Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Artigos na

 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 28 de fevereiro de 1971

Dois pesos e duas medidas

O conhecido hino "Christus vincit, Christus regnat, Christus imperat" — cântico majestoso, de glória e de triunfo, mil e mil vezes executado nas igrejas do Brasil e de todo o mundo, para proclamar a realeza universal do Redentor — era, até há pouco, a sinfonia usada nas emissões da Rádio Vaticana.

Nada mais adequado. Apesar disto, ou talvez por isto, a grandiosa aclamação acaba de ser substituída pelos dirigentes da emissora, por outra mais "aggiornata", em estilo "rock", e obediente à linha traçada na peça "Hair". É a canção "Jesus Cristo superastro", de autoria dos ingleses Andrew Lloyd e Tim Price.

Assim, Nosso Senhor Jesus Cristo, que é por todos os títulos Rei do Universo e da Humanidade, e que, aliás, a si mesmo se proclamou Rei (S. Lucas, XXIII, 3), passa de Soberano supremo para mero ator, um ator que só se diferencia dos outros por ser maior do que eles. Um superator. Admitido este novo título, quase se diria que a Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo foi mero teatro. Um superteatro!

A notícia, tão desconcertante que parece falsa, é, entretanto, inteiramente digna de fé. Publicou-a a insuspeita revista "Ecclesia" de Madri, em sua edição de 23 de janeiro último.

* * *

O bispo d. Valdir Calheiros vem, de há muito, despertando inquietação na opinião pública, em razão de suas atitudes face à agitação social. Presentemente, está em curso um inquérito instaurado contra ele, como suspeito de subversivo pelas autoridades militares de Barra Mansa.

Tal inquérito está exposto, evidentemente, às incertezas inerentes a qualquer investigação. Tanto poderá concluir pela inocência como pela culpabilidade do prelado. Depende tudo dos fatos que se apurarem. E para que a apuração seja imparcial e objetiva, é de se esperar que seja feita segundo as melhores normas do direito, assegurada ao prelado indiciado toda a liberdade de defesa. É o que os amigos de d. Valdir — e mesmo o grande público — têm o direito de pedir, e até de exigir.

Parece-nos que foi muito além disto a carta enviada ao bispo de Volta Redonda pelos diretores da CNBB, durante a recente reunião desse organismo eclesiástico em Belo Horizonte. Pois naquela missiva, se prejulgam os resultados do inquérito, e antes mesmo de conhecer os fatos que este venha a apurar, os autores dela afirmam: "Não podemos aceitar a acusação que lhe é assacada (a d. Valdir), de subversivo. Não acreditamos que esteja v. excia. a serviço dos que pretendem a derrubada do governo" etc.

-- Por que afirmar, "a priori", a impossibilidade de d. Valdir Calheiros ser subversivo? Por ser ele bispo? Em que tratado de Teologia se lê que um bispo, pelo simples fato de ter recebido a plenitude do sacerdócio, fica ao abrigo deste ou de outros pecados?

* * *

Que um bispo possa apoiar a subversão, a coisa é aliás evidente. E daí a ser subversivo, não é tão grande a distância.

O padre Comblin, por exemplo, é um subversivo. O documento revolucionário de que ele é autor, escandalizou o Brasil inteiro. Ora, que medida tomou d. Helder para coarctar a pregação subversiva do pe. Comblin? Nenhuma, absolutamente nenhuma. Pelo contrário, deu-lhe uma cátedra no Instituto Teológico de Recife, e ali o mantém contra ventos e marés. O que é claro sinal de apoio. O mesmo d. Helder — observe-se de passagem — a quem, com desconcerto de todo o país, a direção da CNBB deu, por sua vez, uma prestigiosa prova de confiança, incumbindo-o de ser o relator, para toda a imprensa, rádio e televisão, dos resultados da reunião de Belo Horizonte.

Alguém pode não gostar deste comentário. Refutá-lo, porém, não pode. Pois os fatos em que ele se baseia são evidentes. E óbvias as conseqüências que deles decorrem.

* * *

Tenho a tal propósito mais uma reflexão a fazer.

Quando se tratou do processo dos padres dominicanos implicados no caso Marighela e em outras atividades subversivas, o público se voltou horrorizado para os bispos das circunscrições eclesiásticas em que eles haviam atuado, aguardando dos prelados uma severa palavra de reprovação para o escandaloso procedimento dos religiosos. À pergunta muda mas aflita do público, os bispos responderam com a mais glacial serenidade: por ora nada podemos dizer, pois só quando terminar o processo competente, estarão devidamente provados — ou não — os fatos delituosos. Então, e só então, nos pronunciaremos.

Por que, indago, não vale a mesma regra para o caso de d. Valdir? Por que, em se tratando do trêfego bispo de Volta Redonda, antes mesmo de ter chegado ao termo o inquérito, os bispos já prejulgam a questão?

* * *

Dois pesos e duas medidas... O brasileiro que observa os recentes acontecimentos da Polônia é levado a pensar: "cá como lá, más fadas há". Pois nada mais contraditório do que, de um lado, a atitude conciliatória dos bispos poloneses para com o regime comunista imperante naquele país, e, de outro lado, a atitude provocadora e façanhuda da esquerda católica nos países não comunistas.

Vamos aos fatos. Como é notório nos jornais, o regime comunista chegou, na Polônia, a uma verdadeira catástrofe. A produção decai, a população cresce, os preços sobem e os salários continuam imóveis.

Se tal se desse em algum país livre, a esquerda católica promoveria passeatas, instigaria greves e sopraria distúrbios. Se o governo reagisse, não faltaria algum d. Helder para responsabilizar o regime e as estruturas, em entrevistas vedetísticas.

Pelo contrário, esmagadas as greves em Gdansk, Lodz etc., o que faz o episcopado polonês? Não pediu mudança de regime nem reforma de estrutura. Tentou aplacar os ânimos, tornando fácil a manutenção das autoridades comunistas.

Assim, em documento lido em todas as igrejas da Polônia, e assinado pelo cardeal Wyszynski, afirma o episcopado: "Queremos cooperar com todos os filhos deste país, pois chegou o momento de repartir o pão da reconciliação".

Nos países comunistas, quando há fome, o problema se resolve com o "pão da reconciliação". Nos países não comunistas, quando há fome, o problema se resolve com subversão...

-- Dois pesos e duas medidas, não é?

* * *

Mais, nos países não comunistas, os Comblins pregam a desconfiança contra todos os detentores do poder. Na Polônia, no mesmo documento, o Episcopado inculca a esperança na equipe comunista que está no governo: "novo clima surge na Polônia" com o atual governo, dizem os bispos, e "aparece uma luz de esperança".

Estas palavras são de meados deste mês. De lá para cá, só se ouviu falar de fome, de novos descontentamentos, de ameaças de invasão russa etc.

No que fica então a "luz de esperança"?

Preferiram os bispos — pelo menos até agora — guardar a respeito um prudente silêncio.

* * *

No Brasil, apesar do excelente índice de desenvolvimento alcançado pelos governos, os subversivos pedem a derrubada do regime, e a aplicação imediata das tristemente famosas reformas de base.

Na Polônia, o novo governo declarou oficialmente que não aumenta os salários porque não há dinheiro para tal. E recomenda em lugar de maior salário, mais trabalho.

Por fim, a Rússia teve de mandar algum reforço financeiro para permitir uma pequena alta dos salários e evitar uma insurreição geral. Mero paliativo, pois a Polônia não pode viver perpetuamente de suprimentos econômicos da Rússia.

Entretanto, não nos consta de uma só voz católica que se levante, nos meios chegados ao Episcopado polonês, para reclamar a queda do regime comunista. E nos países capitalistas, ainda que tudo esteja certo, o regime é errado. Ou seja, ainda que os frutos do comunismo sejam maus, o regime é bom. E nos países não comunistas, ainda que os frutos sejam bons, o regime é mau.


Home