Folha de S. Paulo,
        29 de 
        janeiro de 1969
        
        
        Importância real e importância publicitária
        
        Sinto 
        que para corresponder ao interesse - ou melhor, à avidez de informações 
        - do público em relação à TFP, não posso prosseguir pura e simplesmente 
        em minha exposição anterior. Pois seria obrigado a entrar na exposição 
        de fatos de um gênero com o qual o leitor mediano está pouco 
        familiarizado. Devo, pois, começar por explicar qual o alcance das 
        coisas e dos eventos de que tratarei. E, para isto, o melhor é mostrar 
        que essas coisas e esses eventos estão no âmago dos grandes problemas 
        com que se ocupam os brasileiros realmente amorosos de sua Pátria.
        
        * * *
        
        É um 
        lugar comum afirmar que as forças propulsoras de cada país são as suas 
        grandes instituições. No Brasil, as principais dentre elas são a Igreja, 
        as Forças Armadas, as associações de classe e as universidades. 
        Acrescentemos ainda - não sem alguma benevolência - os partidos 
        políticos.
        
        De 
        todas estas instituições trata amiúde a imprensa. Mas, fazendo-o, ela 
        nem sempre lhes dá um relevo proporcionado à importância real de cada 
        uma. O grande noticiário é habitualmente consagrado à política, isto é, 
        ao jogo das discrepâncias entre os partidos e à atuação dos organismos 
        oficiais sob o impulso do pluripartidarismo. O que diz respeito às 
        demais instituições é apresentado muitas vezes em um plano secundário. 
        Daí vem que um enorme número de leitores imagina serem as ocorrências 
        dos arraias políticos mais importantes para o futuro do país do que os 
        eventos de outra ordem. Um debate sensacional entre deputados teria, 
        nesta perspectiva, sempre e forçosamente, muito mais alcance do que o 
        provimento de uma cátedra universitária, a aprovação ou a condenação de 
        um ponto de doutrina pela Igreja etc.
        
        O 
        momento é adequado a que o leitor se dê conta de quanto a vida 
        partidária - à qual não negamos sua autêntica e razoável dose de 
        importância - é pobre em nosso País. Com uma penada foi possível por em 
        recesso a atividade partidária. Houve os que se alegraram com a medida, 
        e os que não se alegraram. De qualquer modo, o fato é que o recesso aí 
        está. Agora pergunto: que convulsões inimagináveis, que imprevisíveis 
        complicações, que obstáculos intransponíveis encontraria diante de si um 
        governo que quisesse por em recesso (como pediu afoitamente o Pe. 
        Comblin - hoje em aprazível sossego na Arquidiocese de Recife) as Forças 
        Armadas ou o Episcopado? Ou que pleiteasse a suspensão sine die 
        de universidades e entidades de classe?
        
        O 
        argumento faz entrar olhos a dentro a seguinte verdade: não é 
        simplesmente segundo o relevo que lhes dá a maioria dos jornais, que se 
        pode adquirir uma noção exata da importância dos diversos 
        acontecimentos. Os fatos da vida interna das grandes instituições 
        apolíticas - das quais mencionei quatro, mas poderia mencionar tantas 
        outras - podem ter para o país uma importância maior do que muitos e 
        muitos eventos partidários. E se um brasileiro lúcido quiser conhecer, 
        em sua medula, a vida do País, há de consagrar uma atenção séria e 
        contínua ao que se passa no interior de nossas grandes instituições.
        
        
        Assim, por exemplo, a elevação ao episcopado de um D. Helder, de um D. 
        José Maria Pires (o D. Pelé da televisão) e outros tantos, teve para a 
        vida interna da Igreja uma importância comparável apenas à nomeação para 
        Bispos, de D. Sigaud e de D. Mayer. Todos estes fatos tiveram, por sua 
        vez, no decurso do tempo, uma importância muitíssimo maior para o País 
        do que grande parte dos eventos partidários ocorridos no mesmo período. 
        É um exemplo típico da altíssima relevância que podem ter, em plano 
        nacional, os sucessos ocorridos no interior de grandes instituições 
        apolíticas.
        
        * * *
        
        
        Digo-o porque sem se contar a pré-história, no Brasil, da imensa crise 
        que infelizmente sacode a Igreja, é impossível compreender-se a gênese 
        da TFP, bem como o dinamismo intenso das simpatias e antipatias que em 
        torno dessa entidade se movimentam. E isso sem embargo de ser ela uma 
        entidade cívica.
        
        Para 
        convidar meus leitores a se interessarem por essa imprescindível 
        pré-história, quis provar-lhes que ela se relaciona com o que há de mais 
        profundo na vida do Brasil hodierno. Se Deus quiser, procederemos, na 
        próxima quarta-feira, à narração destes fatos. Eles explicam muitos dos 
        aspectos da TFP: por exemplo, nossa coesão ideológica e estrutural tão 
        firme que chega a desconcertar os que nos vêem de fora para dentro.