Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 27 de agosto de 1972

Que nenhuma injustiça conseguirá alterar... 

Ao ilustre Cardeal-Arcebispo do Rio de Janeiro, D. Eugênio Salles, julgo dever dirigir de público uma carta. Ei-la.

“Osculando a sagrada púrpura...”. Com estas palavras começavam de costume, ainda há pouco, as cartas dirigidas aos Cardeais. Não sei, Emcia., se ao longo destes anos em que a Igreja vem sofrendo a autodemolição e as impregnações fuliginosas da fumaça de satanás - cito expressões de Paulo VI - caiu em desuso esta nobre e bela formula. Em qualquer caso, permita V. Emcia. que eu a empregue aqui. Filho ardoroso da Igreja, amo e venero a púrpura romana. Dirigindo-me a V. Emcia., obedeço ao impulso de meu coração, osculando-a em espírito.

Entretanto, Senhor Cardeal, no próprio momento em que rendo este preito à púrpura romana o zelo pela minha honra de católico e de brasileiro, alvejada por artigo de V. Emcia. (“A força do egoísmo” - “Jornal do Brasil” de 19 do corrente), me põe na lamentável contingência de apresentar a V. Emcia. um protesto. Protesto público, como pública foi a acusação.

Exerço assim o mais fundamental e elementar dos direitos, o da legitima defesa definido e tutelado pela lei canônica, como pelas leis de todos os países civilizados.

Ajo exclusivamente em nome próprio, porém devo ponderar que tendo sido atacados comigo incontáveis brasileiros, na sua grande maioria católicos, as considerações que passarei a fazer por certo serão partilhadas por todos dentre eles, a quem chegue o artigo de V. Emcia.

*    *    *

Como desde logo quero deixar claro, de nenhum modo ponho em jogo o problema da reforma agrária. Não tenho o propósito de lutar contra ela na presente emergência. Às associações representativas dos proprietários rurais incumbiria em primeira linha faze-lo. Mas, segundo tudo me faz ver, elas se estão abstendo disto. Não sou, e jamais fui fazendeiro. Assim, embora sem nada desdizer das atitudes que nesta matéria tomei no passado - e dando até graças a Deus por as haver tomado - cruzo os meus braços e me calo inteiramente sobre o assunto. Como posso levantar a minha voz em favor de uma causa cujos representantes naturais escolheram o silêncio?

Peço vênia para repetir. Não é sobre a reforma agrária que escrevo a V. Emcia. É unicamente sobre o perfil moral e injusto que V. Emcia. traçou dos brasileiros anti-reformistas, entre os quais, obscura mas muito autenticamente, estou eu.

Consinta V. Emcia. em que eu cite aqui as próprias palavras de seu artigo.

Segundo V. Emcia., os anti-reformistas carecem de genuína sinceridade. Os argumentos que usam não passam de “bizarros disfarces” do seu egoísmo.

Fanatizados por tal egoísmo, reagem biliosamente “à mais leve referência que se lhe faça” (isto é, à reforma agrária). São vezeiros na unilateralidade velhaca.

Assim, em sua argumentação passam sob manhoso silêncio “a sólida estrutura econômica e política daqueles (países) que a realizaram (a reforma agrária) no decorrer da História”.

V. Emcia. conclui assim, com uma ênfase algum tanto ofegante, que o que move os antireformistas é o egoísmo, e a busca do interesse próprio com desprezo das exigências da coletividade e dos sofrimentos dos nossos irmãos. De modo que, nos que nessa matéria não pensam como V. Emcia., não há patriotismo nem caridade, há apenas egoísmo, feroz e incondicional egoísmo.

Formulada a acusação, V. Emcia. passa às agravantes.

Os anti-reformistas têm essa feia conduta inadvertidamente? Seria uma atenuante para eles. Mas, V. Emcia descarta tal atenuante afirmando, de passagem, que o procedimento deles é “talvez involuntário”, talvez... Assim, talvez seja voluntário...

Daí ser, segundo V. Emcia., contraditória e insincera a conduta dos proprietários anti-reformistas. Escreve V. Emcia.: “É impressionante o apego de alguns dos que desfrutam de posição favorável, reagindo a tudo quanto possa significar diminuição de suas posses. É o egoísmo humano, fruto do pecado. Por outro lado, sente-se a procura de todos os meios que possam servir de amparo a uma posição social privilegiada. A própria religião pode ser vista, não por seu valor intrínseco, mas como proteção ou barreira aos legítimos direitos do próximo.

Em consonância com isto, tais egoístas aplaudem a Religião “quando fala de paciência e da vida futura. Cessam os aplausos, se lembra as injustiças sociais, se mostra como exigências da fé, modificações de estruturas que impedem de ver na face do irmão, a imagem de Deus. Então, vem a desilusão e até mesmo o ataque. Não procuravam a Deus mas a si mesmos e a segurança dos próprios bens aqui na Terra”.

E à guisa de conclusão filosófica, V. Emcia. pondera:

“A reação à reforma agrária (...) nos faz refletir sobre a força do egoísmo”.

*    *    *

Este longo libelo acusatório de V. Emcia. exige alguns comentários.

É bem de ver que a reforma agrária contraria os interesses de muitos, conforme afirma V. Emcia. Mas o simples fato de um proprietário defender seus interesses - e aliás também seus princípios - não implica necessariamente em que ele esteja apaixonado a ponto de perder a noção de seus deveres.

Para que V. Emcia. estivesse no direito de levantar as graves acusações que formulou, seria necessário que analisasse, um por um, os argumentos contrários à reforma agrária, e provasse que são despropositados. Porque se assim não for, se esses argumentos - embora  não concorde V. Emcia. - têm consistência e seriedade, deve-se presumir a sinceridade dos que o alegam.

Ora, seja-me lícito observar, V. Emcia nada refuta da argumentação anti-reformista. Não dá qualquer prova das acusações que faz. E vai logo empunhando o cajado para golpear, não as idéias, mas a reputação dos que não pensam como V. Emcia.

*    *    *

A Igreja, Emcia., sempre foi extremamente cautelosa em questões de foro íntimo: de internis nec Ecclesia. Pergunto-me como terá V. Emcia. esquecido essa conhecida sentença, usando de seu prestígio de Pastor para indicar à antipatia - quando não ao ódio - de seus leitores, toda uma corrente da opinião nacional.

E isto num momento de revés, em que os componentes dessa corrente teriam direito, da parte de todo Pastor - pensasse este embora de outro modo do que eles - a uma palavra de afeto e de compreensão.

Entre a atitude do governo, que parece empenhado em executar a reforma num clima de máxima calma, sem descompor nem ferir a quem quer que seja, e a de V. Emcia., o contraste não poderia ser maior.

*    *    *

Tudo isto posto, anti-reformista convicto atingido, com milhares e milhares de outros brasileiros e católicos, pelo artigo em que V. Emcia. - de público e sem aduzir qualquer argumento valido -  nos invectiva, vejo-me obrigado a dizer a V. Emcia., em minha legítima defesa, que contra tal artigo protesto de toda a alma, em presença de Deus.

O que, feito, mais uma vez osculo a sagrada púrpura, com um afeto e uma veneração que nenhuma injustiça conseguirá jamais alterar.


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