Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Artigos na

 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

  Bookmark and Share

Folha de S. Paulo, 17 de setembro de 1972

Kissinger em Moscou

 

 

O Presidente americano Richard Nixon com Henry Kissinger

Sempre que viaja para algum país comunista em missão “secreta”, o sr. Henry Kissinger, funcionário norte-americano pomposamente intitulado “conselheiro presidencial”, a propaganda cria em torno do fato um ambiente de expectativa e tensão.

A certa altura da estadia do misterioso personagem no Exterior, começam a filtrar notícias, sobre a matéria “secreta” tratada entre ele e seus anfitriões. Surpreendentes, mas incompletas, elas preparam algum tempo a opinião pública para um desfecho espetacular. E quando esse desfecho sai a furo, aturde e desconcerta. Pois importa sempre em um favorecimento inconcebivelmente “generoso” dos interesses do país comunista que o sr. Kissinger visita.

Em síntese, é esta a cadência habitual das encenações do “conselheiro presidencial”: mistério inicial, informações oficiosas surpreendentes, capitulação acompanhada de estampido publicitário final.

*    *    *

É o que vai ocorrendo com a viagem do sr. Kissinger a Moscou, nesta semana. Envolvendo de inicio em denso mistério, ela foi objeto, na quinta feira, de notícias oficiosas soviéticas, segundo as quais está em vias de ser concluído um acordo comercial de larga envergadura, entre a Rússia e os EUA. Segundo tais noticias, o vulto dos negócios entre as duas nações subiria progressivamente, até atingir 5 bilhões de dólares por ano, em 1977. Tal acordo compreenderia intercâmbio comercial e créditos bancários para exportação e importação. Como corolários os norte-americanos já estão considerando a construção de um centro comercial completo em Moscou, com capacidade para 400 escritórios de empresas e incluindo hotéis.

*    *    *

A notícia oficiosa deixa em hábil penumbra aspectos capitais do assunto. A produção russa - por exemplo - é de longe inferior às necessidades da população. - Com que então pagará Moscou as aplicações e créditos concedidos pelos EUA? Em que prazos? Com que juros? Que investimentos fará Moscou, por sua vez, nos EUA? Ou que fornecimentos efetuará?

Mais. - Caso a Rússia não queira ou não possa pagar os débitos que assim contrai, disporão os EUA de meios para obrigá-la a tal pagamento, sem criar o risco de uma conflagração mundial?

E ainda mais. - Os capitais aplicados pelos EUA na Rússia constituirão propriedade privada das empresas norte-americanas que os investirem? Será isto compatível com a índole do regime comunista, no qual todos os meios de produção são coletivizados?

Admitamos que, contra toda a expectativa, Moscou assine um tratado assegurando o status de propriedade privada aos investimentos americanos. - Que garantia tem os investidores de que, em dado momento todos esses bens não sejam “nacionalizados”, com a mesma sem cerimonia com que empresas estrangeiras vêm sendo confiscadas no Chile, Peru ou no Iraque?

Estas perguntas, ou antes, estas apreensões, têm todo o fundamento. Pois segundo as próprias  notícias oficiosas que comento, os acordos a serem assinados por Kissinger “superam” o problema da dívida de guerra russa para com os EUA.

Ninguém ignora que, pouco antes de ser agredida pelo III Reich, a Rússia  tivera um conflito armado com a Finlândia, no decurso do qual fora vergonhosamente derrotada. Obviamente ela seria ainda muito mais completamente vencida pelo poderoso Exército alemão. Se ela resistiu à investida teuta, deveu-o em muito larga medida aos recursos de toda ordem com que as potências aliadas - e muito especialmente os EUA – a dotaram. Terminado o conflito, a América do Norte apresentou naturalmente a sua conta: 2.600.000.000 de dólares. A isto, a “gratidão soviética” respondeu com uma proposta. A redução da dívida a 300.000.000 de dólares!

Inconformados, os EUA deixaram o assunto em ponto morto. Pois se quisessem cobrar à viva força o que a Rússia realmente lhes devia, correriam o risco de provocar nova guerra mundial.

Ora, é a este péssimo pagador que os americanos vão fornecer novos créditos! E a fonte oficiosa soviética que o informa, acrescenta que o problema da dívida de guerra russa para com os EUA ficará assim “superado”.

No caso, a “superação” segundo notícia de última hora, consiste no seguinte: ambas as partes resolveram fazer concessões. Os EUA aceitam um desconto de 2.100.000.000 de dólares, e a Rússia, por sua vez, concorda em pagar mais 200.000.000 de dólares...

Para reforçar ainda mais a vantagem russa, ficou estipulado que esse débito será pago dentro de 30 anos. Ou seja, em números redondos, dentro de 60 anos depois de contraído! Bem entendido, essa transação fica relegada a uma importância secundária no fluxo da imensa negociação que Kissinger acaba de acertar.

Se se perguntasse a Kissinger por que fez tão enorme concessão, ele responderia, sem dúvida: “O que o Sr. quer? Uma nova guerra mundial?” É, pois, com o revolver encostado no peito do credor, que o honesto devedor soviético negocia.

E a isso se chama “superação”! - Não é delicioso?

*    *    *

No mesmo dia em que saiu a notícia das sinistras alquimias de Kissinger em favor dos russos, também se informava que os gastos soviéticos em matéria de armamentos se vem tornando cada vez mais maciços. De sorte que a Rússia veio passando, nos últimos anos, de uma situação de esmagadora inferioridade em relação aos EUA, para uma igualdade que vai transformando em superioridade em alguns pontos.

Prestou tal informação o Gen. A.J. Goodpaster, comandante supremo das forças conjuntas da NATO, durante a XVIII Assembléia Geral do organismo, no dia 13 do corrente.

*    *    *

A desonestidade da conduta soviética não é o que mais pasma, no caso. Sobretudo causa surpresa que a um adversário tão inidôneo como agressivo, o sr. Kissinger esteja disposto a ajudar com créditos e investimentos de toda ordem. - Não faz ele exatamente o papel de um indivíduo que empresta dinheiro a um caloteiro, para que compre um revólver?

*    *    *

- O sr. Kissinger? - Digamos a verdade inteira: o responsável efetivo por tudo não é ele, mas o sr. Nixon, a quem serve de pau mandado.

Enquanto assim vai deixando passar a riqueza e o poder das mãos de seu país para o adversário, o sr. Nixon está se sagrando candidato de todos os conservadores norte-americanos à Presidência da República! E isto sob a alegação de que o sr. McGovern é ainda mais esquerdista do que o atual presidente.

- Como tudo serve aos interesses do comunismo neste mundo de hoje! Até parece uma comédia.

É só porque a minoria esquerdista levantou a débil candidatura McGovern, que Nixon está reunindo em torno de si as forças da imensa maioria conservadora. E deste apoio ele se serve para negociar, desde já, com os soviéticos, um acordo que ameaça ser incomparavelmente mais ruinoso para o mundo livre do que o de Yalta...

*    *    *

- Mas, objetará alguém, será mesmo a Rússia tão pobre assim? - Disto, as provas pululam. Uma delas foi dada ainda esta semana pela revista “Economicheskaya Gazeta”, de Moscou, segundo a qual poucos são os itens nos quais a produção soviética se mostra à altura das necessidades do consumo.

A razão disto está, obviamente - comento eu - em que o regime de propriedade coletiva desestimula o trabalho, e portanto, a produção.

A Rússia é pobre, necessariamente pobre como o são os demais países comunistas: o regime é antinatural, e por isto funciona mal.

- E os Srs. Nixon e Kissinger ainda proporcionam aos soviéticos os meios para fazer propaganda do comunismo no mundo inteiro.

Pois, amparada pelo auxílio de capitalistas norte-americanos, Moscou se sentirá sempre mais à vontade para continuar a desviar parte do dinheiro do povo russo, a fim de exercer um mecenato junto às nações em desenvolvimento: empréstimos, fornecimento de técnicos, investimentos em maquinarias, etc. Com tudo isto, a Rússia procura fazer-se acreditar aos olhos do mundo em desenvolvimento, como nação próspera.

Assim vai correndo, de imprevisto, a locomotiva ianque, que leva atrás de si, como vagões, os povos do mundo livre!


Home