Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

7 Dias em Revista

 

 

 

 

 

Legionário, N.º 615, 21 de maio de 1944

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Mais do que nunca, devemos rezar com ardor pelo Santo Padre. A abertura da segunda frente, tão ansiosamente esperada por todos os que amam verdadeiramente a civilização cristã, apressará a vitória dos aliados, pondo termo, a um tempo, aos avanços russos e ao poderio nazista. Assim, será com um só golpe derrubado nosso “inimigo no 1” e oposto um dique ao "inimigo no 2". Os  progressos aliados na península itálica, com a cooperação do governo Badoglio, tendem a precipitar esse auspicioso desfecho. Mas ao mesmo tempo a confusão se vai tornando mais densa sobre a situação do Sumo Pontífice. E esta situação tende a tornar-se ainda mais crítica com o desenrolar das operações militares. Assim, não foi sem viva angústia que tomamos conhecimento do seguinte telegrama publicado na semana passada:

"LONDRES, 13 (UPI) Foi iniciada a evacuação em massa da capital italiana. Uma notícia transmitida de Berlim pela "Transoceam" indica que uma fila imensa de pessoas que procuram refúgio no norte da Itália  está abandonando a capital italiana. Nas estradas que saem da Cidade Eterna para o norte vêm-se caminhões abarrotados de homens, mulheres e crianças".

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Na semana passada, tivemos duas notícias extremamente gratas, a assinalar a respeito da França. Em primeiro lugar, a mudança de denominação do antigo "Comitê de Libertação"  chefiado por De Gaulle, que passou a se denominar "Governo Provisório da República Francesa". E, em segundo lugar, o fervor todo especial com que se comemorou nesta cidade a festa de Santa Joana D’Arc. Cada uma dessas notícias merece especial comentário.

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O novo título assumido pelo governo do Sr. De Gaulle representa a derrocada final de toda uma política, de todo um estado de espírito que se concentra na expressão "colaboracionismo", de que tanto se usou e abusou não há muito tempo atrás. Uma "clique" de políticos sem escrúpulos, apóstatas de todos os partidos e de todas as ideologias, apóstatas sobretudo do patriotismo, resolveu enfeudar a França ao nazismo e implantar em sua pátria o regime totalitário. Para isto, não poupou antes da luta os manejos escusos, durante a luta as capitulações vergonhosas, depois da luta as adesões descaradas.

Resultou daí, que a França se tornou uma nova Polônia sob o tacão da bota nazista, e desapareceu como povo livre e independente do mapa político.

Mas, graças a Deus, o espírito de resistência francesa não desapareceu. Pequena chama indecisa de início, farol firme mas perdido na vastidão da desordem geral em seguida, luz vigorosa e triunfante hoje, esse "espírito de resistência", que é o espírito de dignidade, de altivez, de patriotismo, a consciência da missão cultural e cristã da França sobretudo, acaba de arrasar as últimas posições do colaboracionismo. Hoje, há de novo um governo francês. Há, pois, uma França livre que combate como nação independente, de igual a igual, ombro a ombro, com todos os povos aliados, contra a opressão parda. Este renascimento significa para a Cristandade uma verdadeira aurora. Porque a França faz parte, e parte capitalíssima, do que se poderia chamar o coração da Cristandade, daquela Cristandade cuja alma é a Igreja de Deus.

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Uma França que renasce genuína, pujante - em um termo - francesa, é um sol que se levanta nos horizontes culturais do mundo cristão. A cultura, o espírito, a formação francesa são para o Ocidente cristão o que a Grécia foi para a gentilidade antiga. O espírito da Santa Igreja Católica teve na cultura francesa expressões, transparências, matizes a cuja luz lucraram as culturas regionais de todos os povos cristãos. Há na cultura francesa algo de definitivo e de insubstituível para a cultura cristã. E, reciprocamente, o espírito francês recebeu da graça sobrenatural, de que a Igreja é a única fonte, do magistério infalível que só à Igreja pertence, uma elevação, uma nobreza, um esplendor que supera de muito e de longe as simples possibilidades de um povo entregue, depois do pecado original, às forças da natureza humana degradada - por mais inteligente e capaz que seja esse povo.

Nesse dia de alegria para o povo francês, nossos votos de latinos, e sobretudo de católicos, consistem em que essa gloriosa aliança da França e da Igreja, da graça e da natureza no povo francês, perdure para sempre, para glória do nome cristão e exaltação da Igreja de Deus.

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E, para nós, brasileiros, esse fato tem uma imensa importância. Os laços culturais que prendem o Brasil à França são fortíssimos. O povo brasileiro, desde os seus primórdios, manifestou o bom gosto de amar com entusiasmo a cultura francesa. Nunca existiu entre nós um conflito entre a influência histórica e cultural tão benemérita dos nossos antepassados lusos, a de nossos próprios valores intelectuais, e a dos franceses. O Brasil tem, como a Áustria, como outrora Roma, a vocação pronunciada para uma grande cultura de síntese, que deverá entretanto conservar-se sempre eminentemente latina e - acima de tudo, sobretudo, antes de tudo, - essencialmente católica. O espírito francês, nessa síntese que vamos marcando gradualmente com as inconfundíveis características nacionais, representa um elemento de influência insuperada. O reerguimento da França, da cultura francesa, do espírito francês é um acontecimento para vida espiritual desse filho morgado da latinidade que é o Brasil.

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Por isto, vemos que o benemérito trabalho do Revmo. Pe. Marcello Gaydon de agrupar os franceses, de os reunir em torno de um ambiente impregnado de Fé, de os harmonizar cada vez mais com os brasileiros tem surtido grande resultado, de tal forma que a festa de Santa Joana D’Arc foi neste ano, ao mesmo tempo que uma festa em que brasileiros e franceses se reafirmaram irmãos na Fé católica, uma festa em que todos os vínculos criados pela união religiosa e cultural se reavivaram, com a participação de importantes elementos da colônia francesa e da sociedade paulista.

O LEGIONÁRIO tem bem o direito de dar graças a Deus por esse dia de júbilo, ele que com o risco de perder preciosas simpatias na própria colônia francesa, foi dos primeiros a denunciar o abominável colaboracionismo que “acaba de acabar” agora. Ninguém pode ser mais amigo do que dando a vida por seu amigo, diz o Evangelho. E nós acrescentaríamos que depois desta prova de amizade nenhuma é maior do que perder a amizade de seus amigos conscientemente, deliberadamente, para melhor os servir... Se nossos arquivos falassem!

Mas isto tudo são nuvens. O que vale são as alegrias do dia de hoje...

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Continua sendo divulgada a notícia de um possível acordo entre a Santa Sé e a Rússia. A este respeito, o LEGIONÁRIO já teve ocasião de esclarecer que não é impossível que a Santa Sé regulamente a liberdade de culto com a Rússia. Isto não quer dizer, entretanto, e nem de longe, que a posição da Igreja perante a doutrina social e econômica do comunismo estaria mudada em nada. Entre o Catolicismo e o comunismo só há uma paz possível: a morte de um dos dois. E como a Santa Igreja é imortal, o comunismo caminha para a sepultura, para a grande fossa comum em que jazem sem glória todos os inimigos da Igreja.

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E, para falar em morte inglória, em comunismo, em colaboracionismo, merece um registro seco, sem saudades, sem respeito, o falecimento do Patriarca Sérgio, colaboracionista cismático que aderiu ao comunismo. A respeito dele, temos duas preces a fazer: uma, que Deus tenha pena de sua alma; outra que os homens detestem para todo o sempre os péssimos exemplos que lhes deu.

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Do Estado de S. Paulo de 11-4-44, destacamos a seguinte notícia:

RIO, 10 (“Estado”) – (Pelo telefone) - Realizou-se hoje no gabinete do Ministro Osvaldo Aranha a entrega ao Reverendo Dr. Hugh Clarence Tucker do diploma e insígnias de Oficial da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, com que foi agraciado pelo Presidente da República. A cerimônia foi assistida pelo embaixador Leão Veloso, Secretário Geral do Itamarati, outros altos funcionários, membros da Embaixada norte-americana, da colônia americana e jornalistas.

O Ministro Osvaldo Aranha referiu-se à obra que o Sr. Tucker havia realizado em meio século de vida no Brasil, acrescentando que aquela distinção não era mais do que o índice desse agradecimento pelo muito que fizera sempre pelo Brasil e pelos brasileiros.

Em resposta, o Reverendo Tucker disse que agradecia ao Presidente da República a alta distinção que muito o sensibilizava, ajuntando que era motivo para aumentar a sua emoção recebê-la das mãos do eminente chanceler do Brasil, seu amigo de longos anos. Citou vários episódios de sua vida em nosso país dizendo que hoje, antes de ir ter ao Itamarati, recordara alguns deles. Referiu-se também à sua esposa que chegara ao Brasil com passagem de ida e volta e nunca a usou, pois passou a lecionar em uma escola de Piracicaba, pela qual muito se interessava outro brasileiro eminente, o Presidente Prudente de Morais.

Depois de se referir ainda a outros episódios de sua vida no Brasil reiterou seus agradecimentos ao Presidente da República e ao Ministro do Exterior extensivos a todos os brasileiros.


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