Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 8 de fevereiro de 1970

Não, para o centauro

A imprensa noticiou, nesta semana, que o Sr. Gabriel Valdez, ministro das Relações Exteriores do Chile, iniciou contatos metódicos com todos os embaixadores ibero-americanos acreditados em Santiago, a fim de obter que Cuba seja admitida na OEA e assim reintegrada no convívio das nações americanas.

À primeira vista, a causa pode parecer simpática. A palavra "integração" — e, analogamente, o vocábulo "reintegração" — foi dotada, pela propaganda esquerdista mundial, de um alto poder talismânico. É só pronunciá-la, para, em certas esferas de opinião, conquistar desde logo todas as simpatias. Assim ocorre, por exemplo, no setor exíguo, bilioso e endinheirado de meus amigos "sapos".

Na realidade, as coisas estão longe de ser tão simples. As integrações ou reintegrações são louváveis quando põem em conexão pessoas, valores ou coisas sadias e harmônicas. São um desastre quando enxertam o que é doente no que é saudável, ou quando implicam na conjugação de heterogêneos.

Isto é de observação corrente. Verifica-se no enxerto de plantas, e mais ainda, no de órgãos humanos.

Não me espanta que o chanceler do governo demo-cristão chileno pleiteie essa integração teratológica da Cuba comunista com uma América fundamentalmente anticomunista. A democracia-cristã é, ela mesma, uma conjugação instável de elementos incompatíveis, uma espécie de centauro ideológico, meio cristão e meio socialista. É essa incongruência visceral que vai desagregando o centauro, no mundo inteiro. Coerente com sua congênita heterogeneidade, é explicável que o chanceler chileno tente como que "centaurizar" a América, nela pendurando — como uma cauda de cavalo grotesca — a "democracia" cubana. Será talvez, a última façanha do pedecismo antes do próximo pleito eleitoral, em que o valoroso povo andino o varrerá do cenário político.

Está, porém — no meu direito de inveterado lutador contra todas as incongruências — de desejar que os governos do continente digam um rigoroso não à proposta do centauro. E isto por muitas razões.

Passo a enumerar algumas delas:

1. O regime cubano, por ser comunista, é intrinsecamente injusto. Reconhecê-lo, admiti-lo como membro valido de nossa comunidade de nações, importa em pactuar com a injustiça institucionalizada. Não posso aprovar que assim procedam as nações civilizadas da América.

2. O regime de Fidel Castro só se mantém pela violência. Se em Cuba se realizasse uma eleição verdadeiramente livre, precedida de amplos e genuínos debates políticos, é indiscutível que Fidel Castro seria fragorosamente derrotado. Não é à toa que o ditador cubano cerca seu país de arame farpado e arrocha todas as liberdades. A "integração" de Cuba de Fidel não seria pois a integração da Cuba autêntica, mas de uma pseudo-Cuba, ou melhor, de uma anti-Cuba. Desse modo, aceitaríamos no convívio continental, não o irmão verdadeiro, mas o impostor, o inimigo mortal deste. Agindo dessa forma, máxime com a agravante de um inteiro conhecimento de causa, praticaríamos uma injúria gratuita ao irmão infeliz e oprimido.

3. Mais ainda. Os numerosos cubanos exilados, e os que em Cuba esperam, com uma perseverança profundamente respeitável, a aurora do dia da libertação, têm direito a receber dos demais povos do continente todos os graus e formas de solidariedade política, para sacudirem o jugo do tirano. A "integração" do regime comunista cubano representaria a consolidação do "castrismo" e a morte dessa nobilíssima esperança. Cometeríamos, assim, o pecado de quebrar o arbusto partido, e extinguir a mecha que ainda fumega (cf. Mt. 12,20).

4. Mais especialmente penso nos inúmeros cubanos e cubanas, que trabalham como escravos nas lavouras de cana, para a realização do sonho megalótico com o qual Fidel Castro presume remediar os efeitos catastróficos de sua má administração. Pergunto a meus patrícios se iremos consolidar essa escravidão, nós que nos gloriamos de ter emancipado, a 13 de maio, o elemento servil.

5. De mais a mais, não podemos reconhecer foros de seriedade a um governo que pratica oficialmente a pirataria, como meio de remediar os efeitos de sua péssima administração. Na realidade, nem sequer merece ele o nome de governo. Ora, o que são os seqüestros de avião, senão atos de escancarada pirataria? Como "integrar" a "gang" que reduziu à conclusão de antro de piratas a Pérola das Antilhas?

6. Nego que essa integração nos seja imposta por qualquer razão política ponderável. A minúscula republiqueta a que Fidel Castro reduziu Cuba, não tem prestígio, nem riqueza, nem força que explique (falo em explicação e não em justificação, note-se) a capitulação de toda a América diante dela. Ora, é bem de uma capitulação que se trata, já que os povos da América expulsaram Cuba da OEA, em 1962, e agora deveriam, segundo quer Valdez dirigir-lhe o convite para voltar. E isto sem que tivesse ocorrido qualquer fato novo nas suas relações.

Mas, dirá alguém, feita a reintegração, pelo menos cessarão os seqüestros, e poderemos ir passear tranqüilos na Europa e nos Estados Unidos. A objeção vale como piada, não como argumento. Pois seria de pasmar que pagássemos nossa liberdade turística permitindo que Fidel Castro mantivesse seqüestrada toda a sua nação.

* * *

Estas razões devem levar as nações americanas — e especialmente as ibero-americanas, irmãs de Cuba pela fé e pela raça — a recusar a proposta do centauro... Máxime se deve esperar esta atitude do governo brasileiro, instaurado para o fim específico de combater, como um mal supremo, o comunismo em nosso país.

Se não o fizesse, à sua conduta se poderiam aplicar as palavras desabusadas de Pascal: "Verdade aquém dos Pirineus e erro além dos Pirineus".

Mais do que ninguém, deve dizer não ao centauro o Brasil, que, de 1964 para cá, tanto tem lutado para não se deixar "centaurizar".

Nós que, há dias, tivemos a alegria de aplaudir o governo por haver dito não à pornografia, esperamos para breve a alegria de lhe aplaudir este outro não.


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