Plinio Corrêa de Oliveira

 

Artigos na

 "Folha de S. Paulo"

 

 

 

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9 de setembro de 1982

Querem mesmo a escravidão?

Cada qual – é bem sabido – tem seu feitio pessoal. E este se deixa ver de mil modos. No de escrever um artigo de jornal, por exemplo: e eis-me assim chegado ao tema.

Entre os que me leem, sei que alguns aplaudem calorosamente, movidos pela afinidade de pensamento. Outros, simetricamente, se enfurecem no mais alto grau, levados pela total discrepância. E há outros, por fim – paciente maioria -, que me leem (um tanto resignadamente) com uma frequência maior... ou menor. Não porque costumem concordar comigo, nem discordar. Habitualmente eles não concordam nem discordam de ninguém, mas somam as opiniões opostas, para formar uma mera "impressão" sobre os fatos. Bastante vaga para que não se engajem com nada. E, contudo, suficientemente precisa para não se sentirem inteiramente a cegas em face deste mundo em vulcânica transformação.

Não pretendo dizer, é claro, que sejam muitos nem poucos os que me leem. Digo apenas que eles existem, e que, segundo julgo discernir, assim é que se distribuem em função de meus artigos.

E entra aqui o assunto do modo de ser pessoal. Está em mim que, havendo diferenciação, matização, gradação, eu não me sinta à vontade antes de ter definido minhas atrações ou repulsas em face delas. Permanecer hesitante, indiferente, átono, não é comigo.

Assim, em função dessa tríade de leitores, em quase todo artigo meu há algo de especial para os de cada uma dessas posições. Procuro animar e dotar de argumentos novos os que pensam como eu. Esgrimo com os que estão em desacordo. Falo amigavelmente com os hesitantes, na persistente esperança de lhes proporcionar pelo menos um pouco de certeza, no maremagno das hesitações em que deploro vê-los tatear. E não me é possível considerar essa tríade de atitudes sem estabelecer minhas preferências, segundo um critério que formulo assim: para quais eu mais gosto de escrever?

O mais entretido não é para mim pensar nos que aplaudem, nem nos que hesitam. Porém naqueles que espumam de cólera, que me leem especialmente para se encolerizarem. E para se definirem "a contrario sensu". Amo o entrechoque dos argumentos, sinto-me bem nele, gosto do terçar de armas da lógica. E, ao proceder assim, faço o que de melhor posso fazer para estimular os que pensam como eu, e ajudar os hesitantes.

Dirijo-me, pois, a estes atraentes "execradores", especialmente para dizer que meu último artigo "Função social, porrete e faca" ("Folha de S. Paulo", 12-8-82) foi escrito muito precisamente para esgrimir com eles.

Não compreendo porque eles costumam retrucar e até rugir tão-só entre quatro paredes, e raramente me escrevem para argumentar deveras.

À maneira de novo convite para a argumentação, aqui vão estas ponderações.

* * *

Notem, pois, eles que toda a caminhada do mundo para o socialismo vai sendo feita com base doutrinária na tão apregoada função social da propriedade. Em concreto no Brasil, a torrente de nacionalizações que pôs em mãos de nosso governo tão imensa parte de nosso parque industrial se fez misturando péssimas alegações econômicas, com interpretações doutrinárias hipertrofiando além de toda conta a função social da propriedade. Tudo para chegar ao resultado catastrófico que ninguém discute. A zoeira soturna com que a CNBB vai enchendo o País, para mais facilmente o conduzir a dois passos do marxismo, tem como "leitmotiv" a função social da propriedade. E o público, tantas vezes simpático e ordeiro, que vai sendo arregimentado para este fim por meio do processo de "conscientização", de agitação, de engajamento eleitoral e de disposição a "mitterrandizar" o Brasil, é vítima de injeções maciças e incessantes, de tiradas unilaterais e delirantes ministradas pelas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) aos seus associados.

Todos esses mestres e discípulos do socialismo se afirmam, ao mesmo tempo, partidários entusiasmados da liberdade, de todas as liberdades. E no linguajar de não raros percebe-se até o silvar de serpente do anarquismo.

Ora, provei (e não tenho a menor dúvida de que provei mesmo), em meu último artigo, que tudo isto conduz à escravidão de todo o corpo social, ou aos macrotiranos do coletivismo de Estado, ou aos microtiranos dos grupelhos em que o Estado se decomponha.

Dado que isto ficou provado (e de nenhum modo retrucado), pergunto aos que no Brasil preparam a grande mudança, se é mesmo para esta escravidão que nos querem encaminhar. E, neste caso, por que não o confessam?

Mais ainda, por que não proclamam?


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