Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Artigos na

 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 9 de agosto de 1970

Para 300 argentinos... e milhões de brasileiros

Resumo em alguns itens a longa cantilena de insucessos do ditador cubano. Ao celebrar o 17º aniversário do assalto ao quartel de Moncada, declarou ele que:

1 — Cuba não atingirá a safra açucareira espetacular, para cuja obtenção haviam sido sujeitos trabalhos forçados na lavoura homens e mulheres das cidades, e mobilizados todos os recursos disponíveis da ilha;

2 — Concomitantemente, baixara a produção de cigarros e charutos;

3 — A culpa destes insucessos era em parte dele, e em parte dos ministros e do funcionalismo subalterno;

4 — Por isto, andava irritada contra ele a população; tão fundo era esse descontentamento que Fidel chegou a falar em demissão.

Falando dias depois pelo rádio e televisão, o ministro do Trabalho cubano deu alguns pormenores sobre as causas do fracasso fideliano:

1 — Uma sensível desproporção entre os planos do governo e o potencial humano do país;

2 — Insuficiência de mecanização;

3 — Técnicas obsoletas de muitos trabalhadores rurais;

4 — Baixa produtividade dos operários empregados na construção civil;

5 — Pesados gastos para a defesa da ilha.

Resultado global, proclamado pelo próprio Fidel Castro: a população cubana terá que suportar agora mais 5 anos de racionamento e austeridade. Em termos menos acadêmicos, mais 5 anos de penúria e de trabalhos forçados.

Tudo isto posto, ninguém há que possa contestar a validade destas duas afirmações:

1 — O governo cubano é de uma incompetência flagrante. Adota planos para os quais lhe faltam recursos humanos e técnicos indispensáveis. E segue uma política exterior que obriga o país a gastos militares insustentáveis;

2 — O regime padece das taras inseparáveis de todas as formas de socialismo. Suprimindo o estímulo do lucro pessoal, torna moroso e improdutivo o trabalho, e desfibra as energias produtivas do povo.

Os fatos aqui narrados, meus leitores já os viram no noticiário cotidiano da imprensa. As reflexões que acabo de enunciar, eles certamente também já as fizeram. Pois resultam obviamente dos fatos. Recapitulo aqui tudo isto, não para lhes ajudar a memória ou a análise do ocorrido, mas para os convidar a fazer um teste.

* * *

Consiste o teste no seguinte. Ponha meu leitor sob os olhos de um progressista o quadro da realidade cubana, que acabo de traçar. Em seguida pergunte-lhe o que pensa a respeito. Pela resposta, meu leitor ficará sabendo o que deve por sua vez pensar do progressista.

É fácil conceber o interesse de tal investigação. Com efeito, na figura que todo progressista projeta de si mesmo, a nota tônica é a compaixão pelos pobres, explorados por um sistema e uma classe a quem ele culpa por todas as injustiças possíveis e imagináveis. Em conseqüência, o progressista quer demolir tanto o sistema quanto a classe, para estabelecer a justiça e obter remédio para a miséria dos pobres.

Pense-se o que se pensar dessa posição — e eu, por exemplo, discordo inteiramente dela — a pena dos pobres merece indiscutivelmente simpatia. É mesmo o único traço simpático do progressismo. Traço simpático que, aliás, existe na psicologia do progressista, com dois matizes antipáticos. Um é a idéia de que a pena do pobre é um privilégio do progressismo. Só ele a tem. E quem, fora das fileiras progressistas, afirma seu desejo de socorrer os pobres, é charlatão ou fariseu. O outro traço antipático é a negação rotunda do muito que, em todas as eras de sua História, antes mesmo de terem nascido Marx, Lenine, D. Helder e os padres de passeata, a Igreja fez pelos pobres.

Mas deixemos de lado estes matizes antipáticos, e fiquemos na pena dos pobres. Esta — legado longínquo e laicizado da civilização cristã — é simpática.

Isto posto, pergunto: até que ponto é ela genuína?

* * *

Explico-me. Quem, por pena dos pobres, quer arrasar o atual regime sócio-econômico, deve estar disposto a arrasar qualquer outro regime que crie e multiplique a pobreza. Pois se a existência de pobreza é a razão por que os progressistas odeiam nosso regime, devem odiar todo outro regime que também favoreça a pobreza.

Então, meu leitor ou minha amável leitora, se o progressista a quem for mostrado este artigo, lendo o fracasso de Fidel, se encher de indignação, e propuser contra o ditador barbudo e seu sistema todas as medidas que põe em ação contra nosso atual regime, esse progressista realmente deseja o alívio dos pobres. Se o progressista não se indignar contra Fidel exatamente como contra nosso regime, então a conclusão é clara: o alívio dos pobres não é para ele uma meta. É um pretexto.

Isto ainda mais claro se tornará, se o progressista, em lugar de se indignar com Castro, se enche de furor contra a minha argumentação tão simples, tão lógica, tão irrecusável.

* * *

Mas, dirá alguém, o progressista que não responda favoravelmente ao teste, o que é? Um tartufo?

-- Não digo que seja forçosamente isto. Muitas vezes — consciente ou subconscientemente — o progressista é um socialista ou comunista que teme de se declarar tal aos seus olhos e aos dos outros. Odiando todas as desigualdades, mesmo as mais justas, necessárias e harmônicas, simplesmente porque são desigualdades, aspira ao socialismo — ou ao comunismo — só para criar uma sociedade de iguais. A pobreza — que infelizmente existe aqui e acolá, e que devemos eliminar em toda a medida do possível — é para ele o pretexto e não o motivo real da indignação. Tanto é que, encontrando-a em uma sociedade de desiguais, ele se indigna. Encontrando-a em uma sociedade de iguais (ou presumida tal), ele não se indigna.

* * *

Escrevo estas considerações pensando em um apelo claro, enérgico, respeitoso e profundamente cristão, que 300 católicos argentinos publicaram em "La Nación" de Buenos Aires. Nesse apelo, rogam eles a seus prelados que, abandonando as omissões e tergiversações inexplicáveis, se pronunciem sobre o clero terrorista, adepto do chamado Terceiro Mundo.

Por cima das distâncias geográficas, mando a esses corajosos irmãos na fé e no sangue ibérico um conselho. Digam a seus bispos que, se tiverem qualquer dúvida sobre os móveis profundos dos progressistas que se multiplicam em suas sacristias, examinem a posição deles a respeito de Fidel Castro, esse sinistro fabricante de pobreza na ilha de Cuba. Os que, lendo a súmula dos malefícios de Fidel, afiarem as garras contra este, talvez sejam recuperáveis, pois move-os um sentimento de origem cristã. Os outros — dói dizê-lo — já passaram o meridiano além do qual a conversão costuma ser apenas um raro milagre da graça...

* * *

Mas, dir-me-á quem me estiver lendo aqui no Brasil: — Por que não aplica o senhor esse teste em sua própria pátria?

Respondo convidando o leitor a que o faça. Quem até agora, nos meios progressistas atacou Castro pela multiplicação da pobreza em Cuba? Atente o leitor para tantos silêncios untuosos e contrafeitos e conclua...

Dom Helder por exemplo, sempre tão loquaz, por que nada fala?


Home