Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

A "mão estendida"

 

 

 

 

 

Legionário, Nº 753, 12 de janeiro de 1947

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É fora de dúvida que o acordo PSP-PCB veio por em foco, de modo sensacional, o problema da colaboração com o comunismo. Até há pouco, não faltava quem julgasse tal problema livresco, teórico, e por isso mesmo indigno de ser discutido com o interesse e a amplitude das questões que têm importância concreta. Assim pelo menos raciocinavam os que se gabam de “espírito prático”. Os fatos acabam de confirmar que nada há menos prático do que certo gênero de "espírito prático". Repetiu-se agora o que já tantas vezes tem sucedido na História da humanidade: com surpresa para os homens "práticos", os problemas doutrinários saltaram, rugindo, dos livros para a arena da vida concreta. E o que, até ontem, era ou parecia simples discussão acadêmica, é agora o tema de que todos se ocupam, o tema nº 1 dos jornalistas, locutores, políticos, banqueiros, etc., etc.

Para a opinião católica, a questão se tornou particularmente aguda. O Sr. Ademar de Barros, quando Interventor Federal, compareceu assiduamente às assembléias e solenidades católicas, e prestou por vezes cooperação útil para várias iniciativas religiosas. Apegado ao poder, continuou na mesma conduta, dentro das possibilidades mais restritas de um simples particular, já se vê.

Todos se lembram, por exemplo, de sua participação ostensiva no IV Congresso Eucarístico Nacional, em que se aproximou da Sagrada Mesa, rodeado de um numeroso estado maior de amigos, o que atraiu sobre ele o olhar dos presentes. Daí adveio para S. S. uma popularidade que ele cultivou com esmero, quer auxiliando obras católicas, quer aceitando convites e paraninfar atos católicos, etc. Os partidários de S. S. não deixaram de alegar tudo isto em benefício da propaganda do PSP, que auferiu com tal argumentação vantagens eleitorais não pequenas. Inopinadamente, porém, eis que esse político que se apresenta tão insistentemente ao público como  católico... entra em combinação com os comunistas. Entre essa atitude e a anterior linha de conduta favorável à Igreja, há contradição? Esta questão não poderia deixar de se formular com insistência. E, assim, o problema da colaboração entre católicos e comunistas acabou por se apresentar do modo mais incisivo. É legítima a politique de la main tendue, da mão estendida entre católicos e comunistas?

A esta pergunta, só podemos responder remontando aos princípios doutrinários.

I

Lembremos, antes de tudo, que, dos vários candidatos a governador do Estado, o Sr. Ademar de Barros era sem dúvida um dos mais fracos. Os Srs. Mário Tavares e Hugo Borghi teriam possivelmente eleitorado vigoroso. O Sr. Almeida Prado bem menos. O Sr. Ademar de Barros - para aceitarmos uma estimativa nem muito otimista nem muito pessimista - seria um candidato mais ou menos tão forte quanto o Sr. Almeida Prado. Ainda assim notemos que a UDN revelou mais força eleitoral no último pleito, do que o PSP. Para colocarmos o Sr. Ademar de Barros na plana eleitoral do Sr. Almeida Prado, precisaríamos, pois, admitir que a propaganda eleitoral omnímoda do primeiro haja realmente conseguido influenciar as camadas populares dentro de certa medida reforçando o prestigio eleitoral do PSP. Como se vê, raciocinamos com moderação, e até com certa largueza no que diz respeito à corrente do Sr. Ademar de Barros.

II

Tudo isto deixa bem claro que o ex-interventor não poderia, de modo nenhum, obter a vitória no próximo pleito, simplesmente com as forças de seu Partido. É possível que, aliado ao comunismo, chegue a vencer. Neste caso, o resultado concreto é dos mais claros: é ao comunismo que ele deverá o poder.

III

Não o ignora o Partido Comunista. Que preço terá ele exigido pela sua colaboração? Se tomarmos em consideração o que é o comunismo, a ganância, sofreguidão e astúcia de seus altos dirigentes ([,,,] dos de Moscou, que certamente meteram os dedos em todo este caso, por detrás do paravento translúcido do PC brasileiro), o ímpeto invariável e veemente com que tende para a vitória de suas teses e de sua política... é admissível que as vantagens objetivadas pelos vermelhos fossem módicas?

É sumamente improvável. O homem prudente, sensato, cauteloso, não pode deixar de pensar assim. Em outros termos, é tão provável que o comunismo, em troca de apoio valioso, espere também compensações valiosas, que qualquer eleitor prudente, simplesmente por essa altíssima probabilidade, deveria deixar de votar no Sr. Ademar de Barros.

IV

É verdade que o Sr. Ademar de Barros asseverou, em carta aberta que os jornais publicaram, que as compensações que os comunistas exigiram foram só estas:

a) manutenção do regime constitucional;

b) liberdade de propaganda para os comunistas;

c) cessação da carestia, filas, etc.

Estamos na época dos pactos políticos secretos. Nada mais comum nos hábitos contemporâneos. As maiores potências, os estadistas mais importantes, servem-se de pactos tais. E, evidentemente, estes pactos só se mantêm secretos se interrogadas as partes pela imprensa, elas afirmam que o pacto não existe. A simples afirmativa do chefe do PSP não logra tranqüilizar-nos inteiramente. E isto tanto mais quanto há um fato público, básico, importantíssimo, que colide com ela. O PSP fez "chapa única" com os comunistas, no que diz respeito ao Legislativo federal. É ou não é isto uma combinação que excede de muito os três itens acima? Todos os elementos do PSP, por esse acordo, ficarão obrigados a votar em alguns candidatos comunistas a deputado. Assim, pois, para sermos sempre moderados, devemos ter pelo menos muito receio, votando no Sr. Ademar de Barros para governador.

V

Imaginemos, porém, que as três únicas obrigações assumidas pelo Sr. Ademar de Barros seja as que ele mesmo publicou. Isto é pouco? O espetáculo que nossos partidos políticos nos estão dando é francamente desedificante. Ambições pessoais, questiúnculas internas, picuinhas, é quase só o que se vê na política nacional. O povo está enfarado disto, e anseia por qualquer outra coisa. Que coisa? É esta a grande questão. Todos procuram desinteresse, amor à causa pública, zelo verdadeiro pelos direitos dos que sofrem. E é o que não se encontra, nem de vela na mão.

Mas aparece de repente o comunismo em cena e, simplesmente para assegurar a democracia e o bem estar público, sem outra vantagem dos cargos para seus membros, de posição para seus leaders no Executivo - os apetecidíssimos cargos do Executivo! - desinteressadamente, magnificamente, sufraga um candidato ao governo do Estado, dá-lhe a vitória, para conseguir a sobrevivência da democracia e a extinção das filas!

Há "cartaz" melhor, para o homem aflito das ruas? Quantos incautos se embairão pelo comunismo, só por isto! E simplesmente em dar aos comunistas oportunidade de fazer este "cartaz", que esplêndida colaboração lhes prestou o Sr. Ademar de Barros!

Mais. Admitamos que S. S. vença. Se ele não extinguir as filas, a culpa será dele. Já que tem as rédeas nas mãos. Se as extinguir, o mérito será dos comunistas, sem os quais não terá ido ao poder.

Além de toda esta popularidade, que prestigio ganhará o PC pelo simples fato de que, publicamente, notoriamente, foi ele que "fez" o Chefe do Estado!

Tudo isto é tão nocivo e tão funesto, que a aliança PSP-PCB não pode deixar de ser censurada por todos os católicos.

VI

A todas essas razões, acrescentamos uma última. O brio, o pundonor de um católico leva-o a se sentir mal ao lado de inimigos capitais da Igreja, no terreno da política em que uns procuram conservar, e outros procuram arrasar a civilização cristã. Nós e os comunistas devemos sentir-nos como os membros de duas famílias brigadas entre si pelas mais graves questões de honra. Toda a colaboração entre nós será impossível, pelo próprio fato dos deveres de honra, decorrentes da posição em que nos encontramos. Claro está que, se nos encontrarmos juntos, em uma barca naufraga, poderemos momentaneamente lutar lado a lado para salvar a barca. Mas daí a fazer uma combinação para obter vantagens políticas nas quais a Igreja só tem que perder, a distância é bem grande...


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