Plinio Corrêa de Oliveira

 

Porque estamos sós

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Legionário, 20 de dezembro de 1936, N. 223

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O Diário, a magnífica folha católica de Belo Horizonte, publicou uma nota com o título “À sombra dos louros”, que corresponde exatamente ao ponto de vista do “Legionário”. Mais de uma vez, temos insistido sobre a pusilanimidade com que se conduziram os católicos a respeito das reivindicações de 1934. E não será supérfluo repisar um pouco a questão.

Façamos preliminarmente um pouco de história. Aliás, será interessante fazê-lo, porque se trata de uma história ainda mal conhecida.

Em fins de 1931, toda a imprensa se ocupava com a reconstitucionalização do País, veementemente reclamada pela política paulista. Em conversa, no Rio, com o ilustre líder católico Tristão de Ataíde, teve o autor destas linhas oportunidade para manifestar sua impressão de que os interesses religiosos do Brasil ficariam gravemente comprometidos se os católicos não influíssem sobre as eleições de que resultaria a escolha dos futuros constituintes. Tristão de Athayde respondeu prontamente que já tinha pensado nisto, e a tal ponto se preocupava com o assunto que já estava em entendimento com um amigo, o Dr. Heitor da Silva Costa, que estava redigindo um esboço dos estatutos de uma futura Liga Eleitoral Católica. Em reunião depois realizada no Palace Hotel, à qual estiveram presentes o atual Diretor do “Legionário”, o Sr. Tristão de Athayde, e o Dr. Cláudio Gans, elemento de destaque na vida religiosa do Rio, o Dr. Silva Costa leu o seu projeto de estatutos para a Liga, que foi amplamente discutido. Depois de retocado, foi definitivamente aceito.

Imediatamente, Tristão de Athayde pôs mãos à obra. Antes de deflagrar a revolução paulista de 1932, as “Juntas”, isto é, as comissões diretoras do Brasil inteiro, já estavam mais ou menos constituídas. Mal se pacificou o País, começaram os trabalhos eleitorais em que a Liga teve parte proeminente. Começou aqui a gloriosíssima arrancada eleitoral de 1933.

Seus resultados, ninguém os ignora:

a) foram eleitos diversos deputados que eram representantes lídimos e exclusivos do Catolicismo;

b) foram sufragados, nas listas partidárias, numerosos deputados conhecidos simpáticos ao Catolicismo;

c) mesmo alguns candidatos indiferentes a assuntos religiosos se comprometeram a defender as reivindicações católicas;

d) finalmente, foram aprovadas todas as reivindicações católicas, não somente as que eram esperadas e desejadas pelos católicos, mas algumas que os católicos desejavam, mas não tinham certeza de obter.

Julgará mesquinhamente a obra da Constituinte de 1934 quem quiser tomar em consideração tão somente o resultado positivo da Constituinte.

A bem dizer, se o resultado positivo - isto é, as conquistas alcançadas - foi brilhante, mais brilhante ainda foi o seu resultado negativo. Foi a Liga Eleitoral Católica  que evitou o comunismo no Brasil. Sabemos de fonte certa que  o Ministro Oswaldo Aranha  disse, textualmente, o seguinte ao Cardeal-Arcebispo do Rio de Janeiro: “Se os católicos não se tivessem congregado para interferir nas eleições de 1933, o Brasil estaria hoje definitivamente desviado para a esquerda”.

Realmente, quem ainda se lembra da detestável atmosfera política que reinava antes da Constituinte, concordará com o Sr. Oswaldo Aranha. Foi graças ao esforço eleitoral católico de 1933 que o Brasil não ficou socialista ou mesmo comunista.

*   *   *

Tudo indicava que a Igreja pudesse contar com uma Assembleia tão radicalmente católica que correspondera plenamente à expectativa dos mais ardorosos paladinos do catolicismo. Não só a Assembleia salvara o Brasil do comunismo, lançando alguma água benta sobre a república laica (...) de Benjamim Constant, ela dera um importante passo para a recristianização do País.

No entanto, dias depois das eleições de 1934, verificou-se o contrário.

Um dos mais rijos inimigos das reivindicações católicas, o deputado Pedro Aleixo, apresentou um projeto suprimindo o voto livre. O eleitor não poderia compor mais uma chapa mista, escolhendo elementos de diversos partidos políticos. Deveria votar em chapas completas, apresentadas pelos Partidos.

Esse projeto implicava em manietar a Liga Eleitoral Católica. O deputado Barreto Campelo desenvolveu contra ele uma oposição brilhante e tenaz. Mostrou o representante católico de Pernambuco, à saciedade, o inconveniente que ele encerrava. Mas o projeto foi aprovado, e a Liga foi degolada pelos próprios deputados que ela elegera, votando contra o projeto Pedro Aleixo apenas um reduzidíssimo número de católicos da Assembleia. Tristão de Athayde estava tão pessimista – com toda a razão – que nem sequer tentou modificar o curso dos acontecimentos.

A Assembleia funcionou mais nove meses. E não regulamentou uma única reivindicação católica. Por quê? Porque a maioria semicatólica da Assembleia não quis fazê-lo.

Veio depois a Câmara atual. E até agora nada se fez. O casamento religioso está “enterrado” em alguma comissão. As capelanias não existem, a despeito da enorme propaganda comunista nas forças armadas. O sindicalismo católico não pode desenvolver-se porque a liberdade sindical da constituição não foi regulamentada; tudo está no “tinteiro”. E bem no fundo do tinteiro.

* * *

Por que isto?

Por duas razões.

A primeira é que os católicos em 1933 cometeram um erro ao eleger um número excessivamente pequeno de católicos militantes.

Reafirmamos aqui uma tese que é básica: para que uma Câmara legislativa funcione bem, cumpre que ela tenha um número razoável (não precisa ser a maioria, evidentemente) de católicos militantes. Como católicos militantes entendo gente principal ou exclusivamente católica, em que se tenha absoluta confiança, que freqüente assídua e publicamente os sacramentos, que trabalhe na Ação Católica e que não ponha as suas convicções políticas acima de seus deveres religiosos.

Se houvesse grande número de católicos de tal jaez em 1934, a Assembleia Constituinte antes de se dissolver teria votado todas as emendas católicas e lhes teria dado a necessária regulamentação.

Mas os católicos elegeram muitos representantes de meias tintas. E foi essa “turma” de meias tintas, a que alguém já chamou os “católicos café com leite”, isto é, que não são pretos nem brancos, foi essa gente, que torpedeou, por inércia e má vontade, a vitória alcançada com a promulgação da Constituição.

Realmente – e vem agora a segunda causa – os católicos foram, nas eleições de 1934, de uma inabilidade pasmosa. Deixaram-se empolgar pelas preocupações exclusivamente políticas. Desinteressaram-se da Igreja. Desgostaram a todos os católicos de meias tintas da Assembleia. Contudo elegeram pouquíssimos dentre os deputados que mais trabalharam para a vitória de 1934. É o próprio Tristão de Athayde quem o disse. Alijaram seus amigos. Desgostaram os “simpatizantes”. E não desarmaram os inimigos.

Daí o fato de, até agora ser letra morta a maioria de nossas conquistas.

* * *

Foi com imenso prazer que o “Legionário” tomou conhecimento de uma reportagem do “Diário” de Belo Horizonte sobre a viagem do Sr. Valadares à Bahia. Essa reportagem completa a primeira nota e coincide inteiramente com nosso ponto de vista.

A realidade é a seguinte: a maioria dos políticos brasileiros não tem convicções religiosas. Religião é, para eles, um trambolho. Interessa para obter votos. Mas, no fundo, não simpatizam com ela.

O repórter do diário católico de Minas nos conta, em sua reportagem, que surpreendeu uma conversa de um numeroso grupo de altos políticos baianos e mineiros sobre Religião. Tratava-se de diálogo entre os representantes dos dois Estados em que se realizaram os Congressos Eucarísticos e que se destacaram pelas cortesias oficiais aos Congressistas.

Todos eles manifestaram antipatia à Igreja. Um ou outro como exceção manifestou indiferença.

A prova de que este estado de espírito é geral, e não apenas mineiro e baiano, o “Legionário” já a tem dado mil vezes. Realmente, por que é que nossos dirigentes não se fartam em prodigalizar gentilezas à Igreja mas, salva raríssimas exceções, negam toda e qualquer medida útil à sua obra evangelizadora?

Porque – digamo-lo uma vez por todas – os católicos estão sós. Nem na direita, nem no centro, eles podem encontrar a plêiade dos homens de confiança capazes de amparar seus interesses. Na imensa fileira dos parlamentares da direita ou do centro, há apenas uma ou outra andorinha católica que não faz verão.

Quanto à esquerda, nem se fala. Dentro dela, não há salvação.

Como sair dessa dolorosa situação?


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