Plinio Corrêa de Oliveira

 

E por que não o Catolicismo?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, N.º 189, 19 de janeiro de 1936

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Um grande número de peregrinações que se encaminham a Roma, para oscular as mãos do Santo Padre Pio XI, costuma apresentar os seus protestos de “servir a Deus” com todas as suas forças. Uma peregrinação recente apresentou ao Santo Padre as suas homenagens em fórmula um pouco diversa: em lugar de “servir a Deus” os peregrinos se comprometiam a “servir a Santa Sé”. Estamos certos de que essa alteração produziria escândalo a muito fariseu pintado de católico. No entanto, o Papa felicitou calorosamente os peregrinos, dizendo-lhes que protestar “servir a Santa Sé” é muito mais explícito do que “servir a Deus”.

Realmente, quem serve a Santa Sé, serve a Igreja, e, portanto, serve Deus. Mas quem afirma servir Deus não afirma com isto que deseja servi-lo como Ele quer ser servido, isto é, com a Igreja, pela Igreja e na Igreja. Os protestantes pretendem servir a Deus, bem como os ortodoxos, os maometanos, os neo-pagãos da Alemanha e os macumbeiros do morro da Favela. Mas querem servi-Lo a seu modo. Não basta que sirvamos a Deus, segundo nós achamos que Ele deve ser servido. É preciso que o sirvamos como a Igreja, seu porta-voz infalível, quer que Ele seja servido. E, assim, em uma época em que se usa e abusa de tudo, inclusive do Santo Nome de Deus, é melhor precisar os termos, e dizermos a verdade inteira: queremos servir ao Papa e à Igreja [nos termos estabelecidos pela própria Igreja, em seu Código de Direito Canônico, n.d.c.], pois que este é o único modo porque devemos servir à causa de Deus.

Estas considerações me vieram à mente, lendo os artigos dos Srs. Plínio Barreto e Plínio Salgado, um marechal do liberalismo e outro marechal do integralismo, em que ambos apelam para o “Cristianismo”, como salvação do Brasil.

Se os dois ilustres escritores entendem por Cristianismo o Catolicismo, estamos de pleno acordo, e regozijamo-nos com suas declarações que mostram até que ponto um espírito reto e ilustrado, embora não seja católico, pode discernir na Igreja todos os predicados que fazem dEla a única salvação que pode esperar o Brasil.

Infelizmente, tudo, porém, nos diz que os dois escritores pretendiam referir-se simplesmente à doutrina cristã em geral, englobando nessa designação todas as confissões cristãs heréticas e cismáticas.

Entendida nesta segunda acepção, o que quer dizer “Cristianismo”? Evidentemente, o conjunto de princípios religiosos aceitos por todas as confissões cristãs. Mas, por pouco que estudemos a situação religiosa das religiões cristãs não católicas, veremos que é absurdo pensar ainda que existe um pancristianismo super confessional.

Entre protestantes, a infiltração racionalista é tão generalizada que em um Congresso reunido em Upsala, e que se compunha de representantes de todas as seitas protestantes, da Igreja russa e da Igreja grega cismática, não foi possível senão fixar um ponto de Fé único: a existência de Deus. Alguns afirmavam que Deus é um ser pessoal, e outros que Deus é impessoal, isto é que se confunde com a natureza. Muitos sustentavam que Cristo foi apenas um super-homem e não um Deus, e assim por diante. De sorte que, entre os tais cristãos, nem sequer a Divindade de Cristo e a existência de um Deus inteligente é indiscutível. Há quem afirme que Deus é uma força irracional perfeitamente idêntica à “natureza” no sistema de certos filósofos do século passado.

Entre os cismáticos, há uma facção que aderiu ao comunismo, e outra que combate o comunismo.

E, assim, temos cristãos comunistas, cristãos panteístas, cristãos que não acreditam no Cristo-Deus, e assim por diante.

À vista disto, o que é que se pode chamar “Cristianismo”? Uma vaga crença num vago Deus.

Ou os Srs. Plínio Barreto e Plínio Salgado se resolvem a ser mais explícitos ou enquanto se referirem a “Cristianismo” como força salvadora, estarão afirmando uma coisa inteiramente inócua, sem a menor consequência na ordem concreta das coisas.

É bom que, em matéria religiosa, se resolvam ambos a ser um pouco menos antiliberais...

Dir-nos-á muito leitor que somos de um rigorismo de arame farpado, capaz de afastar todas as ovelhas que pretendam achegar-se ao aprisco.

Tanto o Sr. Plínio Barreto como o Sr. Plínio Salgado são pessoas que chegaram à sua atual situação, de simpatizantes com o Cristianismo, depois de um longo itinerário intelectual em que, certamente, terão sido grandes as dificuldades e duros os caminhos. “Per Crucem ad Lucem”; é só pela Cruz, isto é, pelo sofrimento, que se chega à verdade.

Exatamente por isto não incriminamos nem a um nem a outro que se detenham por enquanto em um vago Cristianismo muito superior ao indiferentismo ou ao ceticismo da maior parte dos homens de sua geração.

Nosso intuito consiste, apenas, em tornar bem claro que, se um ou outro estudasse mais a fundo o Cristianismo e a situação religiosa do mundo contemporâneo, certamente veria que não é de seitas cismáticas ou de confissões heterodoxas que o Brasil pode esperar sua salvação. Rompendo com o erro, que é o agnosticismo, que é o indiferentismo, que é o ateísmo, é preciso que a ruptura seja total. A salvação que os dois ilustres escritores esperam para o Brasil não lhe pode vir senão da Igreja Católica, que é a única expressão autêntica da doutrina Cristã.

A civilização ocidental é filha da Igreja e só na Igreja, com a Igreja e pela Igreja se há de salvar.


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