Plinio Corrêa de Oliveira

 

Conversa entre um católico, um "quinta coluna" e um bobo

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 2 de junho de 1940, N. 403

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Na Europa, como já temos dito mil vezes, a “quinta coluna” se compõe de elementos perfeitamente distintos. Em primeiro lugar, os espiões nazistas, os agentes de propaganda alemã, os alemães residentes no exterior etc., etc. Em segundo lugar, os nacionais de tendências totalitárias, de coloração esquerdista ou direitista pouco importa, filiados à III Internacional ou à Internacional das direitas, que já temos insistentemente denunciado através deste hebdomadário.

Entre estes elementos, a fusão é íntima, e a cooperação fraternal. Houve noruegueses que muito tempo antes da invasão já preparavam a defecção, desarticulando o serviço de convocação de reservistas, apoderando-se sub-repticiamente dos meios de comunicação a fim de os paralisar no momento oportuno, introduzindo-se insidiosamente nos postos de vigia e fiscalização a fim de evitar que a aproximação do inimigo fosse anunciada a tempo etc., etc. Ao par disto, havia espiões alemães que traziam o governo do III Reich perfeitamente informado de todos os recursos defensivos da Noruega, e que provavelmente chegavam a se insinuar nos meios governamentais, onde produziam artificialmente uma atmosfera de falso otimismo evidentemente propício às manobras da Alemanha. Não foi outra a natureza da penetração teuta na Holanda. Contaram os telegramas que os paraquedistas já desciam munidos de endereços dos membros da quinta coluna, aos quais se dirigiam incontinente. Assim, comunistas, totalitários da direita, espiões etc., tudo isto fazia um único exército de conspiração e de fraude, que foi sem dúvida um importantíssimo fator de êxito na ação invasora das forças nazistas.

Seria evidentemente ingrato procurar discernir, no Brasil, os elementos capazes de prestar, no momento oportuno, um igual serviço ao estrangeiro. Entretanto, esta tarefa, por ser ingrata, não é impossível. O “Legionário” a entrega à argúcia de cada um. As manobras da quinta coluna são fáceis de discernir. Basta um pouco de tato. É o que, por exemplo, se depreendeu de uma conversa que tiveram há dias um católico, um bobo e um “quinta coluna”. Ela mostra bem o que os bobos e a quinta coluna podem fazer contra o Brasil.

* * *

Quem estava com a palavra era o católico, que produzia uma longa dissertação.

É um erro grave, dizia ele, presumir que, no momento atual, podem os brasileiros estar inteiramente desprevenidos quanto à integridade territorial de sua Pátria. Quando outros motivos não existissem para nos persuadir do contrário, bastariam as verbas cada vez maiores que o Governo tem o propósito de consagrar à defesa nacional. Em uma época em que os impostos não são poucos nem leves, seria realmente um crime aumentar dispendiosamente a eficiência de nossa marinha de guerra e projetar a aplicação de importantes quantias na ampliação de nossos recursos defensivos em terra, pelo exclusivo gosto de atender aos caprichos da classe militar.

O “quinta coluna” teve um sorriso céptico. O católico, então, insistiu: Por outro lado se os Estados Unidos, cujos meios de defesa estão incomparavelmente mais desenvolvidos do que os nossos, se sentem seriamente alarmados pela situação internacional e cogitam de reforçar sua defesa, por que não admitir que o litoral brasileiro, ainda tão desguarnecido, possa ser objeto de um golpe de mão audacioso?

Um outro exemplo ainda pode ser tirado da conduta do Canadá. Julgou esta próspera e potente unidade da “Commonwealth” britânica dever entrar em entendimento com os Estados Unidos a respeito de uma recíproca colaboração em caso de ataque aéreo proveniente de outro continente, porque as autoridades canadenses não se sentem suficientemente protegidas. Ora, os recursos bélicos e pecuniários do Canadá não suportam comparação com os nossos.

* * *

Foi aí que mansamente, jeitosamente, o “quinta coluna” retrucou: o fato de ser o ataque possível sob o ponto de vista estratégico não se torna por isto provável. Para que tal ataque se verificasse seria preciso que ocorressem circunstâncias diplomáticas determinadas, que a ninguém é lícito prever.

Não concordo, disse o católico. Todo o mundo sente a fragilidade do argumento. Aceitemo-lo, porém, para discutir. Na época de surpresas fulminantes em que vivemos, nosso desejo deve ser de nos premunir contra todos os ataques possíveis, e não apenas contra prováveis. De fato, o mais provável dos ataques não é hoje em dia o do inimigo mais declarado, mas daquele em relação ao qual se tem fronteiras mais desguarnecidas. É esta a dura e brutal realidade em que nos lançou a política de força.

E ninguém ignora que é principalmente do lado do litoral que nossa defesa preocupa os técnicos. Por que? Evidentemente porque este ponto está desguarnecido. Basta tanto para considerar possível e bem possível qualquer ataque por lá.

O “quinta coluna” aproximou-se então do católico e lhe disse: E não seria interessante que alguma grande potência se atirasse sobre os Estados Unidos e lhe atrapalhasse o poderio militar e econômico? Inúmeros livros já têm sido escritos a respeito da influência norte-americana no Brasil. Basta compulsar tais livros, e as dezenas ou centenas de provas que eles compilam, para se ter a persuasão de que a intervenção mais ou menos constante dos Estados Unidos na economia brasileira constitui uma tirania insuportável para quem tenha verdadeiro brio nacionalista. Não seria, pois, interessante assistir o desmoronamento do colosso yankee e a consequente ruptura de fio que ele acionava até há pouco, nos bastidores da política brasileira?

Durante todo este tempo, o bobo parecia absorto em uma profunda e nervosa meditação. Só o “quinta coluna” falava, sorridente e animado, fitando o católico bem dentro dos olhos a ver se surpreendia as mínimas reações que suas palavras causariam.

Pacientemente, fleumaticamente, continuou a argumentar nosso católico. De suas palavras, disse-lhe, retenho sobretudo a primeira parte. Foi necessário escrever livros inteiros para demonstrar a existência da influência norte-americana. Caso um determinado país adquirisse, em lugar dos Estados Unidos, hegemonia na América, seria realmente necessário escrever um livro para demonstrar que ele estendia seus cordéis pelas duas Américas? Ou estes cordéis, tornados grossos como cordas de forca, seriam ostensivamente mostrados à população como ameaça para quem quer que não julgasse “providencial”, “sobre-humana”, “magnífica”, “incomparável”, a generosidade com que se pretenderia estender até estas plagas os benefícios civilizadores e as maravilhosas formas de governo de outras bandas?

O “quinta coluna”, sem se agastar, sem se embaraçar, sem se mostrar fatigado, sorriu uma vez, quando o amigo bobo puxou um destes suspiros, destes que chegam até os pés e, no dizer de Saint Simon, movem até os calcanhares. Vocês estão discutindo asneiras, disse ele. A sorte do Brasil está jogada. Qualquer das partes contendoras que ganhe a guerra assumirá a direção do mundo inteiro. E, neste momento, ai dos fracos. E nós somos tão fracos... acrescentou ele em voz de falsete, que foi morrendo desafinada e molemente nas suas últimas sílabas.

Depois de mais outro suspiro, este continuou: Não há resistência que adiante. Imagine uma esquadra possante, acompanhada de uma legião de aviões trazendo paraquedistas (quando falou em paraquedistas, o bobo tornou-se lívido!). O que poderemos fazer? Eu, por exemplo, o que farei? Confesso que me entregarei para salvar a vida desta imensa população em que se encontram crianças, velhos, doentes que, evidentemente, não convirá expor a perigos inúteis.

O católico, que durante o tempo inteiro conseguira não se exacerbar com o “quinta coluna”, irritou-se com o bobo.

Em primeiro lugar, disse-lhe vivamente, não é verdade que nossa “sorte” esteja jogada. O destino de um país não se resolve de modo inteiramente estúpido e arbitrário, por uma “sorte” supersticiosa que não existe. Acima dos homens está a Providência. E a História mostra que Deus já tem, mais de uma vez, ajudado as nações mal defendidas que empenham em sua defesa todos os seus recursos, e depositam nEle toda a sua confiança. Davi enfrentou o gigante Golias armado apenas de uma pedra. Deus, depois disto, não deixou de ser Deus. Eterno, imutável, Ele ainda tem para com os homens a mesma misericórdia. Mais ainda. Na vigência do Novo Testamento, ao contrário do que acontecia no Antigo, está inteiramente franqueado para os homens o manancial da graça. Por que não teremos confiança ainda maior do que a de Davi? Finalmente, é possível que você fuja e se esconda... para melhor salvar a vida dos doentes, dos pobres, das velhas e das crianças. Graças a Deus, pertenço a outra escola, e considero que é de armas na mão que estes devem ser defendidos, e não no fundo dos porões. Finalmente, se no campo raso os soldados expõem a vida, por que não o farão também os que ficam na retaguarda?

Não, meu amigo. Você é um bobo, mas desses bobos malandros e sem vergonha, que sabe ter bastante malícia para esconder seu pavor atrás de pretextos ardilosos.

O amigo bobo estava estarrecido. Uma descompostura? E como reagir? Brigar? Doe, não é verdade? Ficar quieto? É melhor.

Enquanto isto, o “quinta coluna” sorria, de um sorriso que queria dizer: ele tem toda a razão, todas as resistências são inúteis.

A esta altura, o bobo disse: Não se zangue comigo, quem me disse isto é fulano, e apontou para o “quinta coluna”. É com ele que você deve brigar.

Sentindo-se em contradição consigo mesmo, o “quinta coluna” deu uma gargalhada cínica. O católico o fitou com olhos penetrantes como espadas, e o “quinta coluna” girou sobre os calcanhares, sem dizer uma palavra. O bobo seguiu-o.

A despeito do bulício da rua, ouviu que dizia ao bobo: estes católicos são mesmo uns loucos. Que conto da carochinha, esta história da Providência.

E ainda pude surpreender o bobo, que, embuçado em um longo capote, molemente, em voz desafinada, disse de modo muito sonolento, muito inexpressivo, muito comprido: é meeeesmo!


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