Plinio Corrêa de Oliveira

 

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Machado de Assis

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 22 de janeiro de 1939, N. 332, pag. 2

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Certa professora do Rio Grande do Sul quis dar ao seu Grupo Escolar o nome de Machado de Assis. Entretanto, o Secretário da Educação daquele Estado indeferiu o pedido. O fato causou a sua repercussão, e não faltou quem condenasse a proibição da homenagem.

Ora, estamos plenamente de acordo com a decisão do Secretário. Machado de Assis foi, não há dúvida, um dos mestres da língua portuguesa, que se revestiu de soberana elegância sob seu talento. Não só; suas obras revelam uma alta penetração psicológica. Entretanto, Machado penetra nos refolhos da alma apenas para amesquinhar todos os sentimentos, sejam os mais nobres. Seus romances e seus contos atingem, por vezes, todo o dramático da vida. Pois bem, a própria tragédia sai desmoralizada; no meio da situação mais intensamente comovedora, ao fim da mais humana palpitação de afeto, aparece o dedo do bufão, que tudo achincalha. Nem o próprio sofrimento é poupado.

Muito têm já falado os críticos sobre esta singular obra literária; todos lhe reconhecem a influência inglesa. Mas isto ainda não é suficiente para explicá-la. Há, porém, outra influência por exemplo, o conto “A causa secreta”, ou o capítulo do “Dom Casmurro” intitulado “Rasgos da infância”. É evidente a intenção naturalista. Ora, cremos que Machado de Assis quis ser realista, mas não o conseguiu. O repugnante e o asqueroso têm uma certa grandeza que exige uma espécie de temperamento vibrátil e intenso. Isto faltava ao nosso escritor; por isso, soube apenas aviltar, diminuir, encardir tudo, até as misérias. O sentido do horror escapa-lhe; fica-lhe apenas o indecoroso.

Dizem que Machado foi um cético; não é bem a verdade. Depois do arrasamento de todo o ideal, depois de afirmada toda a mentira da existência, o escritor só poderia ser um niilista, destes que propõem suicídios universais. Longe disso, Machado era um acomodatício, que se dava muito bem com a miséria apregoada em seus livros. Teve uma excelente esposa e ótimos amigos; entretanto, a traição e a infidelidade foram seus temas prediletos; o que nos faz crer numa grande dose de atitude literária em seu pessimismo. Mas isto mesmo lhe define o espírito, incerto e desconfiado, amante todavia dessa vidinha medíocre, sem compromissos; nem mesmo com a própria arte.

Um outro escritor, perigoso por outros títulos, declarou amar os que escreviam com o próprio sangue. Esta habilidade foi desconhecida de Machado de Assis que, excetuados os versos a Corina, tudo escreveu com a tinta oficial das repartições públicas. Isto ele foi: um amanuense (*) com espírito de amanuense, dotado, porém, com a ciência da língua e de penetração psicológica.

Este homem poderá ter o seu nome na fachada de um estabelecimento de ensino?

(*) amanuense: antigo burocrata que fazia a correspondência e copiava ou registrava documentos, n.d.c.


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