Plinio Corrêa de Oliveira

 

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O reconhecimento de filhos espúrios

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 26 de novembro de 1939, N. 376, pag. 2

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É lamentável a tendência de nosso chamado “Direito Social” de afrouxar, quanto possível, os laços da família, principalmente quando procura proteger os filhos adulterinos com toda a sorte de facilidades, que tocam pelo vergonhoso. Entretanto, é preciso reconhecer que semelhante tendência, é o fruto da mentalidade jurídica reinante entre nós, mentalidade esta que considera o Direito como uma sequência de fórmulas esquemáticas, que se articulam mecanicamente. Uma inteligência assim embotada em sua acuidade natural, certamente produzirá monstruosidades, quando aplicada a um material nobre e delicado, como a sociedade humana.

Ainda recentemente a “Revista da Associação dos Serventuários da Justiça” publicou um parecer em que se afirma que os filhos ilegítimos de um desquitado podem ser legitimados, desde que, falecida a sua mulher, esse desquitado se case com a pessoa de quem houve os filhos ilegítimos. Ora, aqui se estatela uma destas contradições sesquipedais. Afinal de contas, o desquitado está ou não está casado? Se está, os filhos que tiver de outra pessoa, que não for sua mulher, serão espúrios e irreconhecíveis juridicamente. Se não está, então poderá casar-se novamente, legitimando os filhos do segundo leito. Mas até aí o jurisconsulto não quer chegar, por ser conclusão manifestamente contrária ao nosso Direito. Então, torce os seus raciocínios para chegar a esta maravilha: o desquite é, mas também não é, dissolução do casamento.

No fundo, o que há nisso tudo é o desejo de solucionar mecanicamente todas as dificuldades da vida social. Afora o divórcio, que é a consequência natural do reconhecimento dos filhos espúrios de um desquitado, senão mesmo a consequência prática, existe o preconceito absolutamente falso de que é injusto castigar nos filhos a culpa dos pais, marcando-os com o ferrete da bastardia. Mas quem é que disse que isto é castigo? Da mesma forma, há pessoas que nascem ricas e outras que nascem pobres, mais do que isso, há as que nascem sadias e há os aleijados. Não se trata de castigo; é um fato, um fato que pode ser doloroso, não há dúvida, mas que é a contingência inevitável do viver humano.

Nem tudo se soluciona, e querer tudo solucionar é desconhecer que a vida do homem neste mundo é essencialmente trágica, isto é, composta de elementos que inexoravelmente se repugnam. Assim, querer resolver certos conflitos que se projetam na vida social, é fazer esta mesma vida social decair de seu plano autenticamente humano, e por isso mesmo trágico, para um plano infra-humano, como o das sociedades modernas. Não há solução, há amputação, há uma falsificação do homem, que se já não sofre as injunções próprias à excelência de sua natureza, também já não é capaz senão de uma felicidade puramente animal, porque já não é capaz de heroísmo.


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