Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

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16 de abril de 1972

Nove portões aumentam o mistério

No centro das controvérsias contemporâneas está a questão comunismo-anticomunismo. Assim, tudo quanto possa esclarecer o mundo a respeito da dramática alternativa com que ele se defronta, deveria ser amplamente difundido pelos meios de comunicação social. Ora, infelizmente, é o contrário que não raras vezes ocorre. E com isto só quem lucra é a causa do erro. Ou seja, o comunismo.

Esta reflexão me ocorreu com particular força lendo os noticiários referentes ao franqueamento de Berlim Oriental aos visitantes do setor ocidental, por ocasião da Semana Santa e da Páscoa.

Do ponto de vista emocional, o fato não podia ser mais impressionante. Uma grande capital cortada em dois por uma muralha de aço. Do lado oriental, mistério: lá ninguém entra, de lá ninguém sai. De quando em quando, de dentro da caixa de mistério salta espavorido algum indivíduo, que prefere enfrentar os riscos mais graves — e até a morte — a permanecer ali. Ao mesmo tempo, uma propaganda mundial multiforme, insistente, cínica, sustenta que o regime vigente nessa caixa de mistério é apto a transformar qualquer país num paraíso terrestre. Como se vê, a contradição entre os fatos e a propaganda é palpável. — Por que, de um lado, tanto mistério para esconder este "paraíso", e ao mesmo tempo tanta propaganda para persuadir que ele é realmente edênico? Se o é, porque então tanta gente quer dele sair, mesmo à custa de tantos riscos? Se não o é, como se explica que tanta gente procure estender ao mundo inteiro as instituições que o regem? — A resposta a todas estas perguntas interessaria no mais alto grau à controvérsia comunismo-anticomunismo.

* * *

Obviamente transpor a cortina de ferro, visitar detidamente Berlim Oriental, verificar in loco a autenticidade desse paraíso — ou sua inautenticidade — constituiria um meio preciosíssimo para dar a vários desses problemas respostas adequadas.

Por isto mesmo, estou persuadido de que milhões de leitores no mundo inteiro, aguardavam com a mais viva curiosidade o noticiário dos meios de comunicação social alemães sobre o que os berlinenses ocidentais contariam, de regresso de sua visita a Berlim Oriental. E que os meios de comunicação social haveriam de difundir com açodamento o que pudessem ouvir das centenas de milhares de visitantes.

— Centenas de milhares? — A tal respeito, as informações são resvaladias. No dia de se abrir o muro, os telegramas noticiavam que seriam 500 mil os visitantes, aos quais se franqueariam nove portões na cortina de ferro.

— Meio milhão... É muita gente! Em função de tão alto número, aqueles nove portões não deixavam de suscitar uma tal ou qual perplexidade. — Que largura deveriam ter esses portões para passar essa caudal humana? — Tanto mais quanto, devendo todos os transeuntes apresentar uma autorização escrita aos serviços de vigilância comunistas, pequenos incidentes de fronteira seriam inevitáveis. E qualquer demora acarretaria a formação de imensas filas... Seria natural que os meios de comunicação social teutônicos, habitualmente tão meticulosos, satisfizessem à legítima curiosidade do público a respeito, explicando qual a largura dos famosos nove portões, quantas pistas para automóveis, quantas calçadas para pedestres, e quantos postos de vigilância cada um deles comportava.

Outro pormenor: entre esses "portões" estava incluído um que desse acesso ao metrô? Em qualquer caso, quantos trens circularam naqueles dias entre as duas Berlins? Como se exercia a fiscalização comunista sobre os usuários do metrô?

Sobre tudo isso, silêncio...

Sobre o próprio número de visitantes, o noticiário começou a cambalear. No dia de se abrirem os nove portões, falava ele em 500 mil. Durante os dias da visita, referiu-se laconicamente a "milhares"? O que quer dizer isto? — A expressão é vaga e cautelosa. Ela se pode referir tanto a centenas de milhares, quanto, mais modestamente, a dezenas de milhares, ou simplesmente a dois mil. — Por que esse caráter vago do noticiário?

Sendo a abertura provisória do muro de Berlim mera manobra propagandística soviética para facilitar a ratificação do Tratado de Moscou pelo Parlamento da Alemanha Ocidental, é bem evidente que o interesse comunista era de que constasse um alto número de visitantes. E de encobrir a realidade, caso este número fosse baixo. Essa ambigüidade talvez favorecesse, pois, os interesses comunistas.

É verdade que Berlim Oriental publicou, no último dia 11, um comunicado segundo o qual 449.597 berlinenses ocidentais transpuseram a cortina. Mas quem pode crer na objetividade dos comunistas quando falam "pro domo sua"?

Todo assunto — enquanto não aparecerem melhores dados — fica envolto em trevas...

* * *

Seja como for, "milhares" de visitantes estiveram em Berlim Oriental. Entre eles seria normal que houvesse um bom número de repórteres. E ainda que as autoridades comunistas tivessem proibido a visita de repórteres, não seria difícil encontrar entre os visitantes alguns que, pagos ou não, coletassem, com critério verdadeiramente jornalístico, dados para amplas reportagens. Ao que parece, nada disto foi feito. Porque praticamente nada constou dos noticiários. — Se assim é, qual a causa desta insólita omissão?

A imprensa escrita e falada de Berlim Ocidental poderia pelo menos ter entrevistado, pelo sistema de testagem, a multidão que retornava do setor oriental. Que mina inesgotável de informações emocionantes, de dados inestimáveis do ponto de vista psicológico, político e técnico! Ao que parece, nada disto foi feito. Porque as agências telegráficas nada ou quase nada disseram sobre tudo isso ao mundo. — Ainda uma vez, qual o motivo da singular omissão?

* * *

E, por fim, cabe aqui mais uma pergunta. Era mesmo de se tomar a sério a visita-propaganda organizada pelos comunistas de Berlim Oriental? Se o intuito das autoridades comunistas alemãs, ao abrirem os nove portões, era propiciar um encontro cordial entre a Alemanha comunista e a não comunista, por que não permitiram elas que também os alemães do setor oriental tivessem livre trânsito para Berlim Ocidental? — Evidentemente, por medo de que não quisessem voltar. — Mas, neste caso, é mesmo um paraíso a Alemanha comunista? Ou é um cárcere? Por que então a ONU, tão bisbilhoteira quando se trata de apoiar movimentos anticolonialistas, não se debruça sobre o assunto, para apurar se está ou não reduzida a mera colônia, a Alemanha Oriental?

Como se vê, a abertura dos nove portões não desvendou mistério algum. Serviu, apenas, para tornar ainda mais denso o mistério, graças ao laconismo dos meios de comunicação social germânicos. Laconismo que presumo a justo título, pois não me parece cabível outra explicação para a parcimônia de dados na imprensa brasileira.