximos de 
      Deus”. 
      
      S. Paulo recomenda expressamente: “enquanto 
      temos tempo façamos bem a todos, mas principalmente aos irmãos na Fé” 
      (Gal. 6, 10). E, escrevendo a Timóteo (I, 6, 1-2), recomenda que, se os 
      servos tiverem amos católicos, os sirvam melhor que aos não católicos, 
      “porque são fiéis e amados (de Deus) e participantes do beneficio (da 
      Redenção)”. E Nosso Senhor proclamou o mesmo princípio quando disse: “Quem 
      fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Marc. 
      III, 35). 
      
      A expansão desta doutrina não pode 
      prejudicar o apostolado junto ao infiéis e hereges
      
      
      A tantos argumentos teóricos, acrescentemos 
      finalmente uma reflexão de ordem prática, que também tem um considerável 
      valor. Faça-se no Brasil a estatística dos católicos e dos infiéis, e 
      ver-se-á a inferioridade numérica verdadeiramente esmagadora em que estão 
      estes últimos. Qual pois, o problema que afeta mais fundamente a Igreja no 
      Brasil? A conversão dos infiéis ou a reconciliação com a Igreja, dos 
      pecadores? 
      
      Não se tema, aliás, que o desenvolvimento 
      das obras de conversão dos infiéis se ressinta, em sua expansão, em 
      conseqüência da ordem de idéias que vimos expondo. Certamente a Alemanha 
      foi um dos países, em que, de modo mais profundo, se desenvolveram as 
      obras para a conversão dos muitos protestantes ali existentes. De fato, o 
      problema de recondução dos protestantes ao grêmio da Igreja oferecia ali 
      uma atualidade e uma importância incomparavelmente maiores que no Brasil. 
      Não creram os Exmos. e Revmos. Srs. Bispos alemães jamais que estas obras 
      de dilatação de fronteiras sofressem qualquer detrimento em conseqüência 
      da seguinte verdade que sob a designação de “questão 23ª”, figurava no 
      Catecismo confeccionado oficialmente pelo Venerando Episcopado Alemão: “P. 
      A que é devido que se cometam pecados graves até mesmo dentro da Igreja 
      Católica? – R. O fato de que na Igreja Católica se cometam pecados graves 
      é devido ao fato de muitos cristãos católicos não obedecerem à Igreja e 
      não viverem com ela. Os pecados dos próprios filhos doem mais à Igreja e
      dificultam mais sua expansão do 
      que as perseguições por parte dos inimigos da Igreja. É impossível que 
      não venham escândalos; mas ai! daquele por quem eles vêm (S. Lucas, XVII, 
      1)”. Fato curioso: o governo nazista de Baden, em circular de 27 de 
      janeiro de 1.937, mandou cancelar esta pergunta do catecismo (Cfr. “El 
      Cristianismo en el Tercer Reich”. O autor desta obra, aliás magistral, sob 
      todos os pontos de vista, é um sacerdote católico alemão que usa o 
      pseudônimo de Testis Fidelis). 
      *   
      *    * 
      
      “Apostolado de conquista”
      
      
      De tudo quanto acabamos de expor, e 
      sobretudo das enérgicas palavras do Episcopado Alemão, resulta com toda a 
      clareza que não se pode separar o interesse das almas piedosas daquele que 
      se deve ter pelas dos infiéis e pecadores. Por aí se compreende como é 
      infundado interpretar num sentido exageradamente literal a expressão 
      “apostolado de conquista”, muito freqüentemente empregada para designar, 
      com um entusiasmo unilateral e exclusivo, as obras de conversão dos 
      infiéis, enquanto este título é desprezivelmente negado às obras de 
      preservação e santificação dos bons. 
      
      Sem dúvida, toda conversão de infiéis traz 
      para a Igreja uma dilatação de fronteiras, e como toda dilatação de 
      fronteiras é uma conquista, pode-se razoavelmente chamar a tais obras 
      “iniciativas de conquista”. Neste sentido a expressão é licita. Mas, há um 
      erro, e um erro não pequeno, em votar a tais obras, aliás dignas de todo 
      entusiasmo, uma espécie de exclusivismo veemente, que perturba a lucidez 
      dos conceitos e a hierarquia dos valores, atirando a um injustificável 
      menoscabo as outras obras. Falando da propaganda totalitária, disse 
      Jacques Maritain que ela possuía a arte de “fazer delirar as verdades”. A 
      conversão dos infiéis é por certo uma obra empolgante, e tudo quanto dela 
      se pudesse dizer em matéria de encômios ainda ficaria aquém da realidade. 
      Não façamos, porém, delirar esta nobre verdade. 
      
      Infelizmente, este delírio existe, e é dele 
      que provém a paixão pelas massas e o menoscabo das elites, a monomania dos 
      recrutamentos tumultuários, o descaso implícito ou explicito quanto às 
      obras de preservação, etc., etc.. E é ainda a esta ordem de idéias que se 
      filia um estado de espírito curioso. Em certos círculos, há um entusiasmo 
      tão respeitoso pelos convertidos, que, segundo a expressão de um 
      observador muito penetrante, os que sempre foram católicos “têm uma certa 
      vergonha de jamais haverem apostatado, a fim de poderem converter-se”. 
      Evidentemente é pouco todo júbilo pela volta do filho pródigo à casa 
      paterna, e são dignas de censura as ciumeiras, que, a este respeito, 
      manifestou o filho sempre fiel. No entanto, a circunstância de haver 
      alguém perseverado sempre, é em si mesma um título de honra maior do que a 
      apostasia seguida de sincera emenda. É claro que pode haver uma alma 
      penitente, que se eleve muito mais do que outra que permaneceu sempre 
      fiel. Seria, porém, temerário discutir, concretamente, se maior admiração 
      se deve à inocência de S. João, ou à penitência de S. Pedro, à penitência 
      de Sta. Maria Madalena ou à inocência de Santa Teresinha do Menino Jesus. 
      Deixemos estas questões ociosas, e sirvamos todos a Deus com humildade, 
      evitando o exagero de transformar a apostasia em um título de vã glória. 
      
      A preocupação ou antes a obsessão do 
      apostolado de conquista gera um outro erro que mencionamos simplesmente 
      aqui, e a respeito do qual em ulterior capítulo nos estenderemos mais. 
      Consiste em ocultar ou subestimar invariavelmente o que há de mal nas 
      heresias, a fim de dar ao herege, a idéia de que é pequena a distância que 
      o separa da Igreja. Entretanto, com isto, esquece-se que se oculta aos 
      fiéis a malícia da heresia, e se aplainam as barreiras que os separam da 
      apostasia! É o que sucederá com o uso em larga escala, ou exclusivo deste 
      método. 
      
      Tem-se divulgado a opinião de que o 
      apostolado da A.C., em conseqüência de seu mágico mandato, exerce sobre as 
      almas um efeito santificante, de forma que a simples atividade apostólica 
      basta inteiramente ao membro da A.C., e dispensa a vida interior. 
      
      Já se alongou por demais este capítulo, e 
      não queremos entrar nesta complexa matéria em maiores digressões. Por 
      isto, limitar-nos-emos a dizer que a Santa Igreja exige dos Clérigos, e 
      até dos Bispos, que mantenham uma vida interior tanto mais intensa, quanto 
      mais absorventes forem suas obras. Por onde se vê que o apostolado da 
      Hierarquia não exime da vida interior. São Bernardo em seu tratado “De 
      consideratione” não hesita em chamar “obras malditas” as atividades do 
      Bem-aventurado Papa Eugênio III, desde que elas consumissem o tempo 
      exigido para o incremento da vida interior daquele Pontífice. E é das 
      excelsas e por assim dizer divinas ocupações do Papado de que se trata! 
      Que dizer-se então das modestas ocupações de um simples “participante” da 
      Hierarquia? Serão suas atividades mais santificantes que as da própria 
      Hierarquia? Como supor na essência e na estrutura da A.C. virtudes 
      santificantes que dispensam da vida interior! 
      
      Enfim, estamos aí em presença de um 
      recrudescimento do americanismo já condenado por Leão XIII; e no documento 
      sobre este assunto, se pode encontrar facilmente uma cabal refutação desta 
      doutrina. 
      *   
      *    * 
      
      Uma objeção
      
      
      A tudo isto poder-se-ia certamente objetar 
      que “há mais alegria no Céu por um pecador que se converte, do que por 
      noventa e nove justos que perseveram”. Poucos textos dos Santos Evangelhos 
      têm sofrido mais infundadas interpretações. A mulher da parábola, que 
      perdeu uma dracma, certamente teve mais alegria em encontrá-la do que em 
      conservar as dracmas que não havia perdido. Isto não quer dizer que ela se 
      consolaria da perda das noventa e nove dracmas por encontrar uma! Se assim 
      fosse, seria um louca! O que Nosso Senhor quis dizer foi, simplesmente, 
      que o gáudio pela recuperação dos bens, que perdemos, é maior do que nosso 
      prazer pela posse tranqüila dos bens, que conservamos. Assim, um homem que 
      perdeu a vista em conseqüência de um acidente e depois a recupera, deve 
      razoavelmente entregar-se a uma grande expansão de alegria. Seria, 
      entretanto, irracional que, em dado momento, um homem, que nunca esteve 
      ameaçado de cegueira, se entregasse a indescritíveis transportes de 
      júbilo, porque não está cego. 
      
      Reflitam certos leitores antes sobre o 
      seguinte: se há mais júbilo no coração do Bom Pastor por um pecador que se 
      converte do que por noventa e nove justos que perseveram, a conseqüência 
      lógica é que há mais tristeza no Coração de Jesus por um justo que 
      apostata, do que por noventa e nove pecadores que perseveram no pecado. NOTAS 
      
      
      
      [1]
      A imprensa de São Paulo publicou tal documento com o seguinte teor: 
      
      AÇÃO CATÓLICA E ASSOCIAÇÕES AUXILIARES 
      
      Por ordem de S. Excia. Revma. o Sr. Dom 
      José Gaspar de Affonseca e Silva, Arcebispo Metropolitano, o Revmo. Sr. 
      Cônego Dr. Antônio de Castro Mayer, Assistente Geral da Ação Católica, fez 
      publicar pela imprensa o seguinte documento: 
      
      Associando misericordiosamente os 
      homens a Sua obra de Redenção do Gênero Humano, e conversão do mundo, 
      entregue à adoração insensata dos ídolos pagãos, o Divino Salvador 
      constituiu um grupo restrito de discípulos, a cuja formação se dedicou de 
      modo especial. Alimentando seus espíritos com infatigável doutrinação, 
      feita na intimidade e proporcionada às necessidades particulares de cada 
      um deles, plasmando seus corações por meio de uma direção pessoal, 
      acentuada por todos os encantos de Sua convivência e pela força 
      irresistível de Seus exemplos; enviando sobre eles o Espírito Santo, 
      distribuidor de inestimáveis dons para a inteligência e a vontade, o 
      Salvador fez daquele pequeno grupo uma milícia de eleição, um fermento 
      sagrado, a quem deu a missão de renovar a face da terra. 
      
      Às multidões, às quais ensinou o 
      caminho da verdade, abriu Nosso Senhor Jesus Cristo o Reino dos Céus. Foi, 
      entretanto, apenas a um escol bem menor que confiou a tarefa de, em Seu 
      Nome, franquear também aos outros povos o caminho da Bem-aventurança. 
      
      Fiel ao Divino Mestre, a Igreja sempre 
      seguiu o mesmo processo, e, pregando embora o Evangelho a todos os povos 
      soube reservar carinhos e zelos especiais para formar de modo todo 
      particular aos que, no corpo Místico de Jesus Cristo, iriam ocupar os 
      cargos da Hierarquia instituída pelo Redentor. 
      
      Mais. Tirando desse sapientíssimo 
      exemplo do Salvador todos os ensinamentos que encerra, a Igreja, desde os 
      primeiros tempos, não se limitou a preceituar a todos os fiéis o dever do 
      apostolado, mas congregou em torno de si os mais fervorosos dentre eles, a 
      fim de dotá-los de virtudes especiais. Assim formados, primando pela 
      inquebrantável docilidade ao magistério da Igreja, pela onímoda e 
      incondicional submissão aos que, acima deles, se encontravam constituídos 
      na dignidade de Sacerdotes e Bispos, tais leigos eram instrumentos de 
      eleição e colaboradores especiais destinados a participar, dentro da 
      Igreja Discente, das agruras santas e dos meritórios labores da Igreja 
      Docente. 
      
      A este hábito, que o Catolicismo 
      conservou ininterruptamente nos vinte séculos de sua existência, Pio XI, 
      de santa e saudosa memória, deu novo lustre e providencial incremento 
      quando, para abater a insolência dos ídolos, que as multidões pagãs de 
      nossos dias começavam a aclamar e adorar, tornou obrigatória para todos os 
      povos a instituição da milícia de escol da Ação Católica, chamando todos 
      os fiéis para que elevando-se à altíssima pureza doutrinária e moral, que 
      nela refulgem, com ela e nela combatessem denodadamente as pompas e as 
      obras de Satanás. 
      
      É tão evidente a conveniência desse 
      princípio de prudência aplicado pelo grande Pontífice, que a própria 
      habilidade humana a soube ver e utilizar a seu modo. Todos os grandes 
      impérios tiveram suas tropas escolhidas, que eram, dentro do vasto 
      conjunto das formações militares, ao mesmo tempo cerne e espinha dorsal do 
      exército, milícia disciplinada e audaciosa, cuja coragem deveria estimular 
      e assombrar os mais valentes dentre os militares briosos e dignos de que 
      se compunham os outros regimentos. É esta a tradição de todos os exércitos 
      dos grandes generais conquistadores de terras e fundadores de impérios. Se 
      destarte procediam os grandes guerreiros e conquistadores, porque não há 
      de ser assim com o exército pacífico e invencível de Cristo-Rei, que deve 
      conquistar todos os povos? Bastam estas considerações, para esclarecer de 
      modo exato as relações entre a Ação Católica e a Igreja Docente, que é o 
      estado maior de Jesus Cristo; se em alguma coisa a situação da A.C. para 
      com a Hierarquia é especial, é porque esta tem o direito de esperar dela 
      uma disciplina mais pronta e mais amorosa do que de qualquer outra 
      associação religiosa. 
      
      Por outro lado, em relação às 
      associações e obras católicas, sua posição está implicitamente definida: 
      estímulo, exemplo, baliza para a ação comum. E as associações devem, por 
      sua vez, à Ação Católica, cooperação fraternal e disciplinada. 
      
      No intuito de dar a estes conceitos uma 
      aplicação viva e completa, cumpre que sejam observadas na Arquidiocese os 
      seguintes princípios: 
      
      I 
      
      Fiel ao espírito que a distingue, a 
      Ação Católica prima pela reverência e docilidade para com a Autoridade 
      Eclesiástica. Portanto, dentro dos seus respectivos setores, os 
      Assistentes Eclesiásticos são, além de censores doutrinários, a própria 
      lei viva, em tudo quanto diz respeito às atividades da Ação Católica. 
      Devem os membros da A.C. todo o respeito aos leigos, que nela ocupam 
      cargos de direção, porquanto é a autoridade destes reflexo da autoridade 
      do Assistente Eclesiástico. 
      
      Nas reuniões da A.C. a que compareçam 
      os Sacerdotes, Religiosos e Religiosas, que não têm cargo de Assistentes 
      na mesma, deve ser sempre atribuída, em razão da sublimidade de seu 
      estado, primazia em dignidade, depois do Assistente Eclesiástico. 
      
      Em seguida, a precedência cabe aos 
      membros da Junta Aquidiocesana. 
      
      II 
      
      As associações fundamentais da Ação 
      Católica não se devem considerar como entidades perfeitas em si mesmas e 
      coligadas apenas para um fim comum, mas secções de um mesmo todo. 
      
      Assim, os Assistentes Eclesiásticos das 
      várias secções ou sub-secções são delegados e pessoas de confiança do 
      Assistente Geral da A.C. Também são delegados e pessoas de confiança do 
      Assistente Geral, e dos demais membros da Junta Aquidiocesana, os leigos 
      que ocupam cargos de direção na A.C. 
      
      III 
      
      Uma vez que deve constituir ao mesmo 
      tempo o estímulo e o modelo de todas as associações religiosas e dos 
      fiéis, a Ação Católica só admitirá como seus membros elementos 
      perfeitamente cônscios da alta dignidade e dos árduos encargos daí 
      decorrentes, sendo eliminados, sem tergiversação, aqueles que não se 
      mantiverem à altura de missão tão elevada. 
      
      IV 
      
      As associações religiosas, e de modo 
      especial aquelas cujo objetivo consiste na santificação de seus membros, 
      são verdadeiros seminários da Ação Católica, à qual prestam preciosíssimo 
      auxílio, afervorando na vida espiritual ou adestrando no apostolado os 
      respectivos associados, de maneira que tornem os mais edificantes dentre 
      eles aptos para, depois de preparados pela Ação Católica, nela 
      ingressarem. 
      
      V 
      
      Só merece encômios o membro da Ação 
      Católica que, sem prejuízo de suas obrigações para com esta, e com 
      aprovação da autoridade competente no respectivo setor, se dedica à 
      direção de uma associação religiosa. 
      
      Por outro lado, não demonstra bom 
      espírito o membro de uma associação religiosa que, sob pretexto de 
      apostolado na Ação Católica, tomar a iniciativa de, sem determinação 
      expressa dos órgão da A.C., abandonar o sodalício a que pertence. 
      
      VI 
      
      As associações religiosas, porque 
      auxiliares da Ação Católica, devem honrar-se em fornecer-lhe maior número 
      possível de membros, renunciando de bom grado à colaboração daqueles, cujo 
      apostolado os poderes competentes da Ação Católica julgarem dever absorver 
      inteiramente. 
      
      VII 
      
      Os membros da Ação Católica, cujos 
      setores, por qualquer razão, não realizem todos os domingos pela manhã 
      atos piedosos em comum devem, salvo situações especiais verificadas pela 
      Junta Arquidiocesana, inscrever-se em alguma associação auxiliar, onde o 
      façam, primando aí pela docilidade para com a autoridade constituída na 
      associação. 
      
      VIII 
      
      A Junta Arquidiocesana, segundo 
      critério inteiramente seu, mas ouvidas as pessoas interessadas, deve 
      cuidar que o recrutamento dos membros da Ação Católica nas associações 
      auxiliares se faça sem as privar dos membros cujos trabalhos forem 
      indispensáveis ao bom andamento das atividades sociais. 
      
      Neste sentido, providenciará 
      especialmente a fim de que os membros da Ação Católica, destacados para a 
      direção das associações auxiliares, se possam desempenhar de modo 
      plenamente satisfatório dessa tarefa, conservando embora o necessário 
      convívio e ligação com a Ação Católica. 
      
      IX 
      
      Nenhuma atividade será iniciada pela 
      Ação Católica em Paróquia ou associação auxiliar sem entendimento prévio 
      com o respectivo Pároco ou Diretor Eclesiástico da associação. 
      
      X 
      
      Compete privativamente à Junta 
      Arquidiocesana orientar a formação doutrinária e moral dispensada pela 
      Ação Católica a seus membros, bem como determinar e dirigir todos os 
      movimentos de caráter geral, deliberando sobre se devem ser executados 
      exclusivamente por setores fundamentais da Ação Católica, ou por estes em 
      comum com as associações ou obras auxiliares, ou, finalmente, só pelas 
      últimas. 
      
      *   *   * 
      
      Por determinação da Junta 
      Arquidiocesana, em todas as associações fundamentais e auxiliares da Ação 
      Católica, devem realizar-se reuniões e círculos de estudo, exclusivamente 
      consagrados ao documento acima que, na exposição de motivos, bem como nos 
      dez itens que a seguem, contém conceitos indispensáveis à formação 
      espiritual do laicato católico e à estruturação do apostolado por ele 
      desenvolvido. 
      
      Concorda com o original arquivado na 
      Cúria. (a) Cônego Paulo Rolim Loureiro, Chanceler do Arcebispado. [2] De modo geral, dizemos, porque há pessoas retas que pertencem à alma da Igreja, porém não ao corpo desta. Tais almas podem ser preferidas por Deus a algum pecador empedernido, que pertence ao corpo e não à alma da Igreja. Note-se entretanto, que as pessoas pertencentes à alma e não ao corpo da Igreja são raras na multidão dos hereges e pagãos. Constituem exceção. Por outro lado, entre estas pessoas retas, poucas são as que podemos conhecer como tais, porque as virtudes não estão inscritas de modo visível senão em poucas frontes privilegiadas. Portanto, raríssimos são os casos que na prática podem abrir exceção à regra geral que no apostolado devemos observar: preferir a conversão do pecador em estado de pecado mortal, à do pagão ou herege. 
 
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