Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 14 de novembro de 1971

O Evangelho anunciou. E Fidel também

Pergunto-lhe, caro leitor, o que lhe pareceria de uma pessoa, grupo ou corrente política que propugnasse para nosso País as reformas seguintes:

1. Extinção das garantias judiciais e suspensão da estabilidade dos funcionários judiciais e fiscais. — De minha parte penso que os frutos dessas medidas são claros. Os funcionários desonestos continuariam nos respectivos cargos, servindo ao governo de instrumento de pressão contra os adversários. Os funcionários honestos entrariam, cedo ou tarde, em conflito com o governo e seriam despedidos. Em suma, a Justiça e o fisco se transformariam em dependências da Polícia política.

2. Designação de todos os juizes criminais por chefes de facção detentora do Poder. — Em conseqüência, pondero, qualquer adversário do governo poderia ser acusado e condenado injustamente, sem possibilidade de recursos a tribunais imparciais.

3. Decretação da retroatividade das leis penais. Em outros termos, embora um ato praticado por alguém não fosse qualificado como crime por qualquer lei existente, poderia ser punido por lei criminal posterior. — Neste caso, comento, não haveria quem não estivesse sujeito a ser mandado arbitrariamente para o cárcere. Por exemplo, bastaria uma pessoa destruir, por qualquer razão válida, vinte ou cinqüenta árvores em sua propriedade, que um adversário político ligado ao governo faria catalogar como crime a destruição de árvores. E com isto faria prender inevitavelmente o pobre agricultor.

4. Introdução da pena de morte para crimes que as leis anteriores só puniam com prisão. — Em um clima de absoluta falta de garantias, faço notar, cada cidadão viveria com a sensação de ter constantemente encostada ao peito uma metralhadora posta em mãos do partido dominante.

5. Criação de tribunais nomeados pelas autoridades facciosas, e dotadas do direito de qualificar como criminosos, aplicando-lhes as penas correspondentes, atos não proibidos por lei. — É o pandemônio jurídico, observo eu.

6. Faculdade para o Poder Executivo de despojar de seus direitos a quem quer que entenda. — As pessoas fulminadas por essa medida ficam privadas do direito de votar e serem votadas, de exercer cargo público, de ter sua segurança pessoal protegida por lei, e podem ser presas sem recurso a qualquer juiz ou tribunal.

-- Não é verdade, caro leitor, que quem propugnasse tais leis tenderia a transformar o Brasil num campo de concentração, num inferno, num caos?

Ora, tudo isto foi feito em Cuba por Fidel Castro (Reforma Constitucional de 10-1-59; Reforma Constitucional de 30-1-59; Lei Fundamental de 7-2-59 — cfr. "Notícias Latino-americanas" de março de 1971. "Este & Oeste" de junho de 1971).

* * *

Essas leis não ficaram no papel. Mediante elas se encheu a sinistra prisão de "La Cabaña" e o "paredón" entrou em função. Foi em conseqüência dela, também, que todos os cubanos ficaram sujeitos a um regime que, em matéria de despotismo, não fica atrás do nazismo, nem do comunismo.

Ao mesmo tempo que tudo isto acontecia em Cuba, a miséria cobria com seu manto a Ilha chamada outrora "Pérola das Antilhas". Abolidas a iniciativa e a propriedade privadas, todas as engrenagens econômicas do país foram invadidas pelo marasmo típico das repartições públicas ineficientes dirigidas por agitadores do PC. A produção caiu. O próprio Castro reconheceu que, apesar do trabalho forçado, suas metas econômicas fracassaram estrondosamente.

Com tudo isto, a soberania desapareceu em Cuba. A Ilha se transformou numa colônia do Kremlin, do qual recebe todos os subsídios necessários para evitar que a miséria levada ao auge provoque a queda de Castro.

Isto tudo é sabido e arqui-sabido. Mas é necessário e até urgente que seja lembrado.

E isto para fazer ao leitor mais uma pergunta: se um brasileiro tivesse feito tudo isso contra o nosso País — o leitor gostaria de lhe apertar a mão, de trocar com ele abraços, de o convidar para sua casa, de o sentar à sua mesa e o fazer dormir sob seu teto?

Pergunta asnática, pensará alguém. Obviamente, o homem honrado tem horror ao crime. E a coerência o obriga, portanto, a ter também horror ao criminoso, máxime quando este se acha na prática habitual do crime. E como o horror ao crime é a barreira mais eficiente contra a criminalidade, receber assim um criminoso importaria por diminuir pelo mau exemplo a censura social contra o crime, e abalar assim toda a sociedade.

* * *

Sim, caro leitor. Mas, isto posto, volto os olhos para os fatos publicados pela imprensa no dia em que escrevo, quinta-feira. A visita de Fidel ao Chile é carregada de conotações simbólicas. O pró-cônsul da Rússia em Cuba foi transportado por um Ilyushin-62 da empresa aérea soviética Aeroflot. Com ele vieram, não ministros ou homens públicos, mas quatro membros do PC cubano. O caráter ideológico, muito mais que diplomático da visita, não poderia ficar mais claro.

Assim, de fato, essa visita é o ósculo dado pela revolução cubana cruenta à revolução chilena incruenta.

* * *

-- Mas, objetará alguém, Cuba e Chile têm problemas diplomáticos a tratar. E, portanto, esta visita não representa o ósculo das duas revoluções, mas apenas um contato entre Chefes de Estado.

Compreendo que, problemas internacionais justificassem um contato de chancelarias entre o Chile e Cuba. Como os há de qualquer país com a Rússia comunista.

Porém, quando um chefe de família reside ao lado de um malfeitor, e tem com ele algum imperioso assunto a tratar, é normal que o procure. Mas esse trato deve ter o mínimo de correção para existir. Jamais deve chegar ao ponto de convidar o malfeitor para passar alguns dias em casa. Ora, foi isso que Allende fez com Fidel.

-- Mas, objetará ainda alguém, suponhamos que Castro tivesse a necessidade direta e imperiosa de avistar-se com Allende. Este objetivo não justificaria sua visita ao Chile? E, posta a visita, não seria inevitável que se desenvolvesse com o protocolo de estilo? — É o caso de responder que esta necessidade não está de modo nenhum demonstrada. Não passa de uma hipótese.

Seja como for, o próprio Fidel Castro se incumbiu de indicar que é essencialmente simbólico e não prático o sentido de sua visita ao Chile. Fê-lo até com insistência. Antes de partir de Havana, e conversando com jornalistas cubanos, esclareceu que sua ida ao Chile "não tem outro significado senão o de um abraço simbólico entre duas realidades concretas: a chilena e a cubana". E, palestrando com jornalistas em Santiago do Chile, Fidel Castro reafirmou a solidariedade entre o regime cubano e o chileno, afirmando que "a despeito dos esforços dos imperialistas, que pretendiam desuni-las, as revoluções chilena e cubana estavam unidas": este o significado simbólico de sua presença na capital chilena.

Assim, é bem claro que, recebendo Castro, Allende dá um escândalo internacional, pois dá um lugar à sua mesa e sob seu teto ao grande malfeitor.

* * *

Aqui se mostra toda a cegueira, toda a indigência de conteúdo positivo, da política de "queda das barreiras ideológicas". Há de país a país, no bloco comunista, uma formidável e declarada solidariedade ideológica. Esta solidariedade se projeta no campo diplomático, político, social e econômico. Não o atesta só a viagem de Fidel ao Chile. Haja vista a recente solidariedade de Moscou ao ingresso da China comunista na ONU e à expulsão de Formosa. Ora, a existência de um bloco comunista pede naturalmente, como contrapartida, a formação de outro bloco: o anticomunista. E a existência de dois blocos opostos cava entre eles um vazio, uma fronteira e uma barreira. A abolição das barreiras, mantida a tremenda coesão do comunismo, representa virtualmente o desconjuntamento de um bloco, enquanto o outro permanece.

Na sua recente visita ao Chile, o general Lanusse, presidente da Argentina, deu a entender que seu país se sente tão próximo do Chile quanto de qualquer país anticomunista, e que, para a Argentina, as afinidades ideológicas não são motivo de solidariedade internacional. Ao mesmo tempo, Castro, de braços dados com Allende, proclama que para os comunistas a afinidade ideológica é vigorosa razão para a solidariedade internacional.

Assim, a prevalecer a política inaugurada em nosso continente pelo presidente argentino, teremos um bloco internacional anticomunista dividido, e de outro lado um bloco comunista internacional unido.

-- De que lado ficará a vitória? — "Todo reino dividido contra si mesmo perecerá", diz o Evangelho (S. Mateus XII, 25).


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