Plinio Corrêa de Oliveira

 

Igreja, Autoridade e Liberdade

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Legionário, 17 de fevereiro de 1935, N. 165

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Uma das acusações atiradas à Igreja é a de ser favorável ao absolutismo, à tirania do Estado, e portanto inimiga da liberdade. E em nome desta, prega-se o seu aniquilamento e a sua destruição, para que os homens sejam “livres”, no mundo “livre”.

Não vamos passar em revista os fatos de vinte séculos que provam o contrário daquilo que dizem os acusadores. Libertando primeiro os Romanos, formando depois os novos povos resultantes das invasões, dando ao mundo a maravilhosa estrutura social que dominou na Idade Média, ensinando a todos o verdadeiro caminho para não serem esmagados pelos erros do mundo moderno, Ela cumpriu e Ela cumpre brilhantemente o seu papel glorioso da vanguardeira da liberdade. É esse ensino secular da Igreja Católica que procuramos expor nesta nota, e nesta ocasião em que ele se faz tão necessário.

O Estado não possui uma soberania ilimitada. Embora seja o órgão encarregado de realizar o fim último da Nação e de velar pelos seus interesses, apresenta nestas suas funções limites impostos pela lei natural e pelos diversos elementos que o compõem. Aquela [ou seja, a lei natural, n.d.c.], anterior ao próprio Estado, deve ser obedecida rigorosamente, pois, como dizia Gredt, citado por Tristão de Ataíde, “nem mesmo Deus pode dispensar da lei natural senão mudando a matéria”.

A segunda limitação é dada pelos componentes da sociedade civil, formada por grupos os mais variados, como a família, as organizações econômicas, políticas etc. Embora o Estado possa intervir junto a todas elas, para que orientem suas atividades no sentido do bem comum, não pode substituir-se a elas, nem negar-lhes os direitos naturais que possuem. Esses portanto, os dois limites à soberania irrestrita do Estado.

Estabelecidas as restrições à atividade do Estado, cumpre verificar a quais estão sujeitos os seus súditos. E, ainda acompanhando Tristão de Ataíde, encontramos três: o bem comum, a lei natural e a lei eterna.

O primeiro representado por tudo o que de espiritual e materialmente o homem necessita para realizar a sua atividade e cumprir o seu destino pessoal. A segunda, submetendo a si a personalidade humana, como submete a atividade do Estado e a de qualquer grupo social. A terceira, consubstanciada na lei dada por Deus ao homem e que de modo algum se opõe à lei natural e ao bem comum, pois é a própria fonte de ambos.

Tudo o que ultrapassar na ação do governo os limites que referimos dando origem portanto a uma interferência sua em assuntos que não são de sua alçada, constitui o despotismo do Estado. Este abandona suas funções naturais de coordenador das vontades da Nação na procura do interesse geral, entra em conflito com elas e torna-se opressor.

Semelhantemente, há um despotismo das massas quando estas pretendem concessões ou privilégios que vão ferir o bem comum, ou que se opõem ou excedem à lei natural e a lei eterna.

Tal é em síntese a doutrina da Igreja, no que diz respeito aos conceitos de autoridade do Estado e de liberdade dos governados.

Diz Ela de um modo muito claro quais as funções e quais os deveres de cada um. Dando ao Estado a força necessária para o governo, não o torna, entretanto, por assim dizer, a única entidade existente na Nação. Com efeito, os elementos que a compõem, gozando de toda a independência, cooperam livremente com aquele na realização da finalidade última dos indivíduos, dos grupos e da Pátria. Há assim um acordo completo e um respeito mútuo: compreendendo perfeitamente a grandeza de sua responsabilidade perante o Criador da lei natural, que eles não podem revogar, governantes e governados, a ela submissos, sabem também até onde chegam seus direitos e também seus deveres.

Nessa doutrina deve o Brasil abeberar-se principalmente no momento presente, em que se procura delimitar o que se entende por liberdades públicas. Do exagero destas, mas também do autoritarismo governamental, temos colhidos frutos dolorosos.

Não tem havido entre nós, nestes últimos decênios, o equilíbrio de justiça e de caridade que a Igreja, em sua sabedoria eterna, prega diariamente aos homens. Que eles não procurem agora acentuar ainda mais esse desequilíbrio deixando-se arrastar por doutrinas que, soprem de um ou de outro polo, consagram quase só a tirania do poder. Um olhar à filosofia cristã, os colocará no caminho único da verdadeira harmonia.


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