Plinio Corrêa de Oliveira

 

Artigos na

 "Folha de S. Paulo"

 

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

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18 de novembro de 1973

O século de Paulo VI

 

 

A imprensa noticiou, há dias, que visitou Paulo VI o "camarada" Stefan Olszowski, chanceler do governo comunista polonês. Foi esta a primeira vez que um Papa recebe um ministro do Exterior de país comunista.

Segundo declarações do diplomata, no decurso da audiência – que transcorreu na maior cordialidade – formulou ele, em nome do governo polonês, um convite para que Mons. Agostino Casaroli, encarregado da ostpolitik de Paulo VI, vá proximamente a Varsóvia. Mais importante ainda é que o camarada Olszowski deixou entrever como francamente possível uma visita de Paulo VI à Polônia, talvez já na próxima primavera. A confirmar-se esta visita, seria um acontecimento muitíssimo mais inesperado e sensacional do que a ida de Nixon a Pequim e a Moscou, há um ano e meio atrás.

Com efeito, que o representante máximo do mundo capitalista se aviste com os dois mais importantes governos comunistas, é um fato intrinsecamente menos importante do que a ida do representante de Cristo na terra, a uma capital de um país telegovernado do Kremlin pelos sumos representantes do ateísmo mundial, sediados em Moscou.

À notícia do evento, meu coração de católico, devotado até o mais fundo à Santa Sé, sente, como é natural, palpitações contraditórias. Exponho-as ao leitor.

* * *

Mais do que tudo, meu coração palpita de apreensão. Tenho exposto reiteradas vezes, nestes artigos, que a "détente" entre os Estados Unidos e a Rússia Soviética – versão, em escala mais ampla,  da ostpolitik de Willy Brandt – é toda ela baseada na hipótese da sinceridade dos propósitos pacifistas do comunismo internacional.

Ora, quer se seja propenso aos árabes, quer aos israelenses, é impossível não reconhecer o caráter essencialmente imperialista da jogada que o Kremlin faz dentro do conflito do Oriente Médio. Détenteostpolitik passam, assim, a ser mitos já envelhecidos. O próprio Kremlin se encarregou de destruir a ilusão em que eles se baseavam. Este fato, notório aos olhos do mundo inteiro, não pode ter sido ignorado pelos argutíssimos diplomatas da Santa Sé. Mas, sem embargo, quer Varsóvia, quer o Vaticano resolveram atuar, neste lance, como se o mito ainda estivesse de pé, e Moscou ainda pudesse ser tida como uma potência pacifista. Essa ficção diplomática envolve necessariamente uma complexa jogada de uma e de outra parte. Nessa jogada, é notório que o Vaticano entra com intuitos sumamente pacíficos, e o Kremlin com intuitos sumamente imperialistas. Por mais que confie na sagacidade da diplomacia vaticana, é explicável que eu – como tantos outros católicos – me pergunte o que poderá resultar desta fricção entre o pote de barro e o pote de ferro.

* * *

De minha parte, tal apreensão chega até os limites da angústia. Explico-me.

Aos olhos da opinião mundial, a détente está no mais alto grau de desprestígio, por várias e graves razões: 1) na Rússia, os gemidos – que melhor se chamariam bramidos – de Sakharov e de seus amigos, exprimem a inconformidade de todos os elementos válidos e genuinamente representativos, contra o fato de Nixon estar ajudando a manter no governo uma equipe de tiranos, responsáveis pela destruição de toda a liberdade e de toda a prosperidade por trás da cortina de ferro; 2) nos EUA, a popularidade de Nixon vai rolando despenhadeiro abaixo. À primeira vista, este fato se deve exclusivamente ao caso Watergate. Na realidade, porém, ele importa num julgamento severo, se bem que implícito, da própria détente. Se os norte-americanos vissem em Nixon um político genial capaz de evitar os horrores da guerra, não seria simplesmente pelo escândalo Watergate que estaria arriscado a perder o poder; 3) ademais, a miséria confessada da Rússia e dos satélites, entre os quais incluo Cuba e o Chile de Allende, está a provar, aos olhos do mundo, que o regime comunista só produz miséria e desgraça; 4) para cúmulo da impopularidade desse regime, tornou-se notório que se por todo o mundo capitalista se vai generalizando a lepra de uma gravíssima inflação, é porque somos forçados a nutrir o mundo... comunista!

Assim, pergunto-me, aflito, como verá a opinião mundial esta aproximação entre o Vaticano e o regime comunista. E se, na primavera, Paulo VI visitar Varsóvia, que espécie de primavera será esta para o mundo?

Sumamente desejoso de ver o Papado e a Igreja postos no mais alto do prestígio e do amor dos povos, é legítimo que eu tema os resultados que da visita de Paulo VI a Varsóvia possam advir.

 

 

Encontro de São Leão Magno com Átila, afresco de Rafael (1514), Museu Vaticano

Mas, levado por meu filial amor ao Papado, minha mente se põe a sonhar. E assim a par das palpitações de angústia, palpitações de esperança se fazem nele inesperadamente sentir. Com efeito, volto os meus olhos para o passado, pensando nos Papas de outrora, que, como hoje Paulo VI, saíram de Roma à procura do adversário. E meu espírito se detém na cena grandiosa – ocorrida também numa primavera – do encontro de São Leão Magno e Átila, o terrível rei dos Hunos. O grande Papa ia decidido a enfrentar o rei selvagem, barrando-lhe resolutamente o caminho de Roma. Para tanto, não contava ele senão com a força de Deus. No momento dramático do encontro, no alto dos céus São Pedro se fez ver, com semblante ameaçador, ao rei bárbaro. E este, tomado de respeito e pânico, recuou diante do sucessor do Príncipe dos Apóstolos, voltando para a longínqua Panônia.

Que lindo seria se Paulo VI, enfrentando em Varsóvia todo o mundo comunista, verberasse o ateísmo, o materialismo e a imoralidade inerentes tanto à filosofia quanto ao regime comunistas, e profligasse com sobrenatural severidade aqueles irredutíveis adversários da família e da propriedade individual. Se o Pontífice tomasse contra os déspotas vermelhos, com indômita eloquência, a defesa das massas opressas e famintas. Se ele protestasse contra o muro de Berlim e as metralhadoras homicidas que o guarnecem. Se reivindicasse para a Santa Igreja a inteira cessação das perseguições cruéis e do regime de catacumbas, que lance empolgante e maravilhoso seria esse! Que emoção, que entusiasmo, que ternura provocaria em todo o mundo um tal gesto!

O que dele decorreria?

Tudo seria possível, desde uma aparição de São Pedro, que aniquilasse os Átilas vermelhos de nosso século, até o martírio de Paulo VI.

Não sei em qual das hipóteses este último pareceria maior aos olhos dos homens. O certo é que, se saísse vitorioso, seu nome seria inscrito, ao lado de São Leão Magno, na lista dos grandes Papas, e até no catálogo dos Santos. Se saísse mártir, o único lugar do mundo, próprio a guardar seus restos preciosos, seria o sepulcro de São Pedro, que os arqueólogos identificaram nos subterrâneos do Vaticano.

De qualquer forma, nosso século teria encontrado seu nome: o século de Paulo VI.

* * *

Quem sabe, leitor, se Nossa Senhora, que de Deus tudo pode alcançar, fará da próxima primavera, uma primavera do mundo ressurrecto e da Igreja rejuvenescida por um grande milagre! Não é só meu coração que bate diante dessa perspectiva. É também o seu, não é verdade, caro leitor?


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