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       Plinio Corrêa de Oliveira 
 EM DEFESA DA AÇÃO CATÓLICA  | 
      
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       O presente texto é transcrição da edição fac-símile comemorativa dos quarenta anos de lançamento do livro, editada em Março de 1983 pela Artpress Papéis e Artes Gráficas Ltda - Rua Garibali, 404 - São Paulo - SP - Brasil  | 
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      CAPÍTULO IIAdmissão de novos membros
 
      Se considerarmos as ideias em voga, em certos 
      círculos da A.C., sobre o critério a seguir, para recrutar novos membros, 
      encontraremos ainda aí um efeito desastroso das doutrinas sobre a ação 
      mágica da participação litúrgica e da graça de estado na A.C.. 
      
      Recrutamentos tumultuários
      
       Conhecemos 
      o fato concreto de certo membro da A.C., que trabalha em um ambiente todo 
      ele maciçamente hostil à Igreja, e que foi interpelado por um elemento 
      “exaltado” sobre os motivos por que ali não fundava um setor da A.C.. Dado 
      o vigor da interpelação, e o inesperado da idéia, julgou ele que o 
      interlocutor desconhecesse inteiramente as condições do ambiente em 
      questão. Este, porém, se apressou em desmenti-lo, entrando na mais 
      pormenorizada descrição das peculiaridades desse meio. O interpelado 
      mostrou-se então surpreso com a ideia. E o interlocutor lhe disse: “O 
      Senhor não sabe o que é a A.C.! Que ela se encha de maçons e de quaisquer 
      outros elementos do mesmo naipe e, dentro em pouco, estarão todos 
      convertidos.” 
      Esquece-se assim a palavra do Espírito Santo: 
      “Não introduzas em tua casa toda a sorte de pessoas, porquanto são muitas 
      as traições do doloso. Porque assim como sai um hálito fétido de um 
      estômago estragado, assim é também o coração do soberbo, daquele que está 
      espiando para ver a queda do seu próximo. Porque ele arma ciladas 
      convertendo o bem em mal. Uma só faísca produz um incêndio, e um só doloso 
      derrama muito sangue, e o homem pecador arma traições para o derramar. 
      Evita o homem corrompido, pois está forjando males, para que não faça cair 
      sobre ti uma perpétua infâmia. Dá entrada em tua casa ao estranho, e te 
      derrubará como um torvelinho, e te tornará estrangeiro aos teus 
      (Eclesiástico, IX, 31-36). 
      E acrescenta: “Não te fies jamais do teu 
      inimigo, porque, como vaso de cobre, cria azinhavre sua malícia. E, se ele 
      todo humilhado vier cabisbaixo, põem-te alerta, e guarda-te dele. Não o 
      ponhas junto de ti, para que não suceda que ele ocupe tua cadeira, e que 
      reconheças por fim as minhas palavras, e não tenhas pena ao lembrar-te dos 
      meus avisos” (Eclesiástico XII, 10-12). 
      Fala-se muito em apostolado de infiltração. 
      Não se pensa que nossos adversários estão na prática secular deste hábito? 
      O ínclito bispo D. Vital, reinante Pio IX, publicou um opúsculo em que 
      informava que certos adversários da Igreja passaram muito tempo comungando 
      diariamente das mãos do Pontífice, a fim de Lhe captar a confiança. 
      Pensem na gravíssima responsabilidade que sob 
      todos os pontos de vista lhes cabe, os que advogam a admissão, em massa, 
      de membros na A.C.. De certo modo, dirige-se aos que recrutam 
      tumultuariamente os colaboradores da Hierarquia o que o Apóstolo advertia: 
      “Não te apresses em impor as mãos a ninguém, e não te faças participante 
      dos pecados dos outros” (I, Tim., 5, 20). 
      No entanto, esse principio errôneo, enunciado 
      com toda seriedade, e que parece inexplicável se não for considerado em 
      conjunto com o automatismo litúrgico, dá a medida de critério com que 
      muita gente pretende praticar A.C.. Esse erro se repete com crescente 
      freqüência em muitos círculos de estudos, e daí nasceu a perigosíssima 
      doutrina de que na A.C. devem ser recebidas a esmo quaisquer pessoas, e, a 
      breve espaço, admitidas a prestar compromisso; o ingresso no estágio 
      depende da vontade da pessoa, e o compromisso se faz três meses depois; 
      logo em seguida ao compromisso, pela ação maravilhosa do mandato 
      adquirido, e da mágica litúrgica, os novos membros se transformarão em 
      elementos ótimos. Em outros termos, como a pedra filosofal, a A.C. teria o 
      raro condão de transformar em ouro tudo quanto dela se acercasse. Como 
      vemos, é sempre o mesmo automatismo a produzir suas conseqüências lógicas. 
      
      Diminuem a dignidade da A.C.
      
      Seria supérfluo desenvolver qualquer 
      argumentação exaustiva, em sentido contrário a tal doutrina. Digamos 
      simplesmente sobre o assunto algumas rápidas palavras. 
      Preliminarmente, lembremos a contradição em 
      que caem certos partidários do mandato, desposando esta estranha doutrina. 
      Desejam conferir sem discernimento, o mandato da Igreja a elementos, a 
      respeito dos quais se tem muitas vezes toda razão de supor que, sob uma 
      tênue camada de Fé, conservam a herança pesada de longo passado vivido 
      fora da Igreja. É isto realmente esbanjar despreocupadamente o dom de 
      Deus, é olvidar o conselho de Nosso Senhor que não se devem atirar pérolas 
      a pessoas indignas, “a fim de que elas as calquem com seus pés e 
      voltando-se contra nós dilacerem” (Math. 7,6). 
      O douto Papa Leão XIII enunciou a este 
      respeito um princípio que não podemos de modo algum olvidar: 
      “É coisa evidente que, quanto mais um oficio 
      for elevado, complexo, difícil, tanto mais longa e esmerada deve ser a 
      formação dos que forem chamados a desempenhá-lo” (Leão XIII, Encl. “Depuis 
      le jour”, de 8 de Setembro de 1899). 
      
      São improfícuos
      
      Seria errôneo pretender que a necessidade de 
      um rápido desenvolvimento da A.C. autoriza tais facilidades. A vida 
      espiritual impõe, como condição de perseverança, a prática de deveres por 
      vezes heróicos e ninguém pode saber que grau de fortaleza oferecerão 
      elementos tumultuariamente recrutados, quando tiverem de sofrer as “provas 
      de fogo” da luta interior. Ademais, a que resultados concretos chegaremos, 
      com esses recrutamentos em massa, já que os mesmos elementos que os 
      aconselham se mostram infensos a que a A.C. determine expulsões e imponha 
      penas? 
      Tem-se a impressão clara de um conjunto de 
      preceitos tão desassisados que, se tivessem sido calculados para pôr a 
      pique o movimento católico, não poderiam realmente ser mais funestos. 
      
      Particularmente no Brasil
      
      Como adiante veremos, deve a A.C. ser um 
      movimento de elite, se realmente quiser ser fecundo. Compreende-se que a 
      fascinação dos grandes movimentos de massa possa iludir os dirigentes 
      católicos de alguns países. No Brasil, porém, a mais rápida análise dos 
      fatos mostra que não são as massas que nos fazem falta, mas elites bem 
      formadas, aguerridas e disciplinadas que saibam, no momento dado, imprimir 
      a todo o laicato católico uma orientação segura e realmente conforme às 
      intenções da Autoridade Eclesiástica. Vários países pagaram caro sua 
      ignorância deste principio, e só se têm lembrado de formar elites sob o 
      fogo das perseguições. Não façamos como eles, e saibamos prevenir para que 
      amanhã não sejamos forçados a remediar. 
      Qual então a linha de conduta a ser seguida 
      pela A.C.? Resumamo-la nos seguintes princípios: 
      
      Como deve ser feito o recrutamento de 
      membros da A.C.?
      
      1. O apostolado da A.C. deve dirigir-se 
      indistintamente a todos os homens, por mais distantes que estejam da 
      Igreja, procurando fazer chegar a todos o conhecimento da doutrina 
      Católica, e quanto mais ampla for nesse sentido sua atividade, tanto mais 
      perfeita será. Pelo rádio, pela imprensa, por todos os outros meios deve 
      incessantemente dirigir-se a voz da A.C. “increpando, arguindo, exortando, 
      em tempo oportuno” segundo conselho do Apóstolo; 
      2. Lendo a Sagrada Escritura, ou observando 
      diretamente as almas afastadas de Deus, vê-se que algumas possuem uma 
      dureza que as torna surdas a qualquer apostolado. Essa surdez vai tão 
      longe que, às vezes, chega a se mostrar refratária aos maiores milagres. 
      Já tratamos deste assunto no capítulo anterior. Outras, pelo contrário, se 
      mostram receptivas e sensíveis, e basta por vezes um simples chamado, para 
      que elas sigam a Jesus Cristo, tomando sobre os ombros a cruz, deixando 
      todas as coisas, e trilhando as sendas do Mestre; 
      3. Se bem que, por vezes, se encontrem entre 
      os maiores pecadores as almas mais sensíveis, o que alias só acontece por 
      uma ação extraordinária da graça, não é esta a regra geral, e a Teologia 
      nos ensina que os extremos do mal embotam a alma e a tornam, de modo quase 
      absoluto, refratária à ação da graça: “um abismo atrai outro abismo” diz a 
      Escritura; 
      4. Reciprocamente, as pessoas de vida mais 
      morigerada são as que habitualmente se dispõem a subir mais alto, porque a 
      correspondência a uma graça predispõe sempre à correspondência a graças 
      ainda maiores; 
      5. Em vias de regra, pois, é nos ambientes 
      morigerados e de modo especialíssimo entre os membros das associações 
      religiosas que a A.C. deve recrutar os elementos que passarão a fazer 
      parte dela. Se bem que o prudente critério de um Assistente Eclesiástico, 
      ou de um leigo muito experimentado possa abrir uma ou outra exceção, por 
      discernir o trabalho oculto da graça em alguma alma chamada desde logo, 
      dos extremos da impiedade para os extremos do amor, seria temerário e até 
      prejudicial fazer, de elementos largamente transviados, os recrutas 
      normais da Ação Católica; 
      6. Estabelecer tais exceções deve ser 
      atribuição exclusiva de espíritos de especial discernimento, pois que a 
      Ação Católica se exporia do contrário às mais variadas aventuras e à 
      censura de todos os espíritos criteriosos. 
      *   *   * 
      
      Massa ou elite?
      
      Situa-se aí um problema de importância 
      verdadeiramente central. Será a A.C. um movimento de massa ou de elite? Os 
      Sumos Pontífices têm insistido com tanta freqüência sobre a idéia de que a 
      A.C. deve ser um movimento de elite, que ninguém ousa contestá-los. Isso 
      não obstante, opinam certos comentadores por uma solução que, sem 
      transgredir de frente as determinações pontifícias, contudo é contrária a 
      estas. 
      Pretende-se que a A.C. deve ser um movimento 
      simultaneamente de massa e de elite, isto é que, ao par de elementos de 
      escol, dever-se-iam admitir nela, como membros de compromisso prestado, 
      pessoas de uma formação muito pouco esmerada, que iria sendo fermentada e 
      transformada pela elite. 
      Para que melhor percebamos o erro que se 
      contém nessa concepção, aparentemente muito lógica, devemos esclarecer bem 
      os termos do problema. MASSA indica um grande número de pessoas, e ao 
      menos em tese, devemos admitir a possibilidade da existência de elites tão 
      vastas, que possam constituir uma multidão. Assim, pois, é certo que a 
      A.C. seria ideal se ela se compusesse de uma inumerável multidão de 
      pessoas verdadeiramente bem formadas, de elementos de escol dentro da 
      Santa Igreja. Neste sentido, de bom grado concedemos que a A.C. possa vir 
      a ser de futuro, ao mesmo tempo um movimento de massa e de elite. Mas 
      neste sentido é bem de se ver que a palavra “massa” deverá ser tomada em 
      uma acepção bem menos ampla do que geralmente possui. 
      
      Uma alternativa fundamental
      
      Entretanto, não é sempre que se pode chegar a 
      tão brilhantes resultados, e, sobretudo, não é logo nos primeiros anos de 
      trabalho que se chega a tão feliz situação. Por mais virtuosos e doutos 
      que sejam os Assistentes Eclesiásticos, os dirigentes e os militantes, 
      acontecerá muitas vezes que os corações se fechem ao apostolado. Deixemos 
      a este respeito, de romantismos apostólicos, e não imaginemos que a A.C. 
      possui uma vara de condão que abrirá inelutavelmente todos os corações. 
      Por melhores apóstolos que sejamos, nunca poderemos igualar-nos a Nosso 
      Senhor, e, entretanto, quantos foram os corações que se fecharam à sua 
      voz! Quantos foram os que se fecharam à voz dos Apóstolos, e dos inúmeros 
      Santos que a Igreja tem produzido! A experiência de todos os dias nos 
      mostra o que também a Hagiografia ensina: há pessoas, famílias, classes 
      sociais, às vezes, cidades inteiras que permanecem surdas à voz de Deus. 
      Disse-o o próprio Salvador: “Porque Deus não 
      enviou seu Filho ao mundo, para condenar o mundo, mas para que o mundo 
      seja salvo por ele. Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê, este 
      já está condenado, porque não crê no nome do Filho unigênito de Deus. E a 
      condenação está nisto: a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as 
      trevas do que a luz, porque as suas obras eram más. Porque todo aquele que 
      faz o mal, aborrece a luz, e não se chega para a luz, a fim de que não 
      sejam argüidas suas obras; mas aquele que pratica a verdade, chega-se para 
      a luz, a fim de que as suas obras sejam manifestas; porque são feitas 
      segundo Deus” (S. João, III, 17-21). Pouco adiante, ainda diz o Senhor, de 
      Si mesmo: “Ele testifica o que viu e ouviu, mas ninguém recebe o seu 
      testamento” (S. João, III,31). 
      E por isso disse o Mestre da cegueira dos 
      fariseus: – Eu vim a este mundo para exercer um juízo; para que os que não 
      vêem vejam, e os que vêem se tornem cegos. E ouviram isto alguns dos 
      fariseus que estavam com ele, e disseram-lhe: porventura também nós somos 
      cegos? Jesus disse-lhes: se vós fosseis cegos, não teríeis culpa; mas pelo 
      contrário, vós dizeis: nós vemos. Fica pois subsistindo vosso pecado” (S. 
      João, IX, 39). 
      É, pois, muito explicável que S. João tenha 
      escrito no prólogo de seu Evangelho: “Nele estava a vida e a vida era a 
      luz dos homens. E a luz resplandeceu nas trevas, e as trevas não a 
      compreenderam”. E o Apóstolo acrescentou: “era a luz verdadeira que 
      ilumina todo o homem que vem a este mundo. Estava no mundo e o mundo foi 
      feito por ele, e o mundo não o conheceu. Veio para o que era seu, e os 
      seus não o receberam”. 
      De tudo isto, guardemos uma conclusão 
      importante. Nem os maiores milagres de Nosso Senhor venceram a obstinação 
      de certas almas. A. A.C. não deve, pois, esperar que ela leve de roldão 
      todos os obstáculos, e não esbarre, por sua vez, ante almas endurecidas. 
      Ouçamos S. João (XII, 37-42) e seu comentário 
      acerca do endurecimento de alguns corações, mesmo ante os maiores milagres 
      de Nosso Senhor: “E tendo ele feito tantos milagres em sua presença não 
      criam nele, cumprindo-se a palavra do profeta Isaías, quando disse: 
      “Senhor, quem creu o que ouviu de nós? E a quem foi revelado o braço do 
      Senhor? Por isso não podiam crer porque Isaías disse também: “Obcecou-lhes 
      os olhos e endureceu-lhes o coração, para que não vejam com os olhos e não 
      entendam com o coração, e não se convertam e eu não os sare. Isto disse 
      Isaías, quando viu a sua glória e falou dele. Todavia, também muitos dos 
      principais creram nele; mas, por causa dos fariseus, não o confessavam, 
      para não serem expulsos da sinagoga. Porque amaram mais a glória dos 
      homens do que a glória de Deus”. 
      O mesmo pode suceder à A.C.; e ainda que não 
      esbarre em todas as portas, encontrará muitas e muitas fechadas, como 
      aconteceu a S. Paulo, que falando no Areópago, só arrastou algumas poucas 
      almas. Neste caso, a alternativa se impõe inexorável; e, como esta 
      alternativa já se tem formulado a tantos e tantos bispos e párocos 
      zelosos, a A.C. deve humildemente reconhecer que a ela se lhe anteporá 
      também em muitas ocasiões: ou massa, ou elite. 
      Com efeito, de nada valeria a alegação de que 
      o homem contemporâneo é de coração muito menos duro que os judeus do tempo 
      de Cristo. O Santo Padre Pio XI, de quem já citamos a opinião de que nossa 
      época se parece com os tempos abominabilíssimos do Anticristo, afirmou na 
      Encíclica “Divini Redemptoris” que o mundo hodierno chegou a tal 
      degradação que está ameaçado de cair ainda mais baixo do que estava antes 
      de Cristo! 
      
      Insubstituível fecundidade das elites
      
      A esta inevitável alternativa, respondemos 
      optando decididamente não pela massa, mas pela elite. Os princípios mais 
      fundamentais de apostolado a isto nos levam. Quem tiver lido o admirável 
      livro de D. Chautard, “A Alma de todo apostolado” 
      terá visto por certo que a fecundidade do apostolado resulta muito mais do 
      grau de virtude do apóstolo, do que do talento e das qualidades naturais 
      que ele possa desenvolver, ou do número de auxiliares que inscrever em sua 
      associação. A graça de Deus é que, em última análise, opera as conversões; 
      e o homem não é senão um canal, tanto mais útil, quanto menos obstruído 
      por seus vícios e pecados. Assim, uma pessoa generosa pode trazer para 
      Deus muito maior número de almas do que uma multidão de apóstolos de pouca 
      formação. A vida de um S. Francisco de Sales, de um S. Francisco de Assis, 
      de um Sto. Antônio de Pádua prova-nos, à saciedade, quão verdadeira é esta 
      afirmação. É, pois, no interesse da própria massa, afim de tornar mais 
      ampla a difusão da graça, que devemos preferir que a A.C. seja um punhado 
      de apóstolos verdadeiros, a que se torne vasta e inexpressiva multidão. 
      O desejo de fazer da A.C. um movimento que, na 
      ilusão de ser de elite e de massa simultaneamente, será, na realidade, só 
      de massa, decorre por vezes do generoso anseio de estender rapidamente os 
      benefícios espirituais da A.C.. Esquece-se de que “Deus não deseja ter uma 
      multidão de filhos infiéis e inúteis” (Eclesiástico, XV, 21-22). 
      Mas é muito discutível que os recrutamentos 
      tumultuários e rápidos de grandes massas signifiquem efetivamente a 
      distribuição de grandes benefícios espirituais, quando não tenham por base 
      uma levedação lenta, gradual e segura. 
      A própria experiência que temos sob os olhos 
      prova, à evidência, que os movimentos, que crescem com excessiva rapidez, 
      rapidamente decaem em fervor. 
      Aos poucos, passado um entusiasmo todo 
      fictício, essas massas se dissolvem, sem que seus elementos hajam 
      melhorado de modo ponderável. E assim se confirma a punição de Deus por 
      esse orgulhoso açodamento: “Os bens que se ajuntam muito depressa 
      diminuirão, mas os que se colhem à mão, pouco a pouco, multiplicar-se-ão” 
      (Prov XIII, 13). 
      De todos os tempos, preferiu a Igreja um clero 
      pouco numeroso mas santo a um clero pouco santo mas numeroso. Por maior 
      que seja a falta de sacerdotes entre nós, ninguém se lembrou, jamais, de 
      remediar o mal tornando mais elásticas as condições para promoção ao 
      sacerdócio, muito pelo contrário. O mesmo argumento vale, em todo sentido, 
      para a A.C.. Em suma, a A.C. deve fazer uma tal seleção, deve ser uma tal 
      “elite” que possa sempre corresponder à paternal e altiva afirmação de Pio 
      XI: seus membros “são os melhores dentre os bons” (Enc. “Non abbiamo 
      bisogno” de 29-VI-1931). 
      
      Meio termo impossível
      
      Mas não poderia a A.C. ser ao mesmo tempo um 
      movimento de massa e de elite, no sentido de conter em seu grêmio, 
      indistintamente, valores espirituais de primeira categoria e uma grande 
      multidão de outros, medíocres ou tíbios? 
      Consideramos tão infundada a opinião dos que 
      entendem que a A.C. deve ser franqueada até aos elementos que vivem 
      habitualmente em estado declarado de pecado mortal, que é supérfluo 
      discuti-la. 
      Sustentamos, porém, ainda, que da A.C. não 
      devem fazer parte todos os católicos, que cumpram as mais elementares 
      exigências da lei de Deus e da Igreja, mas somente aqueles que, por sua 
      assídua freqüentação dos Sacramentos, vida modelar e atitudes edificantes, 
      realmente constituem um escol. 
      Assuntos como estes não devem ser resolvidos 
      de modo puramente teórico, mas com os olhos postos na realidade concreta. 
      E a primeira lição que esta realidade nos oferece consiste em que ninguém, 
      ou quase ninguém, em nossos dias, consegue manter-se na prática, ainda 
      mesmo mínima, dos mandamentos da Lei de Deus, se não se aproximar 
      assiduamente dos Santos Sacramentos. Esta verdade vale para quase todas as 
      idades e condições. Tome-se um jovem, um estudante por exemplo, meça-se a 
      violência da luta que ele deve desenvolver para vencer o tumulto das 
      paixões, as mil e uma solicitações para o mal que a todo o momento lhe vêm 
      dos fatores de corrupção modernos, e pergunte-se se, sem uma vida 
      eucarística real, ele pode vencer o combate. O chefe de família, que tão 
      freqüentemente deve optar entre transações desonestas ou a miséria para o 
      lar, a mãe de família que tantas vezes cumpre com o risco da vida o dever 
      da maternidade, podem dizer melhor do que ninguém se, com uma simples 
      comunhão anual, cumpririam seus deveres. 
      Assim, é simplesmente temerário afirmar que a 
      mera prática anual dos deveres impostos pela Igreja é critério para 
      diferenciar o católico, que pode ser apóstolo por estar na posse habitual 
      do estado de graça, do que não o é. 
      Conclui-se daí que, tomando a A.C. por 
      critério de seleção a simples prática da Comunhão e confissão anuais, não 
      poderá preservar-se de ser transformada em uma dessas multidões 
      inexpressivas que, por vezes, são muito mais difíceis de fazer fermentar, 
      do que se possa imaginar. 
      A isto acresce que, como já dissemos em 
      capítulo anterior, um dos mais importantes deveres que tocam a A.C. é, sem 
      dúvida, o de proporcionar aos seus membros, e, muito particularmente, aos 
      jovens, uma sede social para as horas de lazer. Se a A.C. não quiser 
      fracassar, deverá lançar mão necessariamente deste meio de ação, do qual, 
      com o nome de “Dopolavoro” e “Kraft durch Freude” tanto proveito tiraram o 
      Fascismo e o Nazismo. É esta a grande alavanca de que se serve a mística 
      totalitária. Ora, imagine-se que ambiente de tintas diluídas, que ambiente 
      perigoso por vezes, seria a sede da A.C., em uma paróquia em que todos os 
      católicos de Comunhão e Confissão anuais fossem admitidos em seus quadros. 
      Consciências laxas, eivadas de naturalismo e da infiltração de tantos 
      erros do século, espíritos minimalistas e acomodatícios, tais elementos só 
      serviriam para constituir um ambiente irrespirável, que tornaria nociva ou 
      estéril qualquer iniciativa para o soerguimento das almas. 
      Como conseqüência, é bem patente que só podem 
      fazer parte da A.C. elementos de escol, assim considerados segundo o 
      melhor critério, que é sempre a vida modelar, ligada à prática assídua – e 
      quanto mais assídua melhor – dos Sacramentos. 
      
      A voz dos Papas
      
      Toda razão tinha, pois, o Santo Padre Pio X, 
      quando desejava como colaboradores leigos da Igreja “católicos à toda 
      prova, inteiramente submissos à Igreja e, em particular, a esta Suprema 
      Cátedra Apostólica e ao Vigário de Jesus Cristo sobre a terra; devem ser 
      homens de piedade máscula e verdadeira, de costumes puros e de vida de tal 
      maneira imaculada, que a todos sirva de exemplo eficaz. 
      “Se o espírito não estiver formado desse modo, 
      não somente será quase impossível agir com reta intenção, mas as forças 
      faltarão para suportar, com perseverança, as contrariedades que traz 
      consigo todo apostolado, as calúnias dos adversários, a frieza e o pequeno 
      concurso dos próprios homens de bem, por vezes enfim, as invejas dos 
      amigos e companheiros de armas, desculpáveis sem dúvida, dada a fraqueza 
      da natureza humana, mas altamente prejudiciais e causas de discórdias, 
      atritos e choques intestinos. Só uma virtude paciente e firme no bem, ao 
      mesmo tempo suave e delicada, é capaz de afastar e diminuir estas 
      dificuldades, de maneira que o trabalho, a que estão consagradas as forças 
      católicas, não seja comprometido” (“Il fermo proposito” de 11 de Junho de 
      1905). – “Por isto mesmo queria o Santo Padre Bento XV que os apóstolos 
      leigos “fossem profundamente penetrados pelas verdades da Fé Católica, 
      para que cada qual, conhecendo seus deveres e seus direitos, se conduza de 
      acordo com eles”. E o Pontífice acrescenta: “resumimos em uma palavra 
      nosso pensamento: Jesus Cristo deve ser formado nas almas dos fiéis antes 
      que eles possam combater por Ele. Se circunstâncias novas parecem exigir 
      obras novas, só as realizarão sem dificuldade aqueles que... tiverem sido 
      bem preparados para a luta da Lei” (Carta “Acepimus”, de 1º de agosto de 
      1916). – E Pio XI, na Carta Apostólica sobre S. Luiz de Gonzaga, 
      acrescenta que “aqueles que não possuírem um patrimônio de virtudes 
      interiores, nós não os julgaríamos aptos para as tarefas do apostolado: 
      tanto quanto o bronze que soa ou o tímpano que repercute, eles não 
      poderiam prestar serviços, mas 
      antes prejudicariam a causa que pretendem defender: a experiência de 
      épocas precedentes já o demonstrou.” (Carta Apostólica “Singulare 
      Illud” de 13 de Junho de 1926). 
      Seria talvez conveniente acrescentar mais um 
      tópico da mesma Carta Apostólica: 
      “Deve-se fazer sentir aos jovens, inclinados 
      por natureza para as obras exteriores e sempre apressados em se atirar ao 
      campo de batalha da vida, que, antes de pensar nos outros e na causa 
      católica, lhes será necessário lutar por sua própria perfeição interior 
      por meio do estudo e da prática das virtudes” (Pio XI, Carta Apostólica 
      “Singulare Illud”, de 13-6-1926). 
      Como vemos, nada poderia ser mais concludente. 
      Desta luminosa doutrina dos Pontífices, não se 
      pode encontrar melhor comentário do que o livro de D. Chautard que já 
      citamos. Para ele remetemos o leitor desejoso de mais extensa 
      argumentação. De tudo quanto ficou dito retenhamos apenas a conseqüência 
      recolhida da pena de Pio XI: serão nocivos à causa da Santa Igreja os 
      católicos que a A.C. recrutar tumultuariamente. 
      Falta-nos apenas considerar um argumento: se 
      Pio XI convocou todos os fiéis para a A.C., como pretender que só alguns 
      devem entrar na A.C.? 
      A isto se responde com toda facilidade. Se Pio 
      XI julgava nocivo que na A.C. se aproveitasse a colaboração de “oves et 
      boves... et serpentes” como se poderia pretender que ele teve em mira 
      convocar a todos? É que ele incitou a que todos adquirissem uma formação 
      suficiente, para depois, e, caso a autoridade os julgasse aptos, virem a 
      trabalhar na grande milícia do apostolado. “Muitos, com efeito, são os 
      chamados e poucos os escolhidos” (Mat. XXII, 14). 
      *   *   * 
      
      Vida interior acima de formação técnica
      
      
      Mas, de que natureza deve ser esta formação? 
      A este respeito se tem feito, com razão, uma 
      distinção entre formação espiritual, destinada a dotar o apóstolo das 
      virtudes necessárias, e a chamada “formação técnica”, que tem por objetivo 
      ensinar ao estagiário ou membro da A.C. os meios de que se deve servir 
      para tornar eficaz seu apostolado. 
      Tem-se divulgado, infelizmente, entre nós, a 
      doutrina de que a chamada preparação técnica é muito mais importante do 
      que a preparação espiritual, a tal ponto que, em certos círculos, ocupa 
      lugar preponderante, ou quase exclusivo. Discordamos deste modo de 
      entender. Uma simples localização do problema em seus devidos termos 
      mostra a sua verdadeira solução. 
      Se bem que se possa estabelecer 
      entre a formação técnica e a formação espiritual uma certa distinção, esta 
      jamais poderá implicar em separação. Com efeito, a formação técnica 
      compreende noções sobre o fim, natureza, estrutura da A.C., suas relações 
      com a Hierarquia e as várias organizações do laicato, o meio de expor a 
      verdade, atrair as almas, e conquistá-las para Jesus Cristo; o 
      devotamento, o entusiasmo, o espírito sobrenatural com que o apostolado 
      deve ser feito, o conhecimento do ambiente e dos problemas sociais, etc.. 
      Ora, sem instrução religiosa séria, sem verdadeiro senso católico, é 
      absolutamente impossível ter-se de todos estes assuntos, uma ideia exata. 
      Os numerosos erros, que neste livro vimos refutando, provam de sobejo 
      quanta razão nos assiste ao afirmá-lo. 
      Ademais, a posse das qualidades
      naturais, tão úteis ao 
      apostolado, está longe de ser o fator mais importante do êxito. Prova-o o 
      próprio caráter sobrenatural da comunicação da graça, que é a essência do 
      apostolado. Limitemo-nos somente a narrar aqui um fato típico referido por 
      D. Chautard. 
      É evidentemente conforme ao bom senso que se 
      desenvolva com todo o esmero a formação técnica. Mas seria um absurdo 
      negligenciar a formação espiritual, sacrificando-a à formação técnica. 
      Antes pelo contrário, se algum sacrifício devesse ser feito, sê-lo-ia 
      necessariamente em detrimento da técnica e em proveito da vida interior. 
      Em outros termos, na ordem dos valores a formação espiritual deve preceder 
      a formação técnica. 
      Leiamos o esplêndido exemplo que, a este 
      respeito, narra Dom Chautard: 
      “Uma Congregação de admiráveis Irmãs 
      catequistas era dirigida por um Religioso, cuja vida se escreveu há pouco. 
      “Minha Madre, disse um dia esse homem interior a uma Superiora local, sou 
      de opinião que a Irmã X..., deixe, pelo menos durante um ano, de ensinar o 
      catecismo. – Mas, meu Padre, talvez V. R. não tenha pensado que essa Irmã 
      é a melhor das diretoras. As crianças concorrem de todos os bairros da 
      cidade, atraídas pelas suas maneiras maravilhosas. Retirá-la do catecismo 
      é provocar a deserção da maior parte desses rapazinhos. – Assisti da 
      tribuna ao seu catecismo, respondeu o Padre. Ela deslumbra, com efeito, as 
      crianças, mas de uma forma demasiadamente humana. Após mais um ano de 
      noviciado, melhor formada na vida interior, ela há de santificar então a 
      sua alma e as almas das crianças pelo seu zelo e pela utilização dos seus 
      talentos. Mas atualmente, ela é, sem o pensar, um obstáculo à ação direta 
      de Nosso Senhor sobre essas almas que se estão preparando para a primeira 
      Comunhão. Vamos, Madre, vejo que a minha insistência a contrista. Pois 
      bem: aceito uma transação. Conheço a Irmã N..., alma muito interior, mas 
      sem grandes dotes de inteligência. Peça a Sua Superiora Geral que lha 
      envie por algum tempo. A primeira virá começar por um quarto de hora o 
      catecismo, precisamente para acalmar os seus temores de deserção; depois, 
      pouco a pouco, há de retirar-se completamente. Verá como as crianças 
      rezarão melhor e cantarão mais piedosamente os cânticos. O recolhimento e 
      a docilidade delas hão de refletir então um caráter mais sobrenatural. 
      Esse será o termômetro. 
      “Quinze dias depois (a Superiora pôde 
      comprová-lo), a Irmã N... dava sozinha as lições e sem embargo aumentava o 
      número das crianças. Era verdadeiramente Jesus que dava o catecismo por 
      ela. Pelo seu olhar, sua modéstia, sua doçura, sua bondade, pela sua 
      maneira de fazer o sinal da cruz ela
      dizia Nosso Senhor. A Irmã X... 
      conseguia explicar com talento e tornar interessante as coisas mais 
      áridas. A Irmã N... fazia mais. Certamente ela nada negligenciava para 
      preparar as suas explicações e expô-las com clareza, mas o seu segredo, o 
      que dominava no seu curso, era a unção. É por meio desta unção que as 
      almas se põem verdadeiramente em contacto com Jesus. 
      “Nos catecismos da Irmã N... não abundavam 
      essas expansões ruidosas, esses olhares estupefatos, essa fascinação que, 
      de igual sorte, provocaria qualquer conferência interessantíssima de um 
      explorador ou a comovente narração de uma batalha. 
      “Ao invés havia uma atmosfera de atenção 
      recolhida. – Aquelas crianças estão na sala do catecismo como na igreja. 
      Nenhum meio humano se emprega para impedir a dissipação ou o 
      aborrecimento. Qual é pois a influência misteriosa que paira sobre essa 
      assistência? Não nos iludamos, é a influência de Jesus que ali diretamente 
      se exerce. Porque uma alma interior, explicando as lições de catecismo, é 
      uma lira que vibra tão somente sob os dedos do Artista divino. E nenhuma 
      arte humana, por maravilhosa que seja, é comparável à ação de Jesus” (“A 
      alma de Todo o Apostolado” – págs. 144-145 da edição portuguesa). 
 
 
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