Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Liberalismo mil vezes criminoso

 

 

 

 

 

 

Legionário, N° 341, 26 de março de 1939

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O então Cardeal Pacelli, quando legado do Papa Pio XI na França, se não me engano, pronunciou um sermão impressionante, em que fez uma sentida alusão à inobservância das palavras pontifícias pelo mundo inteiro. De tudo o que o antigo Secretário de Estado disse a esse propósito, nada me causou mais profunda impressão do que a censura viva e candente que ele dirigiu, não apenas aos que blasfemam contra as ordens dos Papas e as violam expressamente, mas ainda aos que, frequentando assiduamente a igreja aos Domingos, ouvem correta e respeitosamente a palavra do Evangelho e do Papa... que lhes entra por um ouvido e sai, incontinente, pelo outro. Fui forçado a meditar mais uma vez sobre essa dolorosa verdade, lendo o último número de “Ação Católica”, a excelente revista editada pela Junta Nacional da Ação Católica com sede no Rio de Janeiro.

Essa revista publicou, efetivamente, uma carta do grande e saudoso Pio XI à Universidade Católica de Washington, em que, com uma insistência calorosa e premente, toda sua, o Papa incita todos os católicos a que se dediquem, hoje em dia, ao estudo acurado e exato de todos os grandes problemas de caráter constitucional e social, à luz das determinações e instruções emanadas da Santa Sé. Mostra Pio XI que são estes os problemas mais candentes de nossa época, e que os católicos devem, pois, inteirar-se deles com uma solicitude particular. E essa obrigação não se refere somente aos católicos “yankees”, mas tem o caráter de um apelo geral dirigido a toda a Cristandade, no que ela tem de autêntico e vivo, que são os fiéis unidos ao Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo, que é a Santa Igreja Católica.

Lembrando aos católicos esse gravíssimo dever, Pio XI condenou mais uma vez, de forma implícita, um gravíssimo erro de sabor liberal e modernista, que tem causado males incalculáveis. Insistimos nesse erro, porque no Brasil ele grassa com singular intensidade.

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Os liberais do século passado, desejosos de reduzir o quanto possível a esfera de influência da Igreja, disseminaram a afirmação ainda muito corrente, de que, se a ação desta é legítima e até louvável no campo estritamente religioso, constitui uma exorbitância condenável, em outros terrenos.

É digno e louvável que os fiéis se reúnam nas igrejas, para assistir à celebração dos atos do culto. E, nesse sentido, não só a autoridade dos sacerdotes é legítima, como é plena.

Mas, qualquer coisa que signifique concretamente uma influência social da Igreja deve ser vista com desconfiança, particularmente quando essa influência não se faz sentir apenas no campo beneficente, mas no campo cívico, pela organização da opinião católica no sentido de impor uma estruturação do Estado conforme à doutrina católica.

Esse erro, como todos os erros liberais e modernistas, se reveste dos aspectos mais subtis e artificiosos. Há muita gente boa que acredita, por exemplo, que falar em ação cívica dos católicos é pôr em jogo os interesses da Igreja, porque esta só tem a perder com a interferência do ideal católico na vida cívica, em virtude do risco de virulentas reações dos adversários. Outros há que, devido ao receio dos inconvenientes eventualmente resultantes da intromissão do Clero na vida política, prefeririam nunca ouvir pronunciar associadas as expressões “problemas políticos” e “doutrina católica”. E, com essas e outras frioleiras disseminadas pela perfídia e agasalhadas pela ingenuidade, os países católicos vão sendo gradualmente franqueados às grandes heresias políticas de nossa época.

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Dir-se-á que exageramos. Entretanto, basta abrir os olhos para a realidade, para se convencer qualquer pessoa do contrário.

Um exemplo típico disto é fornecido pela Hungria. Todos se lembram ainda das grandiosas manifestações de Fé desenroladas naquele país, por ocasião do Congresso Eucarístico ali realizado há um ou dois anos. Toda a magnífica vitalidade religiosa da Pátria de Santo Estêvão transpareceu esplendidamente ali. Entretanto, hoje em dia a Hungria, a despeito da grande população católica que a governa, está facilitando o jogo do paganismo na Europa e, pior do que isto, está abrindo suas próprias portas à paganização. Se propusesse a destruição do monumento de Santo Estêvão, símbolo da Hungria monárquica, mas sobretudo da Hungria católica, uma tempestade de protestos faria silenciar o autor da idéia. Entretanto, o que se está fazendo é mil vezes pior do que isso. Na realidade, não é a estátua de Santo Estêvão, mas a própria obra do grande rei que está sendo dinamitada. E os católicos húngaros, em frequentes casos que comportam gloriosas exceções, cruzam os braços. Traição? Apostasia? Não: incompreensão e liberalismo. Em suma, a idéia falsa de que a Religião só é atacada quando se toca no culto, e que, quanto ao mais, a Religião pouco ou nada tinha que ver.

Para corroborar esse triste sofisma, não faltam filósofos. E assim começam a fazer algumas míseras distinções. Um húngaro deve ser contra o nazismo? Sim. Contra a Alemanha? Não. Logo, pode ser pela Alemanha, fazendo reservas quanto ao nazismo, como se essa posição cerebrina tivesse qualquer raiz ou apoio na realidade.

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É contra essa gente, que infelizmente tem abundantes sósias espirituais no Brasil, que erguemos nosso protesto. A palavra do Papa os condena. Também os condena a História da Igreja.

Em suma, o problema das Cruzadas foi um grande problema político, e não apenas religioso. Foi preciso unir príncipes, desfazer desavenças intestinas dentro da Cristandade, armar exércitos, equipar frotas, estudar a partilha da eventual conquista etc., para que as Cruzadas se realizassem. Mas os católicos da Idade Média tinham o sentido vivo e profundo do que seja a Igreja. E por isso mesmo via-se que leigos zelosos, além de sacerdotes, Bispos, Doutores, Santos e o próprio Papa intervinham ativamente em tudo que se relacionava com as Cruzadas. Não houve monges - e um deles foi São Bernardo - que julgaram de sua missão levantar exércitos? Não houve outros que julgaram dever interferir na diplomacia, para resolver problemas puramente materiais, que prejudicavam a realização da grande arrancada espiritual contra o Islã? Não houve Papas que se puseram à testa de tudo isso, sendo os verdadeiros e máximos animadores da resistência? Onde, nesse magnífico episódio da vida da Igreja, a miserável separação (que não exclui a inevitável distinção) entre o temporal e o espiritual?

Se fosse esse o espírito da massa católica em nossos dias, estaria tão decadente a atual civilização?


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