Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

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Folha de S. Paulo, 7 de dezembro de 1977 

A família no tobogã 

Para manifestar adequadamente meu pensamento sobre o decreto aprovado finalmente pelo Senado (em sessão que invadiu até os primeiros minutos do desafortunado domingo, dia 4!), parece-me conveniente dar uma volta através de outro tema. E isto para ser breve. 

O leitor se surpreenderá. Mas em jornalismo, não é certo que a linha reta seja sempre o caminho mais curto entre dois pontos. 

Desejo por em realce quanto houve de belo na atitude dos senadores Benedito Ferreira (Arena-GO) e Dirceu Cardoso (MDB-ES), os quais lutaram até o último momento, à frente de tantos outros congressistas, pela manutenção da indissolubilidade do vínculo conjugal, e depois alcançaram da maioria do Senado que o divórcio pelo menos só fosse concedido por uma vez a cada cidadão brasileiro. 

A partir do momento em que certas fórmulas como "política da mão estendida", "queda de barreiras ideológicas", "Ostpolitik", "détente" etc. começaram a ser sucessivamente incorporadas no linguajar de políticos e intelectuais, tenho como certo que, por toda parte em que elas foram sendo introduzidas, o nível de perspicácia e fibra dos homens veio baixando. 

Com efeito, o que foi, na prática, a "política da mão estendida"? — Uma vitória acentuada do Mal. Os filhos deste (ou, por outra, os enteados, pois o Mal não sabe ser pai, mas só padrasto), adquiriram a faculdade de estender a mão suja aos filhos do Bem. E de colocar estes ipso facto numa alternativa desagradável. Se eles correspondessem ao gesto "cordial" metendo na mão suja sua mão alva, esta aos poucos iria sendo apertada pela mão suja até o sangue. Se eles recusassem o imprudente aperto de mão, seriam apontados como fanáticos, extremistas, obscurantistas, intolerantes etc., etc., por toda uma "claque" adrede apostada para este inglório papel. 

Em suma, a "política da mão estendida" só serviu para que os enteados do Mal iludissem e depois estrangulassem os filhos do Bem. O que não impediu que, míopes e amolecidos, muitos filhos do Bem — que filhos! — a aplaudissem. 

O que foi a "queda das barreiras ideológicas"? — De nenhum modo o franqueamento do mundo comunista à penetração do pensamento e da influência do mundo livre. Mas tão somente o destroçamento de múltiplas defesas ideológicas do mundo livre ante a guerra psicológica revolucionária movida por Moscou. E houve entretanto quem, no mundo livre, lançasse esta fórmula e quem a tivesse aplaudido com ênfase. 

A "Ostpolitik" o que foi? O que está sendo? — Tão somente uma política pela qual o Oeste faz concessões ao Leste, e o Leste não as faz ao Oeste. Lembro aqui, com tristeza, estar a Santa Sé engajada nessa política, até mesmo quando a própria Alemanha já a relegou para segundo plano. E a despeito desta evidência, não só o Vaticano mantém esta política, mas ela conta com o apoio de uma proporção impressionante de clérigos, e de uma proporção bem menor — mas ainda assim considerável — de leigos. 

Na "détente", quem se distendeu? — Kissinger, por certo, seus discípulos e seus sequazes. Jamais Brejnev, seus asseclas e seus escravos. E em seus dias, a "détente" contou com numerosos aplausos no Ocidente, enquanto continuava gélido e imutável o "fácies" do Oriente. 

Não seria difícil provar que a política dos direitos humanos, do presidente Carter, não é senão uma variante da "détente". E que os direitos assim apregoados pelo desinibido plantador de amendoins da Geórgia são — pelo menos na prática — muito mais os direitos dos que lutam a favor do comunismo do que das vítimas deste. 

Resumindo, a generalização dessas fórmulas equívocas ou até falaciosas propiciou a formação, em todo o Ocidente, de um largo setor de opinião pública, por certo não-comunista, mas a tal ponto falho de visão e de fibra, que está permanentemente propenso a aplaudir tudo quanto traga vantagem ao comunismo, e desvantagem ao "não-comunismo". 

O aparecimento deste veio de perpétuos torcedores não-comunistas, de todas as jogadas comunistas, é como um fundo rasgão a deformar a fisionomia do Ocidente. Com efeito, como não reconhecer nele uma queda de nível de inteligência, e um passo a mais rumo ao desfibramento geral? Compor com as reivindicações "modernas", recuar, ceder, dormir enquanto o adversário avança: não importa isto numa assombrosa falta de princípios? 

Pois neste mundo — neste Brasil — em que o divórcio avançou encontrando diante de si, da parte de antidivorcistas "ex-officio" (os quais prefiro nem mencionar), uma semi-indiferença escandalosa — quase uma atmosfera de "política da mão estendida" e de "détente" com os divorcistas — é alentador mencionar que em ambas as Casas do Congresso Nacional houve quem lutasse contra o divórcio até o fim. E que, no Senado, os Srs. Benedito Ferreira e Dirceu Cardoso levaram sua nobre obstinação até o ponto de, diante da catástrofe divorcista consumada, restringir quanto puderam a amplitude de mal que desde agora passará a corroer a família brasileira. 

É nobre, é belo lutar pela integridade dos princípios que se professa. Fazê-lo quando tantos se desinteressam desses princípios, é heróico. É épico. 

Dei uma volta por vários temas para chegar a esta conclusão. Mas a ela cheguei com mais força de evidência do que se tivesse enchido laudas e laudas de elogios convencionais a esses dois senadores. Discorrendo sobre outros temas que não o divórcio, fiz uma volta... e cheguei mais depressa. 

No entanto, não posso crer que a restrição ao divórcio obtida pelos beneméritos senadores constitua um ponto de equilíbrio aceitável e durável, entre a indissolubilidade do vínculo conjugal e o desbragamento para o qual tendem, em geral, as legislações divorcistas. 

Com efeito, ou se reconhece que o casamento é indissolúvel por sua própria natureza, ou se afirma que ele não o é. 

No primeiro caso, é lógico proibir o divórcio. Proibi-lo de fato, sem deixar margem à menor concessão. Se por natureza ele pode ser dissolvido, não vejo como sustentar que ele o possa ser só uma vez. 

Dou um exemplo. O direito de cada homem à própria honra é sagrado. Em conseqüência, a ninguém é legítimo caluniar. E ainda que alguém haja cometido apenas uma calúnia na vida, deve a lei puni-lo com rigor. Se uma lei assegurasse a cada cidadão o direito de lançar impunemente, ao longo da existência, uma só calúnia, o próprio princípio legal se desprestigiaria no conceito geral. E em breve os costumes teriam aceito a calúnia como normal. 

Vou mais longe, pois até lá leva o rigor da lógica. O homem tem um direito natural e sagrado à vida. Se uma lei permitisse a cada homem praticar um só homicídio, o direito de todos os homens à vida estaria atirado ao chão. E o mundo se desfaria num mar de sangue. 

Analogamente com o divórcio. 

Com a aprovação deste, a família brasileira foi posta no alto do tobogã. Ali a reterá talvez, por um pouco de tempo, a nobre coerência dos dois lidadores com quem votou a maioria do Senado. 

Qual a duração desse tempo? 

Em matéria de tobogã, a solução consiste em não acercar-se dele. Aceita a primeira resvalada, o resto não é senão escorregar.


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