Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 30 de agosto de 1970

Divórcio sorrateiro ao apagar das luzes

Ao distinto Presidente da Comissão de Justiça da Câmara dos Deputados, Sr. José Bonifácio, e aos dignos deputados que integram a referida comissão, enviei a 25 do corrente a seguinte carta:

"Apresentando a Vossas Excelências cordiais e atenciosos cumprimentos, peço vênia para lhes expor algumas considerações da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade a respeito de um projeto de lei da autoria do Sr. Deputado N. Carneiro — com parecer favorável do Sr. Deputado Aldo Fagundes — ora em estudo na Comissão de Justiça.

"Nestas considerações, encontrarão Vossas Excelência, não apenas meu pensamento individual, mas o da entidade a que tenho a honra de presidir, e, pois dos seus sócios, e dos militantes que com ela colaboram, constituídos em Seções, Subseções e Núcleos esparsos por todo o território nacional.

"Mais ainda. Estou certo de também ser aqui o porta-voz da imensa corrente de simpatizantes que de Norte a Sul do país apoia a TFP, e notadamente dos 1.042.359 brasileiros que, em histórico abaixo-assinado, se pronunciaram, no ano de 1966, contra a implantação do divórcio em nossa legislação.

"Com a notícia difundida, aliás escassamente pela imprensa, de que estava tendo andamento aquele projeto do irredutível prócer divorcista Nelson Carneiro, começou a opinião pública a se alvoroçar. E esse alvoroço crescerá dia a dia, até pôr de sobressalto todo o país, pois este é antidivorcista, e a propositura do Sr. Nelson Carneiro visa introduzir duas novidades que os brasileiros têm por absolutamente inaceitáveis:

"1. um casamento ‘diminutae rationis’, espúrio, envergonhado, de curto alcance, e sorrateiro, a se alastrar ao lado do casamento legítimo, com desdouro e prejuízo deste;

"2. um divórcio também ‘diminutae rationis’, a minar — pelo simples fato de existir — a família legítima, e a preparar o terreno para a aprovação do divórcio radical e escancarado.

"Ora, ambas essas inovações são frontalmente contrárias aos princípios básicos da civilização cristã. E, país cristão como se ufana de ser, o Brasil jamais lhes poderá dar seu consenso sem "ipso facto" romper com os ensinamentos de Jesus Cristo.

"A respeito dessa incompatibilidade do projeto Nelson Carneiro com a doutrina católica dúvida não pode haver. E mesmo nesta hora de trágica confusão em que se debate a Igreja — se o apoio de omissões e silêncios inexplicáveis o projeto talvez encontre — não creio que uma só voz ouse levantar-se para negar tal incompatibilidade.

* * *

"Falei de um casamento ‘diminutae rationis’.

"Com efeito, a atribuição ao concubino, solteiro, desquitado ou viúvo, da faculdade de autorizar a concubina a usar os apelidos dele, cria entre um e outro uma situação que é como que a raiz quadrada, a miniatura do estado conjugal.

"A comunidade de nomes simboliza, pela própria natureza das coisas, união inteira de personalidades, de afeto, de interesse e de vida. E por isto foi sempre tida, nas mais variadas épocas, como conseqüência lógica e característica do casamento.

"Permitir que a comunidade de nomes vincule um casal que vive em estado de concubinato é, pois, reconhecer ao concubinato um sinal distintivo daquilo que constitui um dos elementos fundamentais do casamento ‘diminutae rationis’, um ridículo ‘casamentinho’.

"Essa impressão mais ainda se robustece quando consideramos outros aspectos do referido projeto.

"Assim, não qualquer concubinato, que é contemplado pela regalia imaginada pelo sr. Nelson Carneiro. É só o concubinato robustecido pelo tempo, e que assim vai tomando ares de casamento.

"Ainda mais. Esse ‘casamentinho’ convidará necessariamente, mais cedo ou mais tarde, à instauração de algum ato que lhe autentique o início, ato esse celebrado possivelmente em presença do juiz de casamentos, ou pelo menos inscrito no Registro público competente.

Pois como marcar o termo inicial dos cinco anos a partir dos quais o concubinato se ‘nupcializa’?

"Ao lado disto, fica aberto o caminho para um ‘divorcinho’. Pois o ato de desfazimento do concubinato pode comportar ou até impor a criação de formalidades à medida que os tais ‘casamentinhos’ se multiplicarem, e situações ambíguas e difíceis daí forem nascendo. É ingênuo imaginar que ‘à la longue’ tudo se passa dentro de nosso atual regime jurídico, com mera comunicação (e nem por isso a propositura previu) de um dos concubinos ao cartório competente, de que o concubinato cessou, e com ele a comunidade de nomes...

"Em um regime comunista, onde toda a ordem legal é arbitrária, e os direitos individuais são débeis e cartilaginosos, aí sim, o ‘casamentinho’ não traria maiores complicações. E isto explica que o ‘casamentinho’ e o ‘divorcinho’ do projeto Nelson Carneiro mais se parecem com o casamento e o divórcio soviético do que com o casamento indissolúvel e o desquite, como existem na legislação canônica e em nosso Código Civil.

* * *

"Isto posto, confia a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade em que Vs. Excias., a quem incumbe proceder, na elaboração das leis, segundo a mentalidade e a intenção do país, recomendarão ao Plenário da Câmara dos Deputados a rejeição do projeto Nelson Carneiro.

"Tanto mais firme é, neste sentido, a esperança da TFP, quanto estando a presente legislatura no apagar das luzes, tudo leva a crer que não quererão os Srs. Deputados introduzir tão complexa e violenta alteração no Direito Pátrio, mas preferirão deixar tal matéria sujeita à apreciação de novo Plenário, portador dos desejos mais recentes da população.

"O normal para um deputado divorcista nas atuais condições seria tão somente declarar ao público os seus propósitos divorcistas, e depois aguardar o pronunciamento das urnas.

* * *

"Desse pronunciamento de todo o país, o Sr. Nelson Carneiro se mostra muito apreensivo, e a justo título. Pois bem sabe que o Brasil é antidivorcista. É daí que resulta evidentemente seu intuito de propor, não o divórcio, mas o ‘divorcinho’. Ele quer abrir na legislação uma brecha para o anão, na esperança de assim abalar a muralha e propiciar a entrada do gigante.

"Assim, a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, consciente do patriotismo e confiante nas luzes dessa Egrégia Comissão, pede a Vs. Excias. que defendam contra essa investida a muralha sagrada da família cristã baseada na indissolubilidade do casamento. e que se pronunciem contra o projeto Nelson Carneiro, atentatório à Lei de Deus, a qual a nenhum poder terreno é lícito ignorar, negar ou revogar.

"Nesta expectativa, e reiterando a Vs. Excias. o testemunho de meu subido apreço, subscrevo-me, patrício e admirador."

Estas são considerações que, através das colunas deste jornal, desejo também levar ao conhecimento do largo e influente público que o lê.


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