Plinio Corrêa de Oliveira

 

7 Dias em Revista

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, Nº 707, 24 de fevereiro de 1946

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Sobre o voto de congratulações da Assembléia Constituinte aos Cardeais brasileiros, seria difícil acrescentar uma palavra, uma só que fosse, à linguagem clara e significativa dos fatos.

Como se sabe, depois de sugerido à Assembléia que telegrafasse aos dois Prelados que representam o Brasil no mais augusto Conselho do mundo, um representante comunista entendeu de se opor à simpática iniciativa.

De um lado, o comunismo ficou bem desmascarado, com esta iniciativa. A dulçurosidade melosa do Sr. Crispim mostrou agora, na atitude violenta de seu correligionário, o que tem de superficial e aleatório as gentilezas moscovitas.

Do outro lado, a oposição enérgica da Câmara toda, inclusive dos líderes da maioria e da minoria, deixou fora de discussão, que o Brasil autêntico repudia as investidas anti-clericais dos vermelhos.

A estas horas o Sr. Marighela, autor da oposição comunista, há de ter sofrido uma boa admoestação do Sr. Prestes, que se há de ter servido do incidente, para demonstrar a seus correligionários que não é abertamente que se ataca a Religião.

* * *

Muito se tem escrito acerca dos dois assuntos mais palpitantes da atualidade: o "Livro Azul" dos EUA, e o desvio de segredos concernentes ao fabrico da bomba atômica no Canadá. Entretanto, não vimos ainda que estes dois fatos tivessem sido comentados em conjunto, que se tivesse procurado saber se há, entre uma e outra publicação, uma relação de causa e efeito, se se pode estabelecer um panorama de conjunto com ambos os fatos, e de que modo repercutirão, umas em relação às outras, as conseqüências que cada qual terá.

É o que tentaremos fazer.

* * *

Evidentemente não nos é possível entrar em apreciações de pormenor acerca do "Livro Azul". Muitos dos governos por ele visados alegaram não ter tido conhecimento dos fatos narrados por tal "Livro". Parece mesmo, que os próprios EE.UU., cujo sistema policial é excelente, ignoravam grande número de fatos relativos à espionagem nazista, a tal ponto que só com o descobrimento dos documentos do ex-embaixador alemão puderam eles reconstituir a trama geral dos trabalhos do "eixo" na América Latina. Será tudo bem exatamente real, no "Livro Azul"? O assunto tem sido discutido, e não é improvável que mais de um pormenor possa ser desmentido com êxito. Tudo isto não obstante, seria contra toda a evidência afirmar que o "Livro Azul" não passa de um tecido de mentiras. Entre muitos fatos de segundo plano, passíveis de outra interpretação ou de melhor explicação, há entretanto, um arcabouço central imponente, ao qual não se deve fechar os olhos. Este arcabouço se resume no seguinte: é absolutamente incontestável que o "eixo" conseguiu estabelecer uma imensa rede de influência na América Latina, e que teria podido servir-se de modo decisivo desta rede, se o sucesso das operações militares na Europa não tivesse pendido em favor dos aliados.

* * *

Retenhamos esta observação, cuja objetividade se funda no mais elementar bom senso. E voltemos nossas vistas para o Canadá.

Também aí, há algumas trevas no panorama, mas um cerne claro e nítido, que devemos analisar. É cedo para se conhecer a exata influência dos documentos roubados. Poderão os soviéticos fabricar a bomba atômica, simplesmente com o auxílio dos planos que conseguiram subtrair? É o que ninguém pode saber... e talvez nem mesmo os aliados anglo-americanos. Com efeito, não basta um julgamento meramente abstrato a respeito da importância intrínseca dos papéis roubados. É preciso ainda saber até que ponto está em progresso a indústria bélica dos soviéticos, até que ponto, portanto, a aquisição destes novos elementos pode servir de meio para o fabrico da bomba.

O que, no momento, nos convém mais fixar, é a eficácia do serviço soviético de espionagem. A eficácia se atesta de modo particular pelo fato de ter sido feito o roubo no Canadá. Com efeito, os soviéticos não se empenharam em obter os informes apenas nas duas fontes principais. Foram até ao Canadá, onde tudo indicava que elementos muito essenciais não poderiam ser encontrados. Agiram no Canadá com êxito, e obtiveram o que quiseram.

Este êxito suscita evidentemente outra questão. Se no Canadá eles souberam ser tão ativos, o que não estarão fazendo na Inglaterra e nos Estados Unidos? Qual o dinheiro, qual o esforço, qual a agilidade, qual a vigilância de todos os momentos, que isto supõe? E quais os intuitos desta potência tão solerte, tão empreendedora, tão eficaz?

Toda a novela do roubo do segredo da bomba atômica não lembra invencivelmente a novela do "Livro Azul"?

* * *

Aproximemos estes dois livros, e teremos completo o quadro. O mundo contemporâneo, em toda sua extensão, é sulcado hoje em dia pelas influências internacionais de grande porte. O que o "caso da bomba atômica" e o "caso do Livro Azul" - esses dois escândalos internacionais que hão de marcar época na história de nosso tempo - vêm comprovar que realmente os grandes interesses contemporâneos em tudo se infiltravam, a tudo se manipulam, a tudo procuram conquistar, e que todas as lutas hão de ser consideradas em função dos grandes problemas mundiais, que estão nos bastidores da maior parte dos acontecimentos de importância menor.

* * *

Foi sempre este, o pensamento central desta verdadeira escola de crítica política e diplomática que o "Legionário" inaugurou. Quantas e quantas vezes, nos disseram que nos ocupávamos demais de política internacional. Leitores míopes de alma a ponto de não verem dois centímetros além do próprio nariz - na hipótese de não ter este a protuberância do de Cirano de Bergerac, porque do contrário não lhe veriam a extremidade - têm dito que deveríamos escrever mais sobre nossa terra, e menos sobre as questões de fora. A que fica reduzida esta observação, à vista destes dois grandes fatos? Pode haver uma coisa mais pulverizada, do que esta pobre e pequenina opinião?

* * *

Querem nossos leitores uma prova disto? Quanto papel gasto para se ter uma idéia do que foi a quinta-coluna de uma potência já abatida! O assunto não é de lana caprina, nem perdeu sua atualidade. Mas como explicar que, enquanto se quer saber até os últimos pormenores, tudo quanto diz respeito à quinta coluna germânica (e isto está muito bem) se feche os olhos a isto que é mais do que uma inquietadora hipótese: a articulação de todos os Partidos Comunistas do mundo, inclusive o nosso, com a diplomacia soviética? As garras do dragão morto parecem causar mais terror do que as garras do dragão que está vivo. Tanta cegueira pode explicar-se sem algum "anestésico"?

* * *

Da mesa da ONU, o Sr. Bevin já escarneceu esta solidariedade. Bastaria acompanhar a atuação de nossos parlamentares comunistas, para ver até onde ela vai. Mais uma vez, perguntamos: ao lado do inquérito para punir a quinta coluna nazista - que deve ser feito - por que não se faz um inquérito contra a quinta coluna comunista?

Esta pergunta cai sem resposta. Ninguém pensa nisto. E, ao mesmo tempo, viaja com direção ao Brasil o embaixador soviético que vai montar em "grande estilo" na embaixada do Rio e nos mil consulados que esparramará pelos centros de espionagem.

E contra isto ninguém se... [NB: Erro de impressão do jornal. Não figura a conclusão.]


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