Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

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Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

3 de outubro de 1971

A I.O. no "water shoot"

Estava encontrada a fórmula para levar a "Igreja Ortodoxa" à degradação, e por fim à ignomínia total.

Com efeito, as compressões e descompressões suscitavam na hierarquia da I.O. reflexos desencontrados, que, todos, conduziam à capitulação e à colaboração. As perseguições esmagavam pelo pânico. As concessões tinham todo o poder de sedução do suborno. A fim de conseguir segurança e pão, os Bispos — bem diversos dos antigos mártires — se sujeitavam a qualquer coisa.

O mesmo sistema de compressões e descompressões ia transformando a massa do povo "ortodoxo" pela ação do binômio "medo-simpatia", que tive ocasião de estudar num ensaio ("Baldeação ideológica inadvertida e diálogo" — Editora Vera Cruz Ltda., São Paulo, 1966). A cada "razzia" de violências e de propaganda atéia, a grande massa dos "ortodoxos", deprimida pelo medo e alquebrada pela impressão — aliás falsa — de sua impotência, já não sabia o que fazer. A distensão que se seguia às "razzias", parecia assim, aos olhos dos pobres perseguidos, uma inesperada lufada de simpatia, um ato de pura liberalidade. Mas essa "simpatia" e essa "liberalidade", dosadas com acerto maquiavélico, suscitavam, por sua vez, no espírito dos adeptos da I.O., uma dúvida: seriam assim tão ruins esses comunistas? Não haveria um jeito de entrar em composição com eles? — Essa pergunta dividia as bases da I.O., acarretando controvérsias entre "duros" e "moles", de onde divisões e retaliações crescentes, nos meios religiosos. Assim, o binômio medo-simpatia ia dividindo e estrangulando a I.O. com seus dois braços de ferro. Um apavorava e assim fazia apóstatas. Pois os simpatizantes passavam, em grande número, para o campo dos bispos vendidos ao comunismo. Os poucos "irredutíveis" só tinham por saída, enfurnar-se nas sombras da "Igreja do Silêncio".

* * *

Como símbolo da aceleração do processo de degradação, penso que nenhum seria mais adequado do que o "water shoot". Pois a velocidade com que os homens e as instituições se degradam, se acelera precisamente como a de um corpo posto na famosa rampa de esporte aquático.

O Sinédrio conseguiu de Judas Iscariotes que vendesse Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele não levou, entretanto, as suas exigências a ponto de impor ao traidor que colaborasse com os algozes no deicídio. Antes da Revolução Comunista russa, o mundo pensava que não seria possível ir mais longe — nas vias do ódio e da torpeza — do que o Sinédrio. Os soviéticos se encarregaram de desmentir, perto de dois mil anos depois de Jesus Cristo, esta ilusão. Eles souberam pôr a serviço da implantação e da consolidação do comunismo, toda uma corte de Bispos empanicados e vendidos. Bispos da I.O., é verdade, e não da Igreja Católica. Mas, em todo caso, Bispos autênticos, que se intitulam sucessores dos Apóstolos.

Lenine morrera em 1924. Em 1928 Stalin aplicava o seu primeiro plano quinquenal. Fazia parte deste, uma reforma agrária radical, que confiscou suas terras a um número incontável de pequenos proprietários. Como é natural, o descontentamento se espalhou por toda a Rússia. Foram abertos, então, campos de concentração, nos quais os descontentes foram lançados aos milhões.

Ao mesmo tempo, uma perseguição gigantesca se abateu sobre todas as Igrejas existentes na Rússia. O movimento dos sem-Deus chegou então ao seu auge. A parte do clero, dos religiosos e dos leigos que recalcitrava contra o comunismo, foi perseguida com uma violência sem precedentes. Este regime de terror durou até 1936. Este ano marca o início — ainda hesitante e tímido — do período da "paz" religiosa e da degradação definitiva da I.O.

Depois desta surra máxima e suprema, Stalin começou a afrouxar a perseguição. Em 1939 ela cessou de vez. Em 1940, o governo comunista começou a atenuar a propaganda dos sem Deus.

Como se pode imaginar, as simpatias para com o comunismo cresceram muito, à vista desta inesperada e "generosa" distensão.

Um fato novo veio melhorar ainda mais as relações entre os bispos colaboracionistas e o regime comunista. Em 1941, as tropas nazistas invadiram a Rússia. A alta hierarquia da I.O. conclamou então o povo a lutar do lado dos comunistas. O clero "ortodoxo" se pôs a coletar donativos para a resistência, e estes foram tão abundantes, que pagaram os equipamentos da famosa coluna "Dimitri-Donski". A colaboração da I.O. importava em armar uma verdadeira cruzada a favor dos sem-Deus, contra os neopagãos da cruz gamada. Ótima ocasião para os bispos, de procurar uma definitiva reconciliação com Stalin!

Para chegar a essa reconciliação — a essa traição — a mentira era um meio próprio e natural. O metropolita Sérgio, ocupante interino do "trono patriarcal" de Moscou, fez difundir um livro, "A Verdade sobre a Religião na Rússia", no qual ele sustentava, deslavadamente, que na Rússia comunista jamais houvera perseguição religiosa!

Como se poderia prever, Sérgio acrescentava que sua Igreja exigia uma lealdade absoluta do povo para com o comunismo. O que importava em fechar as portas aos anticomunistas. Assim, Sérgio e toda a hierarquia da I.O. (exclusão feita da "Igreja do Silêncio") serviam de instrumento ao governo comunista para desfechar contra os adversários deste, uma perseguição de outro gênero. Já não era a perseguição feita pelo Estado, policialesca, burocrática, abrutalhada e, ao mesmo tempo, indolente, mas era a perseguição feita pela própria I.O., com armas religiosas: perseguição, portanto, teológica, refinada, poupando os corpos mas esmagando as consciências.

As coisas haviam chegado ao ponto desejado pelo comunismo. A partir da grande distensão de 1939, a I.O. estava inteiramente vendida. Ela colaborava com o comunismo levantando uma "cruzada" fulminando "excomunhões" contra os anticomunistas.

* * *

A partir deste momento, a I.O. começou a ser um mero departamento de propaganda dos comunistas dentro e fora da Rússia.

Fora da Rússia, digo, porque as circunstâncias haviam mudado. Stalin resolvera transpor para o plano internacional o jogo compressão-descompressão — ou, em outros termos, o binômio medo-simpatia — que tão bem lhe servira na Rússia.

Para isto, de um lado ele se apoiou sobre o medo, desenvolvendo gradualmente, no Ocidente, uma propaganda que chegaria ao seu paroxismo com o pânico da agressão atômica.

De outro lado, explorou o fator simpatia, utilizando, para esse efeito, grupelhos pró-comunistas de católicos, protestantes e cismáticos, que começaram a pulular e a deitar metástases pelo mundo inteiro.

Tratava-se — no plano da simpatia — de convencer o maior número possível de pessoas de todas as religiões, de que o comunismo não era o bicho-papão que imaginavam.

O primeiro passo para essa mistificação foi um episódio bufo, isto é, a eleição, em 1943, de um "patriarca" para Moscou. Como era natural, Sérgio, o subserviente, foi eleito. Esse fato simbolizou a plena normalização das relações entre a I.O. e o Kremlin. Fascinados pelas comodidades desse "modus vivendi", igrejolas greco-cismáticas de todos os países satélites começaram a girar na órbita de Moscou, apoiando a implantação do comunismo nos países recém-conquistados. Era um primeiro resultado fora da Rússia.

* * *

Viriam outros?

Vinte anos de trabalho metódico demonstraram que sim.

Uma longa ação publicitária, feita de omissões velhacas, de contraverdades e de "bluffs", conseguiu diluir em largos círculos da opinião ocidental, a lembrança da era negra dos sem-Deus e das perseguições religiosas.

Os líderes soviéticos pós-stalinianos empreenderam toda uma campanha publicitária para criar a ilusão de que "algo havia mudado" na Rússia, e que os novos ocupantes do Kremlin eram "camaradas" risonhos e pacíficos. O contraste entre Stalin, o terrível, e Kruchev, o piadista jovial, simbolizava bem esse "degelo". A "desestalinização" enchia o mundo de brisas de primavera.

Com este fundo de quadro, era fácil fazer crer que a era das perseguições religiosas cessara na Rússia. E daí a apertar a mão que a I.O. de Sérgio estendia, havia um só passo. Este passo, muita gente inteligente, culta, experimentada e influente do Mundo livre o quis dar.

Em 1962 reuniu-se em São Pedro de Roma, o Concílio mais numeroso da História. Para ele João XXIII convidara observadores de todos os cultos, entre os quais os da I.O. pró-comunista.

Segundo constou largamente naquela ocasião, a condição imposta por esta I.O. para que se dignasse aceitar o convite, era que na Sala Conciliar fosse proibido qualquer ataque ao comunismo, e que o Concílio Vaticano II se abstivesse de dizer contra este qualquer palavra.

Não conheço provas concretas de que essa imposição tenha sido formulada. Mas o fato é que, no tocante ao comunismo, tudo se passou assim...


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