Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 5 de dezembro de 1971

O brado do sangue

Quando a última eleição presidencial chilena levou Allende ao poder, o significado da votação — confuso, pelo menos à primeira vista — levou-me a escrever para a "Folha de S. Paulo" um artigo mostrando que a vitória da Unidade Popular decorria de mero jogo eleitoral: na realidade, o eleitorado marxista e comunista diminuíra em relação ao pleito de 1964.

Quanto à recente eleição presidencial uruguaia, análogo esforço de esclarecimento não é necessário. A derrota dos comunistas é patente, pois faziam parte da "Frente Ampla", a qual foi a menos votada do pleito.

Foi isto de tal maneira acentuado pela imprensa, que me dispenso de insistir no assunto. Cinjo-me tão só a uma observação. É a de que o comunismo não sofreu apenas uma derrota, mas uma derrota estrondosa.

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Com efeito, a votação claramente anticomunista deve ser computada com base não só nos votos do partido vencedor — o Colorado — como ainda nos do outro partido burguês, o Blanco, que se lhe seguiu de perto nas apurações. Assim, segundo os resultados que tenho em mãos, isto é, os da "Folha de S. Paulo" de quinta-feira, somados os 593.900 votos colorados aos 583.248 blancos, obtemos um total de 1.177.148 votos dados aos dois partidos não comunistas. Considerando que a Frente Ampla teve 270.553 votos, chegamos à conclusão de que esta nem de longe tinha condições para conquistar o poder.

Assim se desmente toda a propaganda feita por certas máquinas publicitárias, no Uruguai e no Exterior, segundo as quais o Uruguai estava prestes a optar pelo regime comunista.

É tanto mais fácil de se notar o falacioso desta propaganda, quanto o eleitorado da Frente Ampla de nenhum modo é composto exclusivamente de comunistas. Conta ele com esquerdistas de vários matizes e — oh dor! — também dos católicos. Pelo que o eleitorado comunista não é senão uma fração do que votou na Frente Ampla.

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Este último ponto merece ser focalizado especialmente. É indiscutível, por exemplo, que a Frente Ampla teve boa votação católica. Com efeito, mais ou menos como ocorreu no Chile, o Episcopado se houve no Uruguai, de maneira a favorecer a vitória do marxismo. Assim, depois de longa reunião, a Conferência Episcopal Uruguaia emitiu, em meados de setembro, uma nota torcicolosa, na qual, fundando-se na incompatibilidade das doutrinas marxistas (Frente Ampla) e liberal (Partidos Blanco e Colorado) com a doutrina da Igreja, dava plena liberdade aos católicos para que votassem indiferentemente em qualquer legenda. Na Frente Ampla, portanto! Escreveram eles textualmente: — "Não temos razões suficientes para recomendar (...) nem para excluir como ilícito o voto em algum dos partidos que participam (sic) das eleições deste ano".

A posição tomada é cavilosa. Ela abstrai de que, diante de três legendas desigualmente más, o católico não pode votar em qualquer delas, mas deve escolher a menos má. Em outros termos, no caso uruguaio, deve preferir a má via liberal à péssima via comunista.

Esta manobra ideologica-eleitoral deixa ver as simpatias existentes no seio da Conferência Episcopal Uruguaia para com a legenda da qual participavam os comunistas.

Ora, tais simpatias evidentemente não poderão ter ficado apenas na publicação de uma nota. É claro que a influência da Igreja na imprensa, no rádio, na televisão, no ensino, nas obras de caridade e assistência, no púlpito e no confessionário, se há de ter exercido, pelo menos em boa parte, no sentido das simpatias episcopais.

Assim, muitos católicos ingênuos e nada marxistas, se terão deixado arrastar...

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Mas há um pormenor na atitude do Episcopado, face às eleições uruguaias, que infelizmente não ocorreu quando das eleições do Chile. Um bispo uruguaio publicou, por conta própria, uma vigorosa Carta Pastoral anticomunista, cujo efeito natural era afastar os seus diocesanos de qualquer conluio com o comunismo. Se bem que se possa não estar de acordo com algumas das assertivas dessa Pastoral sobre matéria social, o nome de seu autor merece ser mencionado com respeito. Trata-se de Monsenhor Antônio Corso, bispo de Maldonado — Punta del Este.

Como é grato lembrar este exemplo e citar esse nome, na semana em que os olhos do católico brasileiro foram poluídos — não há outra palavra — pela fotografia escandalosa do Cardeal Silva Henriquez a apertar sorridente a mão maculada de sangue de Fidel Castro!

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Não nos é lícito, entretanto, determo-nos apenas nas eleições uruguaias. Outro fato altamente significativo, ocorrido nesta semana, merece uma análise.

Não há quem ignore que o governo comunista aboletado em Praga é espúrio. Duas circunstâncias lhe tiram qualquer nota de legitimidade. Antes de tudo, o seu próprio caráter comunista. Não pode ser tido como legítimo um governo todo voltado a destruir a ordem natural e cristã, e a construir uma ordem antinatural e anticristã. Pois toda autoridade que se volta clara e gravemente, de um modo habitual e sistemático contra os direitos de Deus e do país, carece ipso facto de legitimidade.

De outro lado, o governo de Praga é constituído de títeres impostos pelos tanques soviéticos. Ora, sendo ilícita a ocupação soviética, usurpador é o governo imposto pelo ocupante do país.

Cônscios de sua inteira falta de raízes na Checoslováquia, os títeres de Praga estremeceram diante das eleições que lhes cabia convocar para o provimento de todas as câmaras legislativas da República e dos Municípios.

Para enfrentar a prova, organizaram as eleições como mais sujas não as houve na História. A oposição, que estava fora da lei, foi cerceada em tudo. Listas de candidatos, só as apresentou o partido do governo. A votação foi em dia útil, para que os funcionários e operários pudessem ser arrebanhados diretamente do local do trabalho para o das secções eleitorais. Aí os aguardava uma pantomima de voto secreto. Havia em cada secção eleitoral uma cabine para os que "quisessem" emitir seu voto às ocultas. Quem assim procedesse, entretanto, ficava sujeito às suspeitas e às perseguições do Estado comunista, isto é, do Estado-polícia-patrão. É claro que poucos haveriam de "querer". E assim todo o mundo ficava obrigado ao voto descoberto.

Nestas condições, nem sequer as mais modestas formas de oposição, isto é, a abstenção, o voto nulo e o voto em branco, foram admitidas.

Quanto ao resultado do pleito, só poderia ser a vitória do governo.

Todos estes dados, e os que apresento mais adiante, são documentados. Tiro-os não só da imprensa diária brasileira como da CSEO de Bolonha, de agosto p.p., bem como de Katolicke Novigy de Praga do dia três do corrente.

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Pergunto ao leitor se ele não se indigna com essa farsa. Pergunto-lhe se lhe agradaria apertar a mão de algum dos governantes ou dos funcionários, misto de celerados e palhaços, que contribuíram para que ela fosse levada a efeito. — Por certo que não!

Eis, entretanto, o fato em toda a sua rudeza: em Pastoral coletiva dirigida aos católicos checoslovacos, o Episcopado daquele país recomendou que votassem nos candidatos comunistas. Destaco do documento esta frase: — "Daremos naturalmente nossa confiança a homens que dedicam todas as suas forças físicas e espirituais ao bem-estar da nação e da sociedade". Assim vê o Episcopado os títeres dos ocupantes russos!

Monsenhor Alex Horak pronunciou um discurso em que declarou que "a autoridade do Estado é de origem divina e que esse princípio se torna ainda mais válido quando o promotor dessa autoridade é todo o povo". — Para não comentar senão um aspecto, lembro que afirmar o poder do povo naquela nação-mártir é pecado contra o Espírito Santo, pois importa em negar a verdade conhecida como tal.

Por fim, no discurso ao Ministro da Agricultura checo, em presença dos bispos da Boêmia e da Morávia, Monsenhor Stepan Trochta teve esta frase sem rodeios: — "Os cristãos são homens e querem viver bem. Hoje em dia não é nosso desejo discutir os problemas do post-mortem e nossa idéias sobre a eternidade, mas ocuparmo-nos das coisas materiais e atuais, das condições de uma pacífica vida humana. Se, pois, no centro dos interesses nosso e vosso está o homem e a vida, como disse o primeiro secretário do PCC e presidente do Front Popular, Gustav Husak, empenhemos todos os nossos esforços para uma vida feliz sobre a terra".

Duas mentiras estrondosas. Uma, de que seja próprio da Igreja, agora ou em qualquer tempo deixar de "discutir os problemas do post-mortem" e colocar "no centro de seus interesses" a preocupação por "uma vida feliz sobre a terra".

Outra mentira — menor mas imensa — é a de que no centro das preocupações dos títeres de Praga esteja o homem e a felicidade terrena deste.

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Santiago do Chile, Montevidéu, Praga... Três defecções, três escândalos, e nem sei mais o que dizer.

O que não digo, di-lo-ão os Anjos de Deus no dia do Juízo Último.

Antes disso, e desde já, neste final do século XX, o sangue das vítimas do comunismo, afrontado por esses escândalos pastorais, sobe ao Céu e, como o de Abel nos primeiros dias da humanidade, clama a Deus por justiça.

E Deus ouve sempre o brado de sangue como esse.


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