Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

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26 de agosto de 1973 

Carta ao Arcebispo de Recife 

Senhor Arcebispo 

Acabo de ser inteirado pela imprensa de que o Senhor (de boa vontade eu lhe daria o tratamento de Excelência, porém não o faço, já que me dizem que não é de seu agrado), foi proposto como candidato à Presidência da República pelo MDB, numa reunião de membros dessa agremiação política, realizada em Porto Alegre.

Como por toda parte onde aparece seu nome, houve dissidência, entrechoque, estrondo e propaganda. O episódio, irrelevante de si – já que, por fim, foi seu nome rejeitado – manifesto entretanto um fato não desprovido de alcance. Mesmo depois do prolongado silêncio em que o Senhor tem estado, conta o Senhor, no Rio Grande do Sul tão distante de Pernambuco, com adeptos calorosos. Calorosos, mesmo, a tal ponto, que sonham em vê-lo algum dia na Suprema Magistratura de nossa Pátria. Se sua ação chegou até o extremo sul do País, não causará surpresa que ela tenha atingido também todos os espaços intermediários entre Recife e Porto Alegre. E que o Senhor conte com núcleos de adeptos aqui e acolá em toda essa imensa região. A fortiori, núcleos destes existirão pelo Nordeste, do qual é capital a linda cidade de Recife, para a qual João XXIII o nomeou, e na qual Paulo VI o conserva.

Tudo isto era fácil de entrever pelos observadores atentos da realidade nacional. Mas creio que o fato despertará surpresa nos imensos setores de nossa opinião pública, que a convicção de nossa prosperidade adormeceu em sono pachorrento, e que julgavam ser o Senhor, hoje em dia, um espectro do passado. Consideravam eles, com nixoniana imprudência, que a euforia do progresso debelara a luta ideológica em nosso País. Isto lhes causava uma ilusão deliciosa a duplo título, já que não gostam, nem de lutas, nem de ideologias. Agora despertam do relaxado sono, com este início de ruído que o Senhor causa. E verificam que basta remexer-se um pouco a política, ao sopro da sucessão presidencial, que os entusiastas do Senhor se põem a movimentar um dispositivo de ação ideológica, que na penumbra jamais deixara de vicejar.

Há mais. A imprensa diária noticiou também que o Senhor empreenderá em breve uma série de conferências internacionais... Suécia, Noruega e Estados Unidos, falando a compactos auditórios de protestantes e de católicos, repetindo assim aquelas tournées internacionais que o Senhor fazia outrora, e cujo efeito mais palpável consistia em deslumbrar e multiplicar seus simpatizantes no Brasil.

Entre o ensaio de candidatura no Rio Grande do Sul e o projeto de viagem à Península escandinava e à América do Norte, existe presumivelmente algo mais do que uma simples coincidência cronológica. Pois se, há anos atrás, sua propaganda interna no Brasil e sua propaganda internacional andavam pari passu rumo à mesma meta, tudo leva a crer que o ressuscitar simultâneo de ambas as coisas não é mera coincidência.

Sirva tudo isto para dar uma visão mais arejada e objetiva das coisas, aos "a-ideólogos" nacionais.

* * *

Porém, Senhor Arcebispo, entre suas atividades de outrora e as de hoje sobreveio um fato que ninguém pode subestimar. Esse fato confere a qualquer brasileiro o direito de lhe fazer uma pergunta: trata-se do fato chileno. Próximo de nós pela Fé, pela raça, pela situação geográfica, um dos maiores povos latino-americanos agoniza. A aplicação da ideologia socialista e estatolátrica levou esse povo a um estado de deperecimento, do qual só tem idéia exata quem acompanha de perto os órgãos da imprensa chilena.

O Chile possuía uma estrutura sócio-econômica análoga à nossa. Essa estrutura tinha defeitos também análogos aos da nossa. Houve gente análoga ao Senhor, que alegava a necessidade de reformar totalmente essa estrutura para corrigir tais erros. Tal gente levou o Chile aos bordos do precipício em que o Brasil se encontrava em 64. Enquanto aqui – com pesar para tantos simpatizantes do Senhor – nos detivemos à beira do precipício, a democracia-cristã chilena, com Frei à frente, fez rolar ladeira abaixo o pais andino. – Qual o resultado? A fome e as injustiças que a esquerda chilena proclamava combater, foram multiplicadas por mil. E mais ou menos a mesma gente liderada pelo Cardeal Silva Henriquez, tudo está fazendo para sopitar as reações pelas quais o povo irmão poderia reerguer-se da catástrofe.

Estes fatos, tão noticiadas por aqui, não passaram em branca nuvem ante a opinião brasileira. Eles criam uma larga e explicável apreensão ante os resultados a que poderia conduzir-nos – se bem sucedida a rentrée que o Senhor parece estar ensaiando.

Mas ao mesmo tempo que a tragédia chilena é de molde a despertar a cautela até dos mais desprevenidos, ela levanta a respeito do Senhor uma pergunta. Essa pergunta, mais especialmente têm o direito de a fazer aqueles que ainda conservam dos antigos tempos a imagem do Senhor como paladino da luta contra a pobreza. Verificada a sinistra catástrofe chilena, Senhor Arcebispo, a experiência dos fatos concretos não o mudou em nada? Por que o Senhor, que tem corrido mundo bradando contra a pobreza, até agora não fez ouvir uma só palavra de desaponto e de censura em relação ao descalabro que tomou conta do Chile? Dado o seu passado, D. Helder, se o Senhor quer despertar novos entusiasmos em nosso País, é forçoso que se exprima com clareza meridiana sobre a experiência Chilena. Sem isto, o Senhor encontrará sempre a lhe dificultar os passos ao longo de todos os caminhos, a mesma interrogação: por que seu silêncio sobre o Chile?

* * *

Essa interrogação, venho apresentá-la ao Senhor nesta coluna. Para lhe facilitar o pronunciamento, dou-lhe aqui alguns dados sobre a situação chilena. Não suponha que os tirei de algum estudo elaborado pela gloriosa TFP daquele país. Procedem todos eles de um relato do PDC chileno, bem insuspeito no caso, pois como eu há pouco disse, foi o partido que sob o mando de Frei – o Kerensky chileno – abriu o caminho de Allende para o poder. Foi este relato publicado por uma revista de Santiago muito simpática ao Senhor. É a revista "Ercilla" de 12 de junho de 1973. Extraio dela os seguintes dados.

1. Em 1972 a alta do custo de vida foi de 163%;

2. Em dois anos e meio de vigência do governo socialista da Unidade Popular, o salário vital aumentou 3,3 vezes, enquanto os preços de bens essenciais subiram "oficialmente" quase 10 vezes;

3. A emissão de papel moeda subiu de 9.199 milhões de escudos em dezembro de 1970 para 71.835 milhões em abril de 1973, isto é, 8 vezes;

4. A produção agrícola baixou 25% desde 1970;

5. Em 1970 cada pessoa dispunha de 134 quilos de trigo. Em 1972 não chegou a 90 quilos;

6. Em 1970 cada pessoa dispunha de 22 quilos de açúcar. Em 1972 não passou de 13 quilos;

7. A produção de leite diminuiu 26%;

8. Em 1970 gastaram-se 180 milhões de dólares na importação de alimentos. Em 1973 essa cifra subirá a 680 milhões;

9. A produção industrial caiu enormemente;

10. Houve grande emigração de técnicos;

11. Perderam-se mais de 80 bilhões de escudos com a intervenção nas empresas;

12. Registra-se uma queda vertical das exportações. Exemplos: a de aço, diminuiu 90%, a de salitre e iodo 30%, a de azeite 51%, a de farinha de peixe 58%, a de cebolas 80%, e assim por diante. Com isso, o país deixou de receber 200 milhões de dólares com os quais poderia ter comprado 400 milhões de quilos de frango, o que representaria 40 quilos de carne de ave por pessoa.

De outra revista chilena "Que Pasa", edição de 5 de julho p.p., tiro mais estes dados terrificantes, relativos ao Hospital Von Buren, de Valparaiso.

1) Há um mês estão suspensas as operações, por falta de roupa esterilizada;

2) Os enfermos devem levar roupa de cama e cobertores;

A comida é muito magra, como "Caldo Witt" (uma espécie de sopa em pó industrializada, como há por toda parte) e coisas similares. É assim que o organismo dos doentes deve reagir contra a enfermidade.

* * *

Sujeito à sua apreciação estes dados. Só me cabe, para encerrar, apresentar-lhe meus cumprimentos. Católico, levado por tradição e pelos naturais impulsos de minha alma a oscular-lhe o anel pastoral, eu concluiria esta carta dizendo ao Senhor que à distância e em espírito lhe faço esse gesto de respeito. Ao que parece, o Senhor não aprecia esse cumprimento tradicional. Abstenho-me dele. E me limito a pedir a Nossa Senhora desses Campos dos Guararapes, que o ilumine para o bem do Senhor de todos nós.


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