Plinio Corrêa de Oliveira

 

- IV -

O idealista e a cristianíssima virtude

da admiração

 

 

 

 

 

 

 

Tudo aquilo que admiramos, nos entra dentro da alma. Aquilo que admiramos penetra em nós.35

Plinio Corrêa de Oliveira

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Neste capítulo

Deus admira! Essa admiração por suas criaturas refulge, por exemplo, quando Nosso Senhor diz: “Olhai os lírios do campo”. Se assim é, por que havemos nós, pobres criaturas, de não admirar?

É o tema do presente capítulo.

Admiração, amor, idealismo

O primeiro elemento do amor é a admiração.

O mandamento “amar a Deus sobre todas as coisas” inclui “admirar a Deus sobre todas as coisas”.

É reconhecer a sublimidade, a excelsitude de Deus acima de todas as excelsitudes, e como fim do caminho de todas as sublimidades e de todas as excelsitudes que se considerem.36

Deus se debruça sobre a criação

“Olhai os lírios do campo; eles não trabalham nem fiam.  E digo-vos todavia que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu jamais como um deles”.37 Eu percebi de repente, nessa frase, que Nosso Senhor, quando falava do lírio, admirava o lírio.

Eu O via admirar o menor do que Ele. Mas, ao pé da letra, admirar e cantar a glória do menor do que Ele, quando diz: olhai os lírios do campo; eles não tecem nem fiam.

Agora vem a glorificação: “nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como um deles”!

Os senhores notam a infinitude d’Ele que se debruça. Como seria belo vê-Lo dizer “olhai os lírios do campo” e, tomando uma pétala de um lírio, passar os dedos d’Ele em cima. Uma cena extraordinária! E uma lição para nós!

Quase não há palavras para qualificar essa lição. O vocabulário se esgota, e não sabemos o que dizer.

... e se inclina para os pequeninos

Que coisas imensas podem nascer da análise admirativa de uma coisa pequena!

Completa-se o ciclo de Nosso Senhor admirando o Padre Eterno; de Nosso Senhor admirando Nossa Senhora; de Nosso Senhor admirando os outros homens enquanto iguais a Ele na natureza humana. Depois, debruçando-se sobre os pequenos e olhando as crianças.

E então se compreende aquele “deixai vir a mim os pequeninos, porque deles é o Reino do Céu”.38 Além da proteção, do respeito, da dedicação, havia admiração!

“Que almas limpas! Que almas puras! Eu, Deus, autor de toda pureza e foco de toda pureza, me contemplo na vista deste menino. E vejo neste menino um reflexo criado de Mim mesmo”.

Admirando o inferior

Ele não se contenta em admirar só o que é superior. Mas sabe voltar-se também para o inferior, com respeito e com ternura. Sem igualitarismo, mas com algo que vale incomparavelmente mais do que o igualitarismo: saber ver uma figura de Deus nas menores coisas e dar glória a Deus porque Deus quis manifestar-se nessas coisas.

Nosso Senhor andando sobre as águas admirava a água! Admirava o ar e sentia-se refletido na água e no ar. E dizia: que magnificência! Imita a minha magnificência. Como é bela esta água, como é belo este ar, que Eu criei!

Assim se pode compreender como o ciclo da admiração se perfaz.

As moedas da rainha

Imaginem uma rainha prodigiosamente rica. Ela tem tudo. Ela vê de repente, rolando sobre uma mesa de seu régio palácio, uma moeda. É a menor das moedas em circulação no seu reino.

Uma moeda de cobre ou de níquel, portanto um metal não nobre. Ela pega a moedinha, olha e vê a efígie do filho dela, o rei, que está cunhada lá. Olha para a moedinha e diz: meu filho!

Assim devemos ser para as coisas de Deus. Ele pôs em circulação “moedas” tais, que uma delas é o sol. Todas as estrelas do céu são manifestações da glória de Deus.

Mas Ele pôs também em circulação os homens, tão mais fracos do que tudo isso, mas dotados de alma imortal. E, por causa disto, parecendo-se com Ele muito mais do que qualquer sol.

 

Um exercício de maravilhamento

Ele admira as almas que criou, e as admira tanto, que morre para salvá-las.

Tudo aquilo que vemos, portanto, é para nós um exercício de maravilhamento. Não existe a palavra em português. Em francês se diz: émerveillement.

Cada coisa convida o homem a imaginar como é que ela seria se fosse maravilhosa.

Deus admira! Ele que disse: olhai os lírios do campo, não tecem nem fiam, etc., quanto amará aquilo que o homem compôs num élan de alma! E que se volta para Ele porque, de maravilha em maravilha, no alto está Ele!

O olhar admirativo do próprio Deus

Os senhores compreendem então facilmente como o exemplo de Nosso Senhor admirando as coisas, até as pequenas, e amando-as com uma ternura especial, é uma lição para termos a alma propensa, fácil à admiração.

O olhar admirativo de Deus, o olhar admirativo de Maria, pousa sobre o medíocre. Pousa sobre um sórdido, e aquilo começa a viver como as águas da piscina de Siloé.

A admiração chegou ao mais baixo e chegou ao fim de sua própria história. A admiração que desce é simétrica à admiração que sobe.

Assim termina a “história da admiração”.39

O que admiramos penetra em de nós

Tudo aquilo que admiramos nos entra dentro da alma. Aquilo que admiramos penetra em nós. Penetra mais ou menos fundamente, mas penetra.

É impossível não penetrar em nós algo que admiramos. Portanto, o que temos que fazer é, diante de algo mau, conhecer o oposto, o bem, e admirar esse bem. Com a admiração, o bem entra em nós.

Nada nos faz sofrer tanto quanto jazermos de modo inglório no desprezo de nós mesmos, por causa da nossa mancomunação com nossos defeitos.

E a política com nossos defeitos consiste em olhá-los, inteiros, até o fim. Não ficar no meio termo.

Se não considerarmos o extremo a que eles podem nos levar, nunca nos corrigiremos.40

 

Casa dos guardas de Chenonceaux

Admirando no quotidiano

Certas nuvens, uma noite de luar muito bonita...

São coisas correntes da vida. Mas estão recheadas de grandes belezas e de grandes valores, para os quais o homem deve ter a atenção posta, para os quais deve ser muito receptivo, muito sensível, sob pena de não apreciar as coisas mais altas.

Uma das coisas que constituem a categoria da civilização européia é o excelente nível do quotidiano.

Não é só, por exemplo, dizer que a Europa tem o castelo de Chenonceaux. O castelo de Chenonceaux, sem dúvida, é uma beleza. Mas a casa de guardas de Chenonceaux, que o castelo eclipsa completamente, é uma belezinha.

Algo análogo existe em certos panoramas ingleses. Riozinho correndo num paredão com pedras, cisnes nadando dentro, patinhos embaixo da pontezinha, de onde pende uma trepadeira com flores azuis ou vermelhas — são coisinhas da vida quotidiana que a civilização européia apurou de modo esplêndido.

Assim se povoa a vida de algo mais necessário ao homem, em algum sentido, do que o maravilhoso super-sublime.

Por exemplo, o sol. Posso ver grandezas numa estrela que está a uma distância fabulosa. Há grandeza nisso. Mas, para a vista humana, para a mente humana, não se pode dizer que a grandeza está ali “em sede própria”, como no sol.

O astro-rei apresenta uma espécie de apogeu de todas as perfeições, que é irresistível a tudo que está abaixo. Ele como que concatena e coordena tudo, com direito e força.

Nisto está sua grandeza.41

 

Cidade de Bagnoregio (Itália), onde nasceu São Boaventura, envolta pelas nuvens que, por vezes, chegam a encobri-la.

Sentir-se pequeno. Sentir-se bem diante do mistério

Uma incerteza pode ser muito bela. É preciso dizer: Que maravilha! Vai além do que eu entendo!

O que entendo é belo, mas esta bruma vai além do que entendo. Como é bela esta bruma!

Reverente diante da bruma, é preciso dizer: Que imagem de Deus misterioso e insondável!

É preciso ter o gosto de se sentir pequeno. O gosto de se sentir enormemente ultrapassado, superado a perder de vista.

É por meio de um tom de humildade assim que se compreende e degusta a beleza das brumas.

Assim se adquire o verdadeiro espírito católico. Porque o espírito católico é feito de admiração. Quem não tem a alma voltada para a admiração, não tem espírito católico.

É preciso notar que objetivamente se é pequeno. Não é literariamente pequeno. Não se é pequeno de literatura. É que cada um de nós é zero, e quando se sente zero, tem uma alegria enorme em ver Aquele ou Aquela — Aquele por excelência, Aquela por participação — que não é zero.

Não admira quem não tem a alegria em sentir-se pequeno, quem entra logo em disputa: será que aquele é mais do que eu em tal ponto? Será que é menos em tal outro?

Este que entra logo em disputa não conhece nem a vida nem a alegria de viver. E não é capaz da admiração.

Quem assim se sente pequeno acha natural esse mistério. E se sente bem dentro do mistério.42

 

Gisantes dos Condestáveis de Castela na Catedral de Santa Maria, em Burgos (Espanha)

Para praticar a virtude, admirá-la

As pessoas são mais ensinadas a praticar a virtude do que a admirá-la. Mas, em relação a toda virtude, é preciso que se tenha uma admiração profunda, uma admiração razoável que proceda da razão, da inteligência iluminada pela Fé. E é depois de prestar à virtude esse preito de admiração — depois logicamente, não cronologicamente — que se tem a disposição de ânimo necessária para praticá-la.

É só depois que se admirou a virtude como se deve, que ficamos em condições de compreender a malícia que existe no pecado; e é só depois de admirar a virtude e tratar de praticá-la, que se é capaz de compreender a gravidade do pecado, a reparação que ele merece, e a necessidade de repará-lo diante da justiça de Deus.

Por isso é comovente ver, por exemplo, nas sepulturas medievais aqueles gisantes. Às vezes esposo e esposa deitados lado a lado sobre aqueles leitos de pedra, com uma almofada de pedra. Se eram nobres, com a coroa na cabeça e com as mãos postas.

Tem-se uma sensação de castidade conjugal, que nos empolga.43

A admiração e o sacrifício

Há na alma humana, quando procura viver na graça de Deus, uma forma de retidão perante Deus, Nossa Senhora e a Igreja, pela qual a pessoa, de tanto admirar, quer sacrificar-se.

O desejo do sacrifício não é algo que Deus impõe, e que se considera uma aberração dentro da vida. Assim, seria um absurdo ter que passar pelo sacrifício, e o normal seria não sacrificar-se.

As almas que pensam assim estão num estado incompatível com o amor. O verdadeiro amor pede o sacrifício. E haveria uma frustração e um vazio na vida se não houvesse sacrifícios.44

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