Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Artigos na

 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 20 de agosto de 1969

Duas grandes esperanças e três perguntas incômodas

"Hoje em dia, é otimista quem admite que, dentro de alguns anos, ficaremos reduzidos a comer pedregulhos. O pessimista, de seu lado, julga que os pedregulhos não bastarão para todos". Ao ler, em uma revista francesa este melancólico gracejo atribuído a Frank Fernandel, pensei no que li de alentador em outra revista — "A Saúde do Mundo" — publicada pela Organização Mundial da Saúde.

Ao prof. E. J. Bigwood sobram as credenciais. É ele diretor do Centro de Pesquisas sobre Legislação Alimentar do Instituto de Estudos Europeus e professor emérito de Bioquímica e Nutrição da Universidade de Bruxelas. Com a autoridade de seus títulos, e sobretudo de seu saber, fez ele, àquela revista, declarações esperançosas sobre o futuro do mundo sob a epígrafe "Alimento para o ano 2000". É oportuno que elas saiam do âmbito dos especialistas para o do grande público.

Depois de lembrar que a produção de proteína animal tem de triplicar até o fim do século, a fim de corresponder às necessidades de consumo vertiginosamente crescentes da humanidade, Bigwood cuida dos novos meios para atender a essa prodigiosa demanda.

Passa ele rapidamente — e com certo ceticismo — sobre a possibilidade prática de exploração industrial do plancto do mar, e aponta a solução em um campo inesperado para os leigos: o aproveitamento da proteína de microrganismos que são subprodutos da refinação do petróleo. Menciona Bigwood, a tal respeito, os estudos feitos por Champagnat, na França, os quais conduzem à certeza de que, se for possível instalar fábricas para produção de tais proteínas, "teremos, antes do fim do século, atendido o aumento da demanda de proteína comestível de alto valor biológico, equivalente ao dobro, talvez até mesmo ao triplo das 20 milhões de toneladas de proteína animal que constituem a produção mundial de hoje". Acrescenta Bigwood que "duas empresas industriais muito poderosas estão colaborando no desenvolvimento de um processo e chegaram à fase em que já estão em condições de experimentar em animais um produto padronizado".

Como se entrevê, o aproveitamento desse fabuloso manancial de riquezas ainda depende de problemas industriais não pequenos, de ordem não só técnica como — segundo presumimos — também financeira. Mas, para os resolver, importantes realizações já estão em curso.

Em outro artigo da mesma revista se entra mais a fundo do que o prof. Bigwood na análise das riquezas que o mar pode proporcionar para a solução do problema da fome, e nos apresenta, a tal respeito, perspectivas maravilhosas. Lembram os dois autores desse artigo que "os produtos do mar já são utilizados nas indústrias dos alimentos e dos tecidos, na medicina, na agricultura, no cultivo da uva, na criação de gado e na construção civil". No entanto, os mares só contribuem com 1% da produção mundial de alimentos. Com exceção de poucos países como a França e o Japão, ninguém cultiva mariscos, crustáceos e algas. Entretanto, sempre segundo os autores, tal cultivo é muito viável: "Oitenta por cento da energia do sol que atinge a terra — dizem eles —é absorvida pelas algas e apenas 20 por cento pelas plantas terrestres. Essa parte da energia solar que é atualmente absorvida pela vegetação natural das águas costeiras poderia, se aplicada às plantas marinhas que podem ser transformadas em alimento humano ou animal, produzir uma safra suficiente para alimentar 58 bilhões de pessoas. Se as reservas totais dos oceanos pudessem ser utilizadas dessa maneira, seria possível produzir quatro a cinco vezes mais, ou alimento suficiente para 290 bilhões de pessoas".

Não é necessário ir mais longe. Limito-me a acrescentar que, segundo um cientista citado pelos autores, "a capacidade produtiva do mar é mais de mil vezes a da terra arável".

Quem são esses autores, cujo nome intencionalmente só agora menciono? V. Bogorov, membro correspondente da Academia de Ciências da Rússia, e V. Stepanov, doutor em Ciências Geográficas.

* * *

Não disponho de elementos para calcular que gastos serão necessários para que o homem se possa beneficiar desses imensos recursos que a Providência põe ao seu alcance. Nem quanto tempo será necessário para que feitos esses gastos, o problema da fome esteja por fim resolvido. Presumivelmente, à medida que se forem aplicando recursos nesses novos campos de produção alimentar — o petróleo e o mar — também irão aparecendo processos mais rápidos e menos custosos, de sorte que a solução está em começar já, e na maior escala possível.

Penso que, à vista disto, os dois cientistas soviéticos — se fossem conseqüentes — deveriam pedir ao Kremlin que aplicasse as maiores somas na imediata exploração dessas novas riquezas. Pelo menos se o Kremlin deseja — como apregoa a propaganda comunista — eliminar a fome no mundo. Os recursos para tanto, claro está que não poderiam ser cobrados de um pobre povo como o russo, esmagado pelo dirigismo e pela burocracia, depauperado, além disto, pela atonia econômica inerente a todo regime socialista. Bastaria que os déspotas do Kremlin cessassem de fomentar, pelo mundo todo, a luta de classes, e aplicassem as verbas, que a isto destinam, para acelerar o passo rumo à conquista efetiva das mais modernas fontes de riqueza. Melhor ainda seria se, além disto, eles renunciassem a impor ao povo um regime político-social que este detesta. Os gastos com polícia, espionagem, censura etc., poderiam então ser investidos no mesmo fim. E, praticando assim um nobre "suicídio" político, o PC russo, pela primeira vez, teria feito algo de prático em favor dos pobres...

Mas, por certo, os referidos cientistas soviéticos não farão tal pedido. É que estão bem convencidos de que o objetivo último do comunismo não é saciar a fome dos pobres.

* * *

Uma referência agora aos norte-americanos. Juntamo-nos a eles para aplaudir, com calor, o recente feito de seus três destemidos astronautas. Porém, permitam-nos uma pergunta amiga: não seria mais interessante para o gênero humano aproveitar urgentemente as proteínas do mar ou dos microrganismos do petróleo, do que conquistar a Lua? E não valeria mais a pena inverter, para matar a fome dos homens, todo o dinheiro que foi e será aplicado em viagens à Lua?

* * *

E, por fim, outra pergunta aos curas progressistas manobrados pelo IDO-C e pelos "grupos proféticos". Já que eles tanto intervém nos problemas econômicos e sociais, por que — em lugar de espalharem a subversão na Igreja e no mundo — não se empenham em uma imensa cruzada de esclarecimento e incentivo para que todos os governos, todos os cientistas, todos os magnatas e todos os povos cooperem largamente no sentido de proporcionar aos homens, quanto antes, o alimento que as novas conquistas da ciência lhes prometem? Por que, em vez de pedir a Moscou ou Pequim a fórmula salvadora, não a procuram no mar e no petróleo? (No Santo Evangelho não digo, porque eles de há muito o relegaram a plano secundário). Por que, em lugar de pedir a Paulo VI medidas para desmantelar a Igreja, não lhe pedem que, com a mesma influência da Santa Sé, tome a direção deste movimento universal? Como seria belo ver essas novas fontes de alimento franqueadas à humanidade por aquele mesmo cuja altíssima missão está o lembrar aos homens que não é só de alimento que eles vivem!


Home