Folha de S. Paulo,
        30 de 
        novembro de 1969
        
        SOS 
        de milhões – A mala pequena – "Tudo normal"
        
        Tenho 
        a alegria de informar aos leitores haver sido entregue no Vaticano, em 
        caixas medindo 80 x 50 x 20 centímetros, os microfilmes dos 
        abaixo-assinados em que cerca de dois milhões de católicos brasileiros, 
        argentinos, chilenos e uruguaios pedem ao Papa Paulo VI medidas para 
        obstar a infiltração comunista nos meios católicos de seus países.
        
        A 
        entrega, feita pessoalmente por um amigo da TFP, realizou-se no dia 7 do 
        corrente. A importante documentação foi confiada a um minutante, na 
        Secretaria de Estado da Santa Sé.
        
        * * *
        
        
        Desejo que o público conheça o trabalho lento e insano que precedeu a 
        essa entrega.
        
        O 
        primeiro problema que se nos apresentou, encerrada a campanha, foi o de 
        como fazer chegar ao Vaticano as incontáveis folhas do abaixo-assinado. 
        Formam elas — colocadas uma sobre as outras — uma pilha com cerca de 10 
        metros de altura. Não convinha confiá-las aos meios comuns de transporte 
        postal. Restava pedir que a remessa se efetuasse em mala diplomática do 
        Vaticano.
        
        Por 
        isto, as TFPs argentina, chilena e brasileira e o Núcleo Uruguaio de 
        Defesa da Tradição, Família e Propriedade deliberaram, como medida 
        prévia, centralizar todos os abaixo-assinados no Brasil. Seria assim uma 
        só, a Nunciatura a encaminhá-los à Santa Sé. O transporte das listas 
        para o nosso país fez-se pelos préstimos de sócios das TFPs que 
        ocasionalmente vieram ao Brasil.
        
        * * *
        
        
        Impunha-se entretanto uma pergunta. Não seriam as listas por demais 
        volumosas para transporte na mala diplomática da Nunciatura? Pareceu, 
        assim, necessário microfilmar todas as listas. Poderíamos então oferecer 
        à Nunciatura uma alternativa: enviar os originais ou os microfilmes.
        
        Mas, 
        antes da microfilmagem, deparávamo-nos com a mais laboriosa das tarefas: 
        a recontagem.
        
        
        Cumpria que a soma das assinaturas colhidas fosse cuidadosamente 
        revista. A recontagem, por sua vez, importava em delicada tarefa de 
        seleção. Com efeito, não quisemos computar as assinaturas ilegíveis, as 
        que vinham seguidas de endereços vagos ou indecifráveis etc. Para toda 
        esta faina, constituímos algumas equipes de probidade à toda prova. 
        Entre elas, uma equipe feminina, à qual me alegra prestar aqui especial 
        homenagem.
        
        Durou 
        o serviço de seleção e recontagem um mês e meio, tendo sido apurados 
        como resultado os totais logo em seguida anunciados oficialmente pela 
        TFP à imprensa: 1.600.368 assinaturas no Brasil, 280.000 na Argentina, 
        120.000 no Chile e 40 mil no Uruguai. Total: 2.040.368 assinaturas.
        
        
        Chegou então a vez da microfilmagem. O processo mais rápido consistia em 
        entregar a tarefa a alguma empresa especializada. Mas o preço global do 
        serviço se averiguou elevadíssimo. Dirigimo-nos, então, a mais de um 
        estabelecimento possuidor de aparelhagem para seu próprio uso, a fim de 
        vermos se nos executaria, a preço de custo, o árduo serviço. Depois de 
        lentas marchas e contramarchas, chegamos afinal a um serviço com 
        desconto.
        
        
        Começou então a microfilmagem. Esta resultou na elaboração de 85 rolos, 
        com os seguintes comprimentos: 80 rolos com 30,48 metros, 4 rolos com 20 
        metros, 2 rolos com 10 metros, 2 rolos com 24 metros, e 1 rolo com 26 
        metros, tendo cada microfotografia 16 milímetros de largura por 25 de 
        comprimento.
        
        * * *
        
        
        Entrementes, vagara a Nunciatura Apostólica. Cumpria esperar que o novo 
        Núncio tomasse posse e se aclimatasse um pouco no país. Assim, foi só a 
        20 de junho último que escrevi uma carta a Dom Umberto Mozzoni, rogando 
        a S. Exa., a gentileza de incluir na mala diplomática o envio de 
        histórica importância. Ao mesmo tempo, eu solicitava a S. Exa. que 
        fizesse a escolha entre os textos originais do abaixo-assinado ou os 
        microfilmes.
        
        
        Parecia-me, esta, a parte mais fácil e mais rápida do serviço. 
        Imaginava eu que abaixo-assinados — importantíssimos pelo número de 
        signatários, pela alta qualidade de muitos deles (arcebispos, bispos, 
        ministros de Estado, governadores e secretários de Estado, altas 
        patentes das Forças Armadas, parlamentares, professores universitários 
        etc.), pelo tema que versavam — houvessem de encontrar a maior 
        facilidade em ser transportados na mala diplomática na qual ocupariam o 
        volume de 80 decímetros cúbicos.
        
        Minha 
        impressão era explicável. O Motu proprio "Sollicitudo omnium 
        Ecclesiarum", de 24-6-69, a respeito do múnus dos Núncios, 
        recomenda-lhes que comuniquem "à Sé Apostólica as opiniões e aspirações 
        dos bispos, clero, religiosos e fiéis leigos de seu território".
        
        Como 
        eu me enganava! O ilustre representante da Santa Sé respondeu-me, em 
        carta de 2 de julho, que "por disposição dos superiores, o correio 
        diplomático da Nunciatura está estritamente reservado às comunicações 
        oficiais. Portanto, esta Nunciatura não pode encarregar-se de encaminhar 
        material alheio". Pelo visto, é pequena a mala diplomática da 
        representação que a Santa Sé mantém junto ao país de maior população 
        católica da Terra. Não sei de quem depende a obtenção de uma "valise" 
        diplomática maior, se à Nunciatura, se ao Itamarati. Seja como for, aqui 
        meu apelo àquela e a este, para se remediar a tão danosa exigüidade da 
        "valise" atual.
        
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        Os 
        subseqüentes meses se passaram na espera de um portador de confiança. 
        Obtivemo-lo em outubro. Foi o advogado mineiro, sr. Carlos Alberto 
        Soares Corrêa, que efetuou a entrega dos microfilmes no Vaticano, em 7 
        deste mês. Quis acompanhá-lo no ato, seu ilustre amigo, monsenhor Marcel 
        Lefèbvre, arcebispo titular de Synnada.
        
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        Dura 
        foi a tarefa, e penosa a espera. Porém mais duro ainda foi presenciar 
        que, nesse meio tempo, o padre Comblin — depois de um período de "moita" 
        — voltou, por conferências e artigos, a intoxicar os meios religiosos. 
        Enquanto o Emmo. cardeal Rossi, presidente da CNBB, informava aos 
        jornais, pouco antes de ir a Roma, que não tinha conhecimento de 
        infiltração comunista no clero. E o Emmo. cardeal Câmara, mal aportou no 
        Brasil, declarou à imprensa ter asseverado a Paulo VI que a situação do 
        clero no Brasil é "totalmente normal, não havendo qualquer motivo para 
        maiores preocupações".
        
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        Enfim, Paulo VI tem, agora, a monumental mensagem, o SOS de milhões de 
        filhos espirituais seus da América Latina.
        
        O que 
        fará ele? É o que aguardamos com as mãos postas em prece.