Plinio Corrêa de Oliveira

 

NÃO NOS ILUDAMOS

Palavras aos otimistas e aos pessimistas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 2 de maio de 1937, N. 242

 

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Há duas ilusões que costumam prejudicar a atividade regeneradora dos católicos no Brasil.

Consiste uma delas em ver destroçadas todas as energias da Igreja. Admite-se - porque a fé manda que se admita - que a Igreja é indestrutível. Mas vê-se a realidade com óculos de tal maneira negros que a retina não se impressiona com as nuvens róseas que prenunciam uma radiosa restauração. Tudo lhe parece cor de breu. O menor vulto toma proporções de fantasma. O zumbir de um inseto como o roçar de uma folha pelo chão, parece prenúncio seguro da perseguição. E, para a Igreja ameaçada, só haveria uma tática a seguir: calar, e calar ainda, até que chegassem os esbirros que A conduziriam ao suplício. Ou implorar de certas forças meramente políticas a salvação, agradecendo-lhe tímida e respeitosamente um novo salvador que lhe quisesse impingir como moderno Constantino.

A esses pessimistas, nada temos a responder. A Providência se incumbiu de lhes abrir os olhos com o mais esplêndido desmentido.

Quem refletir um pouco sobre a Concentração Nacional não pode negar que ela é obra de Deus. As idéias modernas tendem para o desregramento completo dos costumes, para a negação total de Deus, para a destruição completa de todos os torreões que ainda se conservam de pé na frágil muralha da civilização ocidental. Há muitos anos que o Brasil não estava habituado a ver uma falange de moços ajoelhar-se virilmente no confessionário ou na mesa da Comunhão. Dos raros elementos que ainda se conservavam integralmente fiéis à Igreja, alguns morriam dizimados pela velhice, outros fraqueavam diante da pestilência do ambiente. Tudo prenunciava uma morte próxima. Foi então que, quando menos se esperava, um magnifico sopro de moços suscitou no Brasil inteiro, no Centro como no Norte, no Norte como no Sul, falanges inteiras de moços que, resolvidos a instaurar no Brasil a paz de Cristo no Reino de Cristo, proclamavam bem alto sua resolução de morrer pela Igreja.

Esse fenômeno não é efêmero. Ele não representa apenas o entusiasmo fugidio que a linguagem popular costuma comparar com tanta propriedade ao fogo de palha. Dez anos inteiros de expansão mariana, sempre vigorosa, sempre ascendente, sempre mais admirável, acabam de comprovar que, em São Paulo como nos outros Estados, o entusiasmo mariano não se apaga nem com o sopro do carnaval, nem com o abafador da indiferença dos cépticos, nem com a garoa impertinente do sarcasmo dos incréus.

Se procurarmos explicação humana para o desenvolvimento pasmoso do movimento mariano, não a encontraremos. Ela constitui um fenômeno superior às obras dos homens. Nela só se pode ver como origem o dedo de Deus.

Deus provou, com as falanges de Maria, que se é possível que Ele queira castigar o Brasil com uma perseguição, não permitirá que ela triunfe afinal. Porque Ele mesmo chamou, recrutou e disciplinou os soldados marianos que a Igreja chamará a postos no dia da grande peleja.

*  *  *

Apesar do que ficou dito, e que se dirige especialmente aos pessimistas, poder-se-á verificar que não somos dos que creem na estranha invulnerabilidade que certos otimistas atribuem ao Brasil.

Não podemos, não queremos e não devemos ser dos que afirmam que o Brasil está vacinado contra o comunismo. Afirmar que o Brasil não pode ser comunista, ou protestante, ou nazista, é afirmar de certa forma que o Brasil é impecável e que está imune contra a heresia, que pode deixar trabalhar a vontade os obreiros do mal, porque ele resistirá sem o menor esforço, sem a menor diligência, sem o menor trabalho, a qualquer pressão de forças internacionais. Em outros termos, ele pode deixar de “vigiar e orar para não entrar em tentação”. É impecável e, como tal, invulnerável.

O simples enunciado da tese mostra que ela é herética, que a inspira um orgulho nacionalista suficiente por si só para atrair sobre o Brasil as maiores provações.

É certo que a concentração Mariana que ora se realiza poderá confirmar ilusões de muita gente. Vendo a enorme massa humana constituída pelos congregados, muita gente otimista dirá de si para si que o perigo comunista ou o perigo nazista está muito longe do Brasil. (...) 

 

Dom Isidro Gomá y Tomás (1869-1940), clérigo e escritor espanhol, cardeal primaz da Espanha durante a Guerra Civil, na qual desempenhou destacado papel.

A Providência colocou, entretanto, em nossas mãos um documento magnífico para provar a inanidade dessas ilusões. É um artigo de S. Emma. o Sr. Cardeal Arcebispo de Toledo e Primaz da Espanha, Gomà y Thomaz, sobre as causas que levaram a Espanha ao abismo do comunismo.

A enumeração é longa, mas vale a pena ser lida.

1) A existência de grandes setores da opinião pública afastados da Igreja;

2) A corrupção do pensamento pelo abuso da liberdade da cátedra, da tribuna e da estampa; a farsa do parlamentarismo e a mentira do sufrágio;

3) A corrupção dos costumes provocada pelas idéias modernas em lares de todas as condições sociais;

4) A redução do proletariado à condição de vida tão duras, que seus ouvidos se abrem facilmente aos pregadores de idéias subversivas;

5) A formação defeituosíssima da consciência popular sobre os problemas da vida social e os deveres que dela decorrem;

6) A absoluta ausência da formação de uma consciência nacional;

7) O esquecimento das tradições históricas da Espanha;

8) O prurido, já velho de dois séculos, de copiar-se servilmente o que vem do estrangeiro, nas letras, nas leis e nos costumes;

9) Egoísmo e rivalidades que colocam em antagonismo os homens de valor e abrem acesso ao poder para ambiciosos sem talento e sem energia;

10) A incompreensão dos problemas reais do momento, enquanto a atenção dos governantes se fixa em questões de segunda ordem;

11) A consequente detenção do poder por elementos débeis, idealmente talhados para serem transformados em mercenários de forças internacionais;

12) A falta de uma autoridade política capaz de se fazer respeitar;

13) A inconstância das situações políticas;

14) O sentido plebeu da democracia espanhola, que mantinha afastadas da prática da política as classes mais cultas do país.

*  *  *

Quem não vê, por esta simples enumeração, que o Brasil possui todos ou quase todos os sintomas que levaram ao atual colapso a catolicíssima Espanha? Quem não percebe que temos todas as causas que produziram como efeito o comunismo na pátria de Santo Inácio?

Qual é o cego que ainda se recuse a ver? Ou o surdo que ainda se recuse a ouvir?

*  *  *

Se uma das grandes causas do comunismo na Espanha foi o otimismo dos que deveriam enfrentá-lo, uma das grandes causas da perseguição religiosa que sofre a Alemanha é o pessimismo dos que deveriam ter evitado o advento de Hitler.

Houve quem, na Alemanha, duvidasse da eficiência da Igreja como meio de combate ao comunismo e elemento de defesa da civilização. Houve quem - é horrível dizê-lo, mas foi nas próprias fileiras católicas - achasse que só Hitler poderia salvar a Alemanha do comunismo, e que a Cruz que fez recuar Átila e deu o triunfo a Constantino, seria impotente perante Lenin e sua camorra (...).

Por isto, nervosamente, atabalhoadamente, freneticamente, houve católicos que se ligaram aos protestantes, aos ateus, aos socialistas que trabalhavam com Hitler, para estabelecer uma frente única anticomunista.

Abriu-se o redil para que lobos e ovelhas lutassem contra os novos bárbaros. Os lobos atacaram os cordeiros. E se não fosse o bom Pastor, cujo Vigário reside em Roma, a estas horas o rebanho teria sido dizimado...

*  *  *

Como consequência, dizemos aos pessimistas: confiai na Igreja, trabalhai com as hostes católicas, conservando-as puras de qualquer mescla na qual só teriam a perder. Cooperai com todos os que puderem auxiliar-vos. Mas, pelo amor de Deus, não permitais que esta cooperação degenere em confusão de campo! Confiai no Salvador e não vos escravizeis a salvadores.

E aos otimistas dizemos: pelas entranhas de Cristo, nós vos pedimos que trabalheis. Inscrevei-vos nas fileiras da Ação Católica. Lutai por Cristo nas fileiras dos soldados da Igreja. E não permitais que, no dia do Juízo Final, o Juiz Supremo vos compare aos cães mudos de que fala o profeta.


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