Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Eleições e expiação

 

 

 

 

 

Legionário, Nº 796, 9 de novembro de 1947

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Há uma afirmação que desejamos peremptoriamente fazer, antes mesmo de se terem jogado nas urnas os destinos de tantos partidos, de tantas combinações, de tantas ambições. Estamos no desacordo mais formal com uma tese sustentada por toda, ou quase toda a nossa imprensa. Não é verdade que a opinião paulista, a opinião brasileira se vai manifestar nas urnas. Sem dúvida, nosso nível cívico tem baixado assustadoramente, e nem poderia deixar de ser assim. A chamada moral cívica outra coisa não é senão um capítulo da Moral. Ora, quando em todos os domínios a moralidade está baixando a olhos vistos, não haveria motivo algum para esperar que ela não baixasse no terreno cívico. Mas, a despeito de tudo isso, a ninguém é lícito afirmar que o carnaval eleitoral que temos diante dos olhos corresponde aos ideais cívicos e políticos dos paulistas, dos brasileiros.

A expressão "carnaval eleitoral" pode parecer forte. Mas de que outro modo qualificar o que temos diante dos olhos? De um lado, a orientação dos partidos é quase sempre lamentável. Na sua propaganda, o programa não desempenha em geral o menor papel. Ninguém procura agrupar eleitores em torno de idéias. A luta tomou um caráter personalista verdadeiramente revoltante. Não se tenta convencer o eleitor com argumentos. A inteligência nada tem que fazer nesta técnica eleitoral cujo único processo consiste em tomar de assalto a sensibilidade e a imaginação do leitor, pular-lhe olhos a dentro, ou ouvidos a dentro, até a memória e procurar com esta gazua psicológica arrastar irracionalmente seu livre arbítrio para este ou aquele campo político. Daí o fato de ter sido principalmente berrada esta campanha. Por todos os altos falantes, os locutores tonitroam, cantam, ou soletram dengosamente os nomes dos candidatos que para isto lhes deram alguma gratificação. As fotografias enchem as paredes, como se caras (e que caras por vezes!) fossem argumentos. Os nomes pendem dos postes, das árvores, dos balcões dos edifícios. Mil nomes, sírios, italianos, árabes, portugueses, japoneses, tantos nomes que não se retém nenhum. Nomes profundamente diferentes, que parecem ser em todas as línguas sempre o mesmo: "Votem em Dr. João Ninguém". De tal maneira a generalidade dos candidatos se esqueceu de que o eleitor é um ente racional que se determina por argumentos e não por fotografias e berreiro, que, segundo nos consta, um deles chegou ao extremo de fazer desfilar pelas ruas um elefante com propaganda de seu nome. Daí para um carnaval, que distância resta?

Mas, dir-se-á, não deixa de haver nestas afirmações um tal ou qual exagero. Não seria difícil, percorrendo as listas, encontrar mais de um candidato digno. Por que não tomar estes candidatos em consideração, ao compor o quadro do pleito de hoje?

Pela simples razão de que os candidatos dignos - que realmente existem - não fazem parte do quadro. A razão, a decência, a dignidade, estão como que ofuscadas ou eclipsadas pela fosforescência do charlatanismo. Não há oportunidade nem ambiente para que os nomes conhecidos, as figuras dignas, os programas sensatos, sejam percebidos, apreciados e preferidos, precisamente como não há ambiente para se fazer qualquer coisa de probo e de grave numa feira de diversões. O homem que come vidro, a mulher com cabelos de fogo, o menino com cauda de cobra abafam tudo, dominam tudo, e não há talento sério nem dignidade real que possa sobressair e impressionar ao lado dos demiurgos de feira. Não censuro nem desprezo os homens dignos que se meteram nesta companhia. Admiro-os, pelo contrário, e deles tenho uma sincera compaixão, porque me fazem a impressão de vítimas que caminham para uma verdadeira imolação política. Nesta atmosfera de entrudo [carnaval], é muito pouco provável que sejam eleitos, e, se o forem, o Brasil poderá gabar-se de ter resistido a uma das mais agudas crises de delírio político de que nossa História guarda memória.

Estas impressões não são apenas minhas, pois que andam em todas as bocas, e se exprimem em todos os suspiros e em todos os sarcasmos. Houve mesmo um anônimo que distribuiu e afixou um cartaz com a fotografia de um palhaço e estes dizeres: "Partido da Alegria - Votem em Piolim para Varredor". Este anônimo, em poucas palavras, disse mais e disse melhor do que todos os jornais. Se eu fosse Diretor do Museu do Ipiranga, do Instituto Histórico ou do Arquivo do Estado mandaria guardar cuidadosamente alguns destes cartazes. A posteridade verá neles a única expressão do que pensa de tudo isto o Brasil autêntico, o São Paulo brasileiro e cristão.

* * *

Não costumamos intervir senão muito sóbria e discretamente na política nacional.

Entretanto, não podemos deixar de acrescentar que esta  impressão de feira política, tão evidente no que toca à eleição de vereadores, se generaliza por toda a vida pública do País. Os partidos estão a bem dizer desfeitos. Cada um deles – ou quase tanto – tem uma ala dissidente que obedece aos chefes de outro partido. Isto quando não se dá outro fenômeno ainda mais curioso: o partido inteiro se deixa tragar pelos chefes de outro partido, e os dissidentes são no fundo os únicos que continuam fiéis. Os inimigos de ontem se apertam as mãos. Hoje se entredegladiam os que ontem se abraçavam. Um partido fechado por ordem do Poder Judiciário chega ao cúmulo de disputar cadeiras nas Câmaras Municipais. O que mais?

É esta nossa política. Mas será este o nosso Brasil? Quem não vê, não sente, não palpa a indignação, o enfado, a extenuação do Brasil verdadeiro? E quem pode imaginar que, forçados a escolher entre partidos que não nos agradam, entre legendas em que ao lado de um ou outro nome conhecido e probo há tantos aventureiros e arrivistas evidentes, o voto que atirarmos às urnas será realmente a expressão de nossos anseios e de nossos ideais?

Haverá algo de mais monstruoso, do que afirmar que estas eleições exprimirão as verdadeiras tendências da opinião brasileira?

* * *

Isto não quer dizer que consideremos nosso povo isento de qualquer culpa pelo que se passa. Um tal carnaval não se faz com nosso aplauso. Mas ele não se está fazendo sem nosso consentimento, ou pelo menos nossa tolerância. O brasileiro de há 50 ou 70 anos atrás não teria suportado isto. Nós toleramos. E nossa tolerância cheia de suspiros estéreis e de protestos indolentes, constitui em si mesmo um grave pecado.

Com efeito, os homens decentes teriam ambiente para resistir mais, resistir melhor, e para ganhar a partida para nós, se os apoiássemos com vigor. Mas onde está o nosso vigor?

Contudo, ainda é tempo. Qualquer que seja o resultado destas eleições, haverá depois oportunidade para que as tendências sãs da opinião se organizem e prevaleçam nas urnas quando da próxima luta, que será em torno da presidência da República.

A hora é de reflexão. É preciso que os homens responsáveis se articulem e entrem em ação. Se assim não fizerem, se não expiarem por uma ação corajosa e desinteressada os erros e as tolerâncias criminosas do presente, onde iremos parar?

* * *

Falamos da expiação, falamos de um Brasil honesto e autêntico, que não se conforma com nada disto, e que quer continuar a ser honestamente brasileiro e cristão.

Este Brasil talvez não fale nas urnas, mas ele se manifestará todo inteiro na atitude varonil e austera de um punhado de filhos de escol. No meio de todo esse carnaval político, um grupo de irmãos nossos na Fé, aliás sem o menor ou mais longínquo pensamento político, se prepara para fazer algo de realmente digno e grave. Por iniciativa de seu zeloso Vigário, Pe. Carmelo Putorti, os paroquianos de Achiropita farão no dia 15 de novembro, às 16 horas uma procissão expiatória impressionante para pedir perdão a Deus pelos pecados privados e públicos que hoje se cometem. Essa procissão carregará catorze grandes cruzes, representando as catorze estações da Via Sacra, e partirá da Matriz de Achiropita em demanda do Santuário de Nossa Senhora de Fátima, onde se dissolverá. Eu gostaria de ver todo o povo de São Paulo  nesta grande procissão. Seria o modo de proclamarmos diante de Deus e dos homens, que detestamos nossa moleza, nossa inconseqüência, os desmandos de nossa vida privada e pública, e de tudo isto desejamos seriamente emendar-se.

Expiação, expiação, é bem disto que precisa o mundo contemporâneo. Há quem reze, há quem trabalhe, mas tudo isto seria muito pouco se também não houver quem expie, e expie muito!

Nota: Os negritos são deste site.


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