Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

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Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

12 de setembro de 1971

Sobre Pimen

A recente visita que o Geral da Companhia de Jesus, Padre Arrupe, fez à Rússia, deu nova atualidade a um dos assuntos mais dramáticos — e ao mesmo tempo ilustrativos — da vida religiosa hodierna.

Segundo noticiou toda a imprensa, o objetivo da viagem era visitar o "Patriarca" Pimen, de Moscou, tomar contato com a "Igreja Ortodoxa" russa, e participar com os "ortodoxos" da festa litúrgica da Assunção. Todas estas aspas são minhas. Não me parece que elas estejam em harmonia com o significado simbólico da viagem do ilustre sucessor de Santo Inácio. Não as atribuo, pois, a ele. Mas, como quem escreve sou eu, e elas tem mil afinidades com minha mentalidade, elas aí estão.

              

À esquerda, Pimen. À direita, o Geral dos Jesuítas, Padre Arrupe 

Com efeito, sobre isto já me expliquei em artigo anterior ("Lições no jardim do vizinho", Folha de S. Paulo, de 25-7-71).

Uma vez que a única Igreja verdadeira é a católica, só Ela tem o direito de ser chamada ortodoxa. Pois este adjetivo se aplica, em grego, a quem possui uma opinião reta. Ora, a verdade integral, só a pode possuir um Igreja infalível. Isto é, a Igreja Católica. Contesto, ademais, que Pimen seja Patriarca de qualquer lugar. Tenho por certo que a "igreja" de que ele faz parte não merece o nome de Igreja. E, "ipso facto", nego que ela seja uma continuadora verdadeira ou uma parcela autêntica da Igreja greco-cismática russa do tempo dos tzares.

E por tudo isso, estou a me perguntar o que foi fazer com Pimen e sua grei o Pe. Arrupe. Sem dispor de elementos para dar respostas a essa pergunta, registro entretanto um fato óbvio e importante.

É que, aceitando de se sentar, lado a lado com Pimen e os seus, o Revmo. Pe. Arrupe admitiu implicitamente que os toma a sério, como religião, como Igreja e como hierarquia. Aos olhos de incontáveis católicos, a camarilha pseudo-cristã de Pimen, da qual tanta gente duvidava, recebeu, assim, de certo modo, um precioso aval.

A quem serviu este aval? Só à camarilha? — Não. Esta não age por conta própria. Foi ela criada artificialmente por Stalin com o intuito de disfarçar, pelo menos em alguma medida, aquém e além cortina de ferro, o desígnio essencial do Kremlin, que é de aniquilar a Religião sobre a face da terra. Em outros termos, a razão de ser da "igreja" de Pimen é fazer propaganda comunista entre aqueles mesmos cujas convicções religiosas o comunismo quer exterminar.

De tudo isto decorre que o resultado último da viagem do eminente jesuíta foi facilitar o jogo dos déspotas de Kremlin.

Não quero, com estas palavras, emitir um juízo sobre as intenções do padre Arrupe. Limito-me a constatar o fato: todo o lucro foi do Kremlin.

Digo-o com uma tristeza sem nome. Pois honro-me em ser ex-aluno da Companhia de Jesus, e formei minha vida espiritual e meu feitio de espírito segundo os princípios do grande Inácio de Loyola. Ao escrever o que acima ficou, tinha eu a sensação de estar cortando meu próprio corpo. Ou, pior, minha própria alma. Não obstante, essa é a verdade, por mais que ela me doa. E eu a devo inteira aos meus leitores.

* * *

Pressinto que leitores "sapos" menearão a cabeça ao tomar conhecimento de minha apreciação sobre o resultado da viagem do Rev.mo pe. Arrupe. Bem "sapamente" evitarão entrar no mérito da questão. Suas lamentações serão feitas de modo dulçuroso e interrogativo, abordando o assunto pela rama: "Por que adotar, na matéria, uma linguagem tão peremptória, uma atitude tão exclusivista, uma lógica tão estrita?"

Não respondo aqui propriamente aos "sapos", pois a experiência me vai mostrando sempre mais que um "sapo" só pode ser persuadido por um milagre de primeira grandeza. Um destes milagres fulgurantes e sublimes, de que não tenho nenhuma notícia nos dias vulgares e pardacentos que correm. Tenho minha atenção voltada só para aqueles em quem a argumentação "sapa" produza algum efeito.

A estes pergunto o que poderia eu fazer senão usar tal lógica, tal exclusivismo e tal linguagem? Se aos olhos do mundo os maquiavéis do Kremlin levantam um formidável embuste — como é a "igreja" de Pimen — destinado a lhes facilitar a conquista do poder universal, onde está para nós, anticomunistas, o caminho do dever?

No silêncio? Não. Lembro-me, a este propósito, de um verso de Edmond  Rostand:

"Tout ce qui trop longtemps reste dans l’ombre et dort.

S’habitue au mensonge et consent à la Mort!" [Tudo o que permanece muito tempo à sombra e dorme, se habitua à mentira e consente à morte, n.d.c.] (Chantecler, Fasquelle Editeurs. Paris, 1957, pág. 217).

Na palavra? Neste caso, o que devo dizer? Qualificar os déspotas ateus do Kremlin de amáveis cavalheiros, apenas um pouco transviados em matéria de Fé? Chamar os agentes mitrados do ateísmo, de veneráveis e simpáticos pastores? — Por certo, isto me seria muito agradável. Primeiramente, porque me dispensaria de ver a triste verdade à que a lógica me conduziu a respeito da viagem do padre Arrupe. Em segundo lugar porque, em vez da contrapropaganda "sapa", eu colheria como resultado os louvores fartos e lisonjeiros que a "saparia" jamais recusa aos que com ela afinam. Mas esta linguagem não teria a aprovação de minha consciência.

Assim, o único caminho que me resta é falar em alto e bom som. Move-me a isto o amor que tenho à Igreja e à Civilização Cristã. Vendo-as ameaçadas por um adversário mascarado — a seita de Pimen — salto em defesa delas e jogo a máscara no chão.

Se meu leitor andasse por uma rua escura com um amigo, e se, de repente, um adversário de máscara saltasse sobre meu leitor, o que esperaria este do amigo? — Evidentemente, que o ajudasse a arrancar do agressor a arma e a máscara.

E se o amigo assim agisse, meu leitor o qualificaria de valoroso, de dedicado e destro.

Isto posto, compreenda meu leitor que, na medida limitada de minhas forças, eu procure fazer o mesmo em defesa da Igreja e da Civilização Cristã.

* * *

No clima de conformismo, moleza e adocicamento em que se encontra a opinião pública do Ocidente, são necessárias todas essas considerações para que alguém se sinta à vontade ao raciocinar com lógica e ao chamar as coisas pelos seus nomes. E assim lá se foi a maior parte do artigo.

Aproveito, entretanto, o espaço que me resta, para entrar, ao menos um pouco, no cerne da questão.

Ela não é nova para os leitores. Em meu citado artigo anterior, já tive ocasião de expor as grandes vantagens que a política do Kremlin aufere com a existência da "igreja ortodoxa" fundada e dirigida pelos chefes do ateísmo mundial. Já de si, a consideração destas vantagens tira todo o sério à tal "igreja". Pois o próprio de uma Igreja é de servir — ou presumir que serve — a Deus. Mas se ela serve escancaradamente ao ateísmo, cujos líderes a dirigem despoticamente, ela não pode ser tomada a sério como Igreja.

Parece-me, entretanto, que o assunto pode ser aprofundado. Um pouco da história das perseguições religiosas na Rússia comunista basta para provar que a "igreja ortodoxa" pré-bolchevista não é um instrumento de propaganda montado pelo Kremlin um tanto displicentemente, ao sabor de circunstâncias fortuitas que vão e que vêm. Desde o início, isto é, de 1917, as perseguições não visaram só o objetivo difícil e quase inverossímil, de extirpar a religião na Rússia. Diante do sucesso altamente improvável desse empreendimento, elas tiveram em mira também um resultado mais modesto, mais provável, e por isto mesmo, mais sólido: aterrorizar, dividir, desorganizar a Igreja greco-cismática, extenuar pela brutalidade e pela confusão o maior número de adeptos dessa Igreja, e por fim obter que eles aceitassem uma hierarquia nova, instituída, nomeada e dirigida pelos sem-Deus. Fazer da religião e de seus ministros, os agentes da irreligião, tal era o estratagema supremamente hábil que o maquiavelismo cremliniano teve em vista.

Por que etapas passou este processo? — Vê-lo-emos em outro artigo. Aqui só me resta consignar que em 1971 o processo vai atingindo resultados espetaculares.

A prova disto é a visita do sucessor de Santo Inácio. Visita tão prestigiosa para os visitados... E tão sem lustre para o preclaro visitante.


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